sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A QUALIDADE DA GESTÃO DA TAP

A notícia:

TAP gasta 20 milhões de euros a converter e reconverter avião

A TAP decidiu converter dois aviões de passageiros em cargueiros mas, um ano e meio depois, só um deles está a voar. O outro regressou ao hangar para voltar ‘à estaca zero’. Esta decisão terá custado aos cofres da TAP mais de 18 milhões de euros, aos quais acrescem os custos de estacionamento.”


Comentário:

O lucro médio que um passageiro representa para uma companhia aérea é de 4 euros (não sabia, pois não?).

Portanto esta decisão da gestão da TAP foi equivalente a perder 4,5 milhões de passageiros!

Fixe os nomes dos ‘administradores executivos’ da TAP:

  • Chief Executive Officer: Christine Ourmières-Widener
  • Chief Financial Officer: João Weber Gameiro
  • Chief Operations Officer: Ramiro Sequeira
  • Chief Corporate Officer: Alexandra Reis
  • Chief Commercial Officer:  Sílvia Mosquera

O acontecimento do ano é também o mais perigoso

Após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.

Toda a gente é unânime em considerar que a invasão russa da Ucrânia é o “acontecimento do ano”. Mas há que acrescentar outra coisa: é o acontecimento mais perigoso desde que Hitler invadiu a Polónia em 1939, provocando a II Guerra Mundial. Insisto: muito e muito perigoso, porque apesar dos lugares comuns sobre como “tudo tem solução, basta querer”, nesta altura não tem a “solução” que as pessoas estão a pensar, e a que tem é igualmente muito perigosa, embora isso não seja argumento para não a defender.

Essa solução é a vitória da Ucrânia sobre a Federação Russa, sobre Putin, porque a alternativa, a derrota da Ucrânia não é uma verdadeira solução e não acaba com nada. O dilema dos nossos dias é que qualquer solução, mesmo negociada, que não seja uma de derrota ou de vitória não é possível por muito que em abstracto seja desejável. Há uma forte razão para que haja este dilema: após a anexação pela Federação Russa de partes da Ucrânia, não há solução pactuada, ou há rendição ou derrota. Foi Putin que iniciou a guerra e foi Putin que destruiu qualquer possibilidade de qualquer negociação.


A indemnização de 500 mil euros
Na casuística que tem sido ofensiva da comunicação social, com colaboração secundária dos partidos, em particular o PSD, contra o governo misturam-se coisas sérias com irrelevâncias e má-fé. Mas o caso da indemnização dos 500 mil euros, mesmo que a história esteja mal contada como está, mesmo que seja legal como avalizou o Presidente, é inaceitável sob todos os pontos de vista. Moral, para começar, embora a moral tenha costas largas e eu não gosto de a utilizar como argumento. Mas se o que se passou não foi imoral, imoral de abusivo seja em que circunstâncias for, pode esticar-se a legalidade para maximizar as vantagens. Tal só é possível, claro, com a conivência de cima e o carneirismo dos debaixo.
Quando for grande quero ficar dois anos numa empresa paga pelos contribuintes, sair, seja porque me correram, seja porque quis, ir para outra igual na hierarquia do mando, e receber meio milhão…


A sorte para os ucranianos…
…foi ter Biden na Casa Branca. Em toda a sua carreira Biden era um dos raros políticos americanos que sabia alguma coisa sobre política externa e um “atlantista” de toda a vida. Conheci-o pessoalmente nessas andanças da OTAN e era tido como um senador que não se limitava a chegar às reuniões e a ter um estatuto de primeiro entre os pares, como acontecia por regra nas delegações americanas, mas que participava e mostrava genuíno interesse. Se há coisa que ele sabe, é o que é que Putin quer, e por que razão não se lhe deve dar o que ele quer. De forma aliás bastante intransigente, porque nestas matérias as hesitações pagam-se caro.


