ARBITRAGEM FISCAL E ADMINISTRATIVA: AME OU ODEIE.
O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) foi criado em 2009, pelo Ministério da Justiça, para retirar da alçada dos sobrelotados tribunais administrativos e fiscais uma série de litígios entre os particulares e o Estado no campo do direito administrativo e fiscal. O CAAD é um centro de arbitragem de natureza pública onde são constituídos tribunais arbitrais que, através da estrita aplicação da lei, realizam uma espécie de justiça privada: a justiça arbitral institucionalizada.
Os processos estão inteiramente desmaterializados e tanto os árbitros quanto as partes têm um log in que lhes permite aceder online a todo o processo. Se o caso for julgado por árbitro independente designados pelo Conselho Deontológico do CAAD (95% dos casos) as custas são iguais às dos tribunais do Estado. Se o contribuinte quiser indicar um árbitro, o tribunal passa a funcionar como colectivo de três árbitros, e o valor das custas é muito mais elevado, sendo o mínimo de €6 mil o que funciona como factor de desincentivo desta opção, mas com um detalhe: quando é esta a escolha, o Estado está isento do pagamento de custas mesmo se perder a acção. Ou seja, o Estado não paga um euro a mais no CAAD em comparação com os tribunais do Estado.
Das reclamações dos contribuintes contra as Finanças (até €10 milhões) aos processos laborais de funcionários públicos, tudo pode ser decidido, de forma rápida, por um perito designado pelo CAAD.
Com o aumento crescente da sua actividade, chegou ao Centro alguma autonomia financeira, que lhe permitiu melhorar progressivamente as receitas próprias. Neste momento o CAAD conquistou a sua autonomia financeira, não dependendo do orçamento do ministério da Justiça.
Com o sucesso, porém, chegaram também algumas reticências e críticas públicas. Sobretudo vindas dos juízes.
Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, desconfia: “o CAAD escapa ao controle de legalidade que o Ministério Público tem no tribunal administrativo”.
Nuno Villa-Lobos, presidente do CAAD, garante que esse controle e fiscalização existem desde o início, já que as decisões sempre foram públicas — o que não acontece, por exemplo, nos tribunais de primeira instância do Estado. Além disso, o CAAD, diz Villa-Lobos, notifica o Ministério Público de todas as decisões. “Celebrámos, por iniciativa nossa, um protocolo com a Procuradoria-Geral da República, em 2018, o que fortaleceu mais os mecanismos de transparência e integridade.” A possibilidade de recurso das decisões também garante que os processos podem ser verificados, o que significa, diz Villa-Lobos, que o CAAD está integrado no sistema de justiça, o que contraria totalmente a ideia, “falsa e sem fundamento”, de que escapa ao controlo da legalidade.
O Centro acrescenta que recentemente foi celebrado recentemente novo protocolo com o Tribunal de Contas (TC), nos termos do qual, além da notificação das sentenças arbitrais, que já era feita, o CAAD passa a notificar o TC de todas as arbitragens entradas, especificando quem são as partes, os árbitros, qual é o objecto do litígio e o seu valor. “Assumimos a nossa responsabilidade por inteiro: as decisões do CAAD são rápidas, sim, mas também têm de ser tecnicamente fortes e têm de ser transparentes em todos os momentos.”
É por isso, diz Nuno Villa-Lobos, que a escolha dos árbitros “obedece a critérios cada vez mais exigentes” pensados “para evitar ao máximo” os potenciais conflitos de interesse que minam a confiança. O sorteio dos árbitros é público e é da exclusiva competência do Conselho Deontológico, liderado por um Ex-presidente do Supremo Tribunal Administrativo, acrescenta. “A arbitragem feita no CAAD devolve com sentido de exigência a responsabilidade confiada pelo Estado.”
Villa-Lobos sublinha ainda que a maioria dos processos que entram no CAAD têm origem em pequenas e médias empresas, e microempresas, ou contribuintes singulares com processos relativos ao Imposto Único de Circulação (IUC) ou ao Imposto Sobre Veículos (ISV). “A resolução destes processos liberta dinheiro para essas pessoas ou para o Estado que, assim, deixa de estar parado. Além disso, o Estado poupa efectivamente milhões de euros em juros, já que as decisões no CAAD são rápidas.”
Os tribunais de antigamente, pesados e solenes, ponderados e lentos, onde juízes e procuradores ainda usam becas e advogados envergam togas, começaram a ser dispensáveis. E são cada vez mais dispensados. Esse é um facto consumado e inegável.
O CAAD parece estar a tentar garantir que não acontece à arbitragem administrativa o que de pior poderia acontecer: ser morta pela desconfiança. Todos os esforços que o CAAD tem feito no sentido de publicar as decisões e cooperar com as instituições, tentam, em suma, mostrar que esta arbitragem não é feita atrás de portas fechadas.
O CAAD percebeu que o futuro vai exigir à justiça arbitral a transparência sem a qual ela não tem credibilidade.
No fundo, o CAAD está a fazer com a arbitragem institucionalizada administrativa e tributária o oposto do que os sucessivos governos têm feito, e deixado fazer, com a arbitragem administrativa ad hoc — aquela que está prevista em cláusulas de contractos entre o Estado e privados, mas não se encontra ligada a centros institucionais de arbitragem.
Se isto é assim, por que razão as grandes arbitragens dos litígios do Estado com os particulares, como as parcerias público-privadas (PPP) não vão para o CAAD? Não é certamente por o limite de competência do CAAD ser de €10 milhões, pois esse limite só se aplica às arbitragens fiscais.
Quanto às arbitragens administrativas, não existe limitação. A pergunta tem uma resposta. Existe uma razão ponderosa para os grandes litígios não recorrerem ao CAAD: os privados, portugueses ou estrangeiros, tendem a não confiar num centro de arbitragem privada que foi criado pelo Estado. Ou seja, que, no fundo, é público. Veremos o que conseguem o tempo e talvez as alianças certas.
A arbitragem administrativa, enquanto privatização da justiça continuará a levantar problemas. A começar pela questão básica: como pode o cidadão confiar nos tribunais comuns se o próprio Estado foge deles? A confiança é o olho desse furacão.
Por enquanto, uma certeza: ame-o ou odeie-o, o CAAD está para ficar.
Inês Serra Lopes – Expresso
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