quinta-feira, 7 de outubro de 2021

“CP versus TAP”. Quem precisa de comprar rodas não estoira tudo em asas

João Miguel Tavares, 5 de Outubro de 2021

Pedro Nuno Santos é um político talentoso, mas sofre de uma doença comum entre a espécie: acha que ímpeto, esforço e voz de comando solucionam todos os problemas problemas.

Pedro Nuno Santos quer aplicar às pernas de João Leão o mesmo tratamento que às pernas dos banqueiros alemães – pô-las a tremer. Confrontado com a demissão de Nuno Freitas, presidente da CP, o ministro das Infra-estruturas atirou-se ao pescoço do ministro das Finanças e, de caminho, ferroou António Costa: disse que se dependesse dele – ou seja, se Pedro Nuno Santos fosse o califa no lugar do califa –, a CP já teria um orçamento para 2022; já teria resolvido o problema da sua dívida histórica; e já teria autorização para fazer todas as compras essenciais ao funcionamento da empresa, incluindo umas famosas “rodas” que parece que tem demorado meses a adquirir.

É difícil não simpatizar com as dores do ministro das Infra-estruturas e do presidente da CP – quem não gostaria de ter empresas públicas despachadas e eficientes? Ao bater estrondosamente com a porta a três meses do final do mandato, Nuno Freitas queixou-se daquilo de que todos os gestores profissionais se queixam quando aterram em empresas estatais: de uma burocracia infrene que impede qualquer um de trabalhar de “forma eficiente e eficaz”, somando-se, no caso da CP, uma dívida astronómica, superior a 2,1 mil milhões de euros, que garroteia o funcionamento da empresa e esmaga todos os seus resultados líquidos.

Mas convém perceber as razões de tamanha falta de eficiência, e é aí que a explicação de Pedro Nuno Santos tem a mesma sofisticação dos tempos – Natal de 2011, está quase a comemorar dez anos – em que era líder da distrital de Aveiro e garantia estar-se a “marimbar” para os bancos alemães, que garroteavam o país como João Leão a CP. Segundo o então deputado do PS, Portugal tinha uma “bomba atómica” nas mãos: o não pagamento da dívida.

Só que essa bomba atómica, se um dia explodisse, explodiria sempre primeiro na nossa cara, e não na cara dos tremeliquentos banqueiros alemães. Hoje em dia, João Leão agarra-se leoninamente à torneira do orçamento não por fetichismo sádico, ou para chatear o colega, mas porque em boa medida Portugal continua a ser um protectorado, como nos tempos da troika. Bruxelas meteu a pata em cima dos PIIGS há uma década e nunca mais a tirou, nem vai tirar, enquanto os níveis da dívida estiveram acima de 100% do PIB e o principal desígnio nacional for garantir a cada ano a maior fatia possível da gamela europeia.

Há pior. A dívida que Pedro Nuno Santos tanto deplora, seja na CP, seja nos cofres do Estado, está, ano após ano, a ser agravada pelo próprio Pedro Nuno Santos,

graças à catastrófica nacionalização da TAP. Um erro que custou a Portugal 1,2 mil milhões de euros em 2020, mil milhões de euros em 2021 e mais mil milhões de euros em 2022. Esse dinheiro não só resolveria o problema da dívida da CP, como ainda sobravam 1,1 mil milhões para investir no TGV. Agora, fingir que o orçamento dá para tudo, sem que o Governo seja obrigado a fazer escolhas dificílimas, só é mesmo possível em sonhos de Natal com banqueiros alemães.

Fingir que o orçamento dá para tudo, sem que o Governo seja obrigado a

Fingir que o orçamento dá para tudo, sem que o Governo seja obrigado a fazer escolhas dificílimas, só é mesmo possível em sonhos de Natal com fazer escolhas dificílimas, só é mesmo possível em sonhos de Natal com banqueiros alemães.banqueiros alemães.

Pedro Nuno Santos não tem dinheiro para rodas de comboios porque estoirou tudo nas asas da TAP. É muito fácil ir para a frente das câmaras dizer que, se fosse ele, o problema da CP “estava resolvido”. Estava mesmo? Mais mal ou mais bem resolvido do que o problema da TAP? Pedro Nuno Santos é um político talentoso, mas sofre de uma doença comum entre a espécie: acha que ímpeto, esforço e voz de comando solucionam todos os problemas. Só que isso não é política. É apenas pensamento mágico.

https://www.publico.pt/2021/10/05/opiniao/opiniao/precisa-comprar-rodas-nao-estoira-asas-1979908

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