Não sei se o diabo ainda faz tratos como fez com Fausto…
…mas presumo que no caso vertente, como não é pela Gretchen, fique mais barato do que uma alma inteira. Eu explico-me esperando que a mensagem chegue a Mefistófeles. Do meu lado direito está uma pilha de livros que não foram para as estantes porque estão na categoria dos livros “que eu queria ler”. Do meu lado esquerdo, idem. Ambas estão no limite do equilíbrio, uma tem 200 livros mais ou menos, a outra cerca de 150. Acumularam-se nos últimos dois anos. Incluem uma antologia de Joan Didion, vários volumes da tradução da Bíblia de Frederico Lourenço, o último volume publicado da biografia de Staline de Stephen Kotkin, cerca de 1000 páginas, e a grande edição Landmark da História da Guerra do Peloponeso de Tucídides. Isto só para nomear alguns dos livros que mesmo antes de irem para esta pilha já foram folheados e lidos, um ensaio, um capítulo, as primeiras páginas (de Tucidides, para responder à minha curiosidade sobre como é que começa um grande livro clássico…).
Se há sítio que tenho a certeza Mefistófeles, o diabo que apareceu a Fausto, frequenta são as redes sociais, onde eu não estou porque para aprendizes menores de diabo, esgotam-me a paciência. Por isso se alguém lhe chamar a atenção de que preciso de tempo para ler isto tudo e mais alguma coisa, podemos fazer um tracto. Razoável, claro.

José Pacheco Pereira

Sábado

A indemnização milionária

Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta.

O episódio da indemnização milionária dada pela TAP à secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, é um exemplo acabado do estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.

Do que conhecemos ao momento que escrevo, terça-feira, dia 27, restam poucas dúvidas sobre o que representa este episódio em matéria de percepção pública do estado desta democracia, tão maltratada pelas redes de nepotismo, amiguismo e clientelismo que dominam os partidos de poder em Portugal, melhor dizendo, PS e PSD.
Em primeiro lugar, foi encapotada uma renúncia de Alexandra Martins ao lugar, portanto, sem direito a indemnização, num acordo de conveniências – que urge conhecer - entre as partes.
Por outro lado, a lei que a gestora da TAP Alexandra Martins andou a aplicar, enquanto responsável pelos recursos humanos da empresa, a centenas ou milhares de trabalhadores, foi a chamada lei laboral “da troika”. Traduzindo: uma lei que alterou radicalmente, em desfavor do trabalhador, as regras de indemnização por cessação de contracto de trabalho. Miraculosamente, pelo que se sabe, a senhora secretária de Estado escapou à severidade da dita lei.
As actuações da secretária de Estado, da TAP e do próprio Governo tresandam a duplicidade moral. Também a duplicidade política, traduzida na falência absoluta de todos os critérios de decência e, eventualmente, da lei, por parte de dois ministros do Governo.
Pedro Nuno Santos deve explicar se conhecia ou não os termos do acordo entre a então gestora da TAP e esta empresa, no momento em que a convidou para presidente da NAV.
Se conhecia é muito grave. Significa que pactuou com a mentira de mascarar uma renúncia contratual num acordo de partes. Significa, também, que pactuou com uma lógica de administração danosa, um crime previsto e punido pela lei penal, ao aceitar que o mesmo patrão, o Estado, pague uma indemnização milionária e depois contrate, para outra empresa, em termos não menos milionários. Sabendo, é claro, que isso não seria neutro numa empresa em que os contribuintes já meteram para cima de 3,2 mil milhões de euros, que despediu a torto-e-a-direito, que se rege por regras de direito público, onde deve ser exemplar. Espera-se o douto entendimento do Ministério Público.
Se não sabia da indemnização é igualmente grave. Coloca-se, obviamente, a questão de saber o que anda o ministro a fazer no cargo. É um problema político para o Governo, mais um, e um espinho brutal cravado no futuro de um ministro e de um político que aspira a ser líder do PS e primeiro-ministro.
Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, tem de explicar o que é que conhecia, afinal, de toda esta história mal contada. Tem de dissipar o ruído de algo que não o compromete, ainda, mas que lhe coloca, para já, um problema político muito complicado. Deve clarificar, desde logo, se conta ou não com Alexandra Reis para dirigir a reprivatização da TAP. Mas deve também clarificar o que sabia da trajectória da gestora. Se conhecia a indemnização, se o incomoda um potencial conflito de interesses pelo facto de a sua mulher, alto quadro da TAP até Fernando Medina ser ministro das Finanças, ter trabalhado em contacto estreito com Alexandra Martins.
Este não é um “casinho”. É um episódio grave que subverte a imagem do governo perante a opinião pública, o eleitorado, e que lhe coloca a obrigação democrática de esclarecer tudo, sem subterfúgios e, sobretudo, sem o recurso ao rolo compressor da maioria absoluta. É um episódio grave que traduz um dos problemas da democracia portuguesa. A mensagem é simples e letal, em matéria de confiança nas instituições e no regime. Se estás longe ou mesmo na periferia das esferas de influência do poder e do dinheiro, estás dependente da vontade do imperador. Recebes umas esmolas e umas graças imperiais de vez em quando. Se estás perto da centralidade do poder, estás perto de Deus e do Imperador, das suas graças, da simpatia, da cumplicidade, do favor, da cunha, do jeitinho, da atenção, da informação privilegiada, da assinatura decisiva, da “construção” da vontade que molda a lei aos acordos de conveniência. E isso, num espírito republicano e laico, socialista, social-democrata, de esquerda ou de direita, é inaceitável. Espera-se do Governo e de todos os socialistas o mesmo músculo que têm evidenciado no combate a ameaças da democracia, como o Chega e outras…

Eduardo Dâmaso

Sábado

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

De Belém a Bruxelas

O escândalo de corrupção no Parlamento Europeu é gravíssimo. Com uma grande diferença em relação ao que temos por cá: em Bruxelas não se varre a sujeira para debaixo do tapete.

Dificilmente podia ser mais grave o caso de corrupção que abalou o Parlamento Europeu. Estamos a falar de uma deputada – a vice-presidente do Parlamento Eva Kaili –acusada de vender o cargo, colocando o seu poder de influência, as suas posições políticas e a sua capacidade de determinar a agenda em Bruxelas ao serviço de quem lhe pagava, em malas de dinheiro vivo. Tudo embrulhado com ONG de fachada que serviam para mascarar a agenda corrupta e criar relações de simpatia com gente influente nos círculos europeus.

Mais grave ainda é a identidade do alegado corruptor: um Estado estrangeiro, o Qatar, que não se terá inibido de infiltrar uma das principais instituições da União Europeia, num ataque frontal à soberania dos Estados-membros. Isto depois do escândalo de corrupção na FIFA para ganharem a organização do Mundial de 2022. A ofensiva de charme com que o emirado quis comprar uma posição respeitável no mundo saiu-lhe definitivamente mal. Antes de tudo isto, ninguém sabia o que era o Qatar; agora todos sabem; e sabem que não é flor que se cheire. Tanto dinheiro gasto para descobrirem que não se compra a respeitabilidade.
À escala portuguesa, onde não nos faltam casos sob investigação, a única coisa que me ocorre de dimensão comparável é a Operação Marquês, em que o Ex-primeiro-ministro José Sócrates é acusado de ter posto o cargo à venda, conduzindo as políticas públicas do país em favor de quem lhe assegurava o enriquecimento pessoal. Escusamos de comparar a eficiência com que as autoridades portuguesas e belgas investigaram cada um dos casos, ou a celeridade com que os tribunais agora farão o julgamento – seria demasiado deprimente para o nosso lado.
O que interessa comparar, no entanto, é a resposta das instituições envolvidas nos casos de corrupção, cá e lá. No Parlamento Europeu, o grupo parlamentar socialista, de que fazia parte Eva Kaili, expulsou-a imediatamente da bancada (o PASOK grego também a destituiu do partido) e anunciou até que se constituirá como "parte lesada" no processo judicial, para que possa pedir reparação do mal que a deputada causou à sua família política. Por cá, no caso Sócrates e em tantos outros, moita-carrasco. Os partidos agarram-se ao chavão "à Justiça o que é da Justiça", cruzam os dedos e não fazem nada.
Foi aliás essa a reacção do ministro dos Negócios Estrangeiros: confrontado com o caso, à entrada de um Conselho de Ministros da UE em Bruxelas, João Gomes Cravinho mostrou-se preocupado, mas não foi além de apelar a que tudo se investigue. Questionado sobre a reforma dos mecanismos de integridade nas instituições europeias – nomeadamente, a criação de um organismo independente de ética há muito exigido por organizações não-governamentais e finalmente prometido pela Comissão Europeia, em resposta ao escândalo – o ministro não se mostrou muito para aí virado. Os tribunais que resolvam.
Não admira: na mesma ocasião, Gomes Cravinho foi questionado sobre a bizarra decisão de, em 2021, quando era ministro da Defesa, ter nomeado para a presidência da empresa ETI - Empordef Tecnologias de Informação o Ex-director-geral de Recursos da Defesa Alberto Coelho, já então sob suspeita de corrupção e agora apanhado na Operação Tempestade Perfeita, sobre o negócio pornográfico das obras no Hospital Militar de Belém, que derraparam dos 750 mil para os 3,2 milhões de euros. Sobre a sua responsabilidade política directa e objectiva na promoção de um homem que já estava sob suspeita, desviou para canto com a sonsice habitual nestes casos, despachando que "este é o momento da justiça e acho que não nos devemos envolver com comentário político sobre um procedimento judicial".
É essa a grande diferença entre Belém e Bruxelas. Em Belém, quando alguém rouba nas obras de um hospital especial para a Covid, cai um silêncio sepulcral, quase religioso, sobre as responsabilidades políticas: os portugueses têm de engolir a ladainha "à Justiça o que é da Justiça" e assistir à inércia institucionalizada de quem tinha a obrigação de pôr ordem na casa. Em Bruxelas, apesar de tudo, as instituições reagem: "o Parlamento Europeu está sob ataque, a democracia europeia está sob ataque", disse a presidente do Parlamento, Roberta Metsola, no plenário da instituição em Estrasburgo. "Este é um teste aos nossos valores e aos nossos sistemas. Não haverá impunidade, não varreremos nada para debaixo do tapete", acrescentou, ao anunciar uma reforma das normas e controlos internos sobre a actividade dos deputados e os riscos de corrupção na instituição.
Em contraste, o que vimos do presidente do Parlamento português, Augusto Santos Silva, foi o elogio ao Qatar pelo apoio que deram à retirada de afegãos na fuga aos talibãs – precisamente um dos argumentos que Eva Kaili desfiava em defesa do emirado. A diferença é que a eurodeputada grega impingia a propaganda oficial a troco de malas de dinheiro, enquanto Augusto Santos Silva o fez apenas para ter bilhetes para a bola.
Por cá, a mesma família socialista que se constituiu assistente no processo belga contra Eva Kaili manteve-se muda e surda sobre o caso Sócrates, e tantos outros. O silêncio, o encobrimento e a fuga à responsabilidade mantêm-se a regra em resposta a casos de corrupção. O sistema judicial é o álibi atrás do qual se escondem os que têm a obrigação de prevenir a corrupção e fortalecer as instituições democráticas e quem quiser reformas internas, responsabilização política e mecanismos de integridade é populista. Quando a democracia soçobrar sob o peso desta brutal inércia, os que a fizeram cair dirão que a culpa é de quem não alinhou na lei do silêncio e violou o código de omertà da República.

João Paulo Batalha

Sábado

Isto já começa a parecer um Governo de Santana Lopes.

Havendo tantas diferenças, porque é que a sensação de desgoverno é a mesma? Porque é que o novo executivo parece uma geringonça sem parafusos?

João Miguel Tavares

João Miguel Tavares

28 de Dezembro de 2022,

Marcelo chamou-lhe “vícios originais”. A frase completa é: “Está em causa um processo de reajustamento do Governo muito acelerado. Isso significa ter a noção de que é preciso ir mudando orgânica e pessoas, e que houve vícios originais ou soluções que não provaram num espaço de tempo muito curto.” Tenho pena que os jornalistas não tivessem pedido ao Presidente da República para desenvolver esta tese dos “vícios originais”, curiosíssima expressão que mereceria muita hermenêutica. Mas se Marcelo não fez esse trabalho, fazemos nós por ele.

Em nove meses de maioria absoluta – convém sublinhar o “maioria absoluta” –, já saíram do Governo um ministro (Marta Temido) e sete secretários de Estado. Temido, como bem sabemos, saiu desgastadíssima e nada contente. No Ministério da Economia, dois secretários de Estado acabaram corridos em câmara lenta após terem discordado publicamente do ministro. Já Miguel Alves, antigo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, foi defenestrado após o psicodrama do Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha se ter arrastado durante mais de duas semanas.

Para o seu lugar entrou o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Mendonça Mendes, o que obrigou a uma remodelação no Ministério das Finanças. Foi na sequência dessa remodelação que Alexandra “500k” Reis foi resgatada à NAV e nomeada secretária de Estado do Tesouro – para ser demitida 25 dias depois, com António Costa a rezar para que a exibição pública da sua cabeça faça esquecer as danças duvidosas de Pedro Nuno Santos e de Fernando Medina nos bastidores da TAP.

Pergunta: alguma vez se viu coisa semelhante a esta? A resposta é “sim”. Viu-se em 2004, quando Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro, e se queixava do “bebé” que estava “na incubadora” a levar “estalos” dos “membros da família”. Lembram-se? “Este é um Governo a quem ninguém deu quase o direito de existir antes de ele nascer”, lamentou Santana em Novembro de 2004, “e que, depois de nascer através de um parto difícil, teve que ir para uma incubadora e vinham alguns irmãos mais velhos e davam-lhe uns estalos e uns pontapés”.


Na altura, a inesquecível metáfora da incubadora surgiu na sequência de um artigo assassino do irmão mais velho Cavaco Silva no Expresso (“A boa e a má moeda”), no qual ele pedia que os “políticos competentes” afastassem os “incompetentes”. Jorge Sampaio fez-lhe a vontade: 24 horas depois, anunciava a dissolução do Parlamento. E assim – importa jamais esquecer – nasceu a maioria absoluta de José Sócrates.

Há quatro grandes diferenças entre a situação de António Costa em 2022 e a de Santana Lopes em 2004. 1) O parto de Costa foi uma maioria absoluta. 2) Costa não é Santana. 3) Marcelo não é Sampaio. 4) Quem está actualmente na incubadora não é o Governo – é o país. Mas havendo tantas diferenças, então porque é que a sensação de desgoverno é a mesma? Porque é que o novo executivo parece uma geringonça sem parafusos?

É aqui que entram os “vícios originais”. Dedicar-lhes-ei o meu próximo artigo, até porque é uma excelente forma de terminar o ano. Mas posso deixar duas pistas. Vício original 1: Costa não sabe o que fazer com a maioria absoluta, porque ela só atrapalha quem não quer mudar nada. Vício original 2: Quem gere o país como se fosse a mercearia do Partido Socialista rodeia-se de velhos amigos e gente da família, porque a fidelidade é mais importante do que a competência. Só que (claro) não é.

O autor é colunista do PÚBLICO

O PEDRO NUNO SANTOS

É QUE ‘TEM RAZÃO’

A barafunda e a desorganização parecem totais e os políticos em posições de poder – actuais ou passadas – têm tido uma de duas posições:

· Escondem-se para ver se ninguém se lembra deles

· Fogem quais ratos num navio em perigo de se afundar

E – no meio disto tudo – António Costa parece que está de férias e não fala e Marcelo vai passear para o Brasil!

MEU DEUS!

RAZÃO tinha Pedro Nuno Santos quando aqui há uns meses – na ausência de António Costa do país – tentou tomar conta DISTO, ‘decretando’ uma solução para o/s aeroporto/s.

Aparentemente ‘falhou o timing’, mas talvez não tenha sido mais que uma declaração de intenções e um apalpar da fruta para ver se estava madura.

Ao ter sido mantido no governo (o que é INACREDITÁVEL e mostra que Portugal de facto evoluiu dum PAÍS para a condição de um SÍTIO à beira-mar plantado) ficou a saber que a fruta estava quase madura e na primeira oportunidade que lhe apareceu, foi-se embora, para preparar a equipa para a vindima.

Vão ser tempos interessantes!

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

GUIA DE PRODUTOS ESSENCIAIS PARA UM CARRINHO DE COMPRAS COM QUALIDADE NUTRICIONAL, SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL.

Governo de Espanha – Ministério do Consumo

Este documento apresenta uma proposta para produtos essenciais saudáveis,
frescos e processados, para formar um cesto de compras nutricionalmente de qualidade,
saudável e sustentável. A lista dos produtos seleccionados está definida no anexo I.

  • Para a elaboração desta proposta, foram tidos em conta:
    • Relatório do Comité Científico da AESAN sobre recomendações alimentares sustentáveis e as particularidades da dieta mediterrânica.
    • Trabalhos anteriores desta Agência com outros organismos, em relação à oferta
    de comida para pessoas desfavorecidas.
  • Trabalho anterior sobre impostos saudáveis.
    Na selecção estas recomendações e trabalhos foram tidos em conta, tanto para
    a distribuição dos produtos nas três refeições diárias -pequeno-almoço, almoço e jantar, contemplando também a possibilidade de usar alguns deles como um lanche ou uma ceia, como em modo de consumo, para completar uma ingestão diária nutricionalmente equilibrada por grupos alimentares saudáveis.

 
1. Legumes e frutas, que devem constituir a principal ingestão diária nas três refeições, e também como um lanche saudável. Os sazonais são preferíveis, e
vegetais, frescos e congelados.

2. Cereais (pão, arroz, massa…), que são consumidos diariamente e são recomendados para serem integral, tendo em conta que representam um importante contributo da energia.

3. As batatas e outros tubérculos podem ser consumidos diariamente, mas a sua contribuição
nutricional é muito limitado, por isso é recomendado que seja limitado, dado que