DISSOLVIDA A TASK FORCE, ESPERAM-NOS TEMPOS DIFÍCEIS. O ALMIRANTE DESPIU O CAMUFLADO E IMEDIATAMENTE COMEÇAM A APARECER OS RASGÕES NA TÃO APLAUDIDA COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE E DA MINISTRA.
Um homem de 65 anos levou a mãe de 90 a ser vacinada com a terceira dose. A mãe vive com ele, dado o seu estado frágil e idade, mantendo a residência numa capital do interior. Depois de umas horas na estrada, chegam ao centro de saúde onde a mãe está inscrita. A segunda dose da vacina foi dada com eficiência, método, rapidez. E a terceira? As coisas tinham mudado. Dentro do centro de saúde reinava a desordem e um amontoado de velhos todos com mais ou menos 90 anos. As marcações não funcionavam, disse uma funcionária, e tinham passado a um regime de open house. Tudo à molhada e fé em Deus. Maldispostos, os funcionários do centro de saúde discutiam e gritavam uns com os outros, também em open house. É provável que estejam exaustos, é provável que nesta altura do ano em que se discutem os aumentos e as prebendas da Função Pública os nervos estejam à flor da pele. E é provável que o Serviço Nacional de Saúde tenha ido ao chão e esteja a funcionar mal, sobrecarregado e descontente, com um catálogo de doenças que não foram tratadas e diagnosticadas a tempo e horas e que o vão mobilizar nos próximos meses ou anos. Mais os reforços. E assim, mãe e filho amanheceram no posto, esperando três horas pela vacina. Bem-vindos ao reforço vacina.
Dissolvida a task force, esperam-nos tempos difíceis.
O almirante despiu o camuflado e imediatamente começam a aparecer os rasgões na tão aplaudida competência do Ministério da Saúde e da ministra
O que foi um triunfo da logística militar e da competência e empenho do vice-almirante Gouveia e Melo em breve se transformará no caos do costume. Não percebi como o Governo conseguiu ficar com louros que não lhe pertencem, nem os da enxurrada final de vacinas que vieram da Europa, mas a especialidade do Governo é esta, ficar com os louros alheios, incluindo os do dinheiro da ‘bazuca’, que nada fez para ter ou merecer a não ser adoecer.
Não é só no reforço que vamos ter problemas.
Em centros de combate à doença, como o IPO de Lisboa, eternamente esquecido ali para os lados da viçosa Praça de Espanha, cheia de jardins onde se respiram os fumos dos carros, foi dito aos doentes, no Verão, que teriam de esperar a vez para serem tratados. O IPO lutava com uma terrível falta de meios e de pessoas. Uma mulher jovem com um cancro da mama teve de esperar várias semanas pela quimioterapia. Quando a iniciou, o tumor tinha crescido muito e teve de sofrer os rigores de um tratamento com doses maiores que lhe provocaram piores efeitos secundários. Não foi a única.
Seria bom recordar aqui a saga do IPO de Lisboa.
Há uns anos, no consulado de José Sócrates, foi-lhe apresentada a ideia de construir junto ao IPO de Lisboa um Maggie Centre. Maggie’s é uma organização inovadora e sem fins lucrativos, fundada por uma escocesa chamada Maggie que morreu de cancro da mama. O centro providencia informação prática e conforto emocional, além de apoio psicológico, moral, financeiro e cuidados não médicos, a doentes com cancro e às famílias. A taxa de sucesso dos Maggie Centres no Reino Unido é brutal e são o modelo do que devia ser o tratamento integrado do cancro. Os fundadores acreditam que um edifício com bom desenho e boa arquitectura é essencial para o conforto e cura dos doentes e há centros desenhados por Frank Gehry, Zaha Hadid e Richard Rogers. Gehry é um dos patronos Maggie’s.
A ideia, tecnicamente sustentada, foi apresentada ao ministro da Saúde da altura, Correia de Campos, que a apresentou a Sócrates. Sócrates gostou da ideia e deu indicações para ser executada. Rapidamente se provou que o velho IPO de Lisboa não tinha área ou instalações para isso, fornecendo um serviço de excelência com pessoal e equipamento médico de excelência num edifício velho e obsoleto, acanhado. A hotelaria era péssima, estava na hora de reinventar o IPO.
Ao cabo de várias trocas de conversas, convencionou-se que o novo IPO iria para Oeiras, onde Isaltino Morais oferecia os terrenos para a instalação do Instituto e do Maggie Centre e providenciava apoio total da câmara. Estava tudo bem encaminhado até o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, saber da coisa. Não, o IPO não iria para Oeiras, nem para Isaltino, nem para uma câmara do PSD, partido de Isaltino na altura,antes dos problemas judiciais. O IPO ficaria em Lisboa, logo se veria, talvez ali para os lados do Parque da Bela Vista, onde se fazia o Rock in Rio.
Passado tempo, o IPO não chegava, para quê parar aí, o que se iria fazer era um novo hospital central de Lisboa, chamado Hospital de Todos os Santos. Se não me falha a memória, o presidente da Câmara, António Costa, ainda lá foi inaugurar uma primeira pedra, com abundante séquito de cortesãos, jornalistas e câmaras de televisão.
Dizia uma notícia em Fevereiro de 2014: “O presidente da câmara, António Costa, mostrou ser defensor da construção do novo Hospital de Todos os Santos em Marvila, por um lado porque vai permitir integrar a zona oriental na malha urbana da cidade e por outro porque vai ser bem melhor, garante.” Os hospitais da colina de Santana, Capuchos, Santa Marta, Miguel Bombarda e São José seriam desactivados e os terrenos vendidos e usados para condomínios e escritórios privados. No novo hospital, os acessos e tudo, tudo mesmo, seriam “bem melhores”. Do IPO deixou de se falar, a troika andava por aqui. O hospital continuaria em Palhavã. Sócrates sucumbira em 2011.
Com vendas de terrenos, sobretudo os do aeroporto, bem negociados entre António Costa e Miguel Relvas no governo de Passos Coelho, a Câmara de Lisboa enriqueceu e muito. Medina era conhecido por dizer que não sabia o que fazer ao dinheiro.
Estamos em 2021. O novo IPO é uma quimera. São José, vendido muito abaixo do preço do mercado, como os outros hospitais, a uma empresa chamada Estamo, que tem capitais públicos, continua no lugar. Entretanto, nasceu um centro privado de tratamento de cancro, a Fundação Champalimaud.
E mais um hospital privado, o CUF Tejo, ambos de grande qualidade para quem tem seguro. E que seria de nós sem os seguros, como se o SNS pudesse abarcar os cuidados de saúde dos portugueses.
Do novíssimo Hospital de Todos os Santos não se ouve falar, a primeira pedra deve estar com ervas daninhas. A Estamo, da qual ainda menos se ouve falar, e que gere negócios imobiliários, tem hoje por única accionista, desde 2015, a Parpública. Estado, portanto.
Com estas mudanças e confusões quem se arruinou foi Duarte Lima. Tendo acedido a informação privilegiada sobre a construção do novo IPO e Maggie Centre em Oeiras, fartou-se de comprar terrenos na chamada envolvente, com financiamento do BPN, terrenos que não se valorizaram quando Costa vetou a decisão.
Tudo, nesta história bem portuguesa, revela um modo de governar a pátria. O Governo de Costa é mais disto, uma simulação de decisões e fantasias nebulosas acrescentadas pela incompetência dos ministros sobre os quais reina primeiro e absoluto.
P L U M A C A P R I C H O S A
Clara Ferreira Alves - -Expresso
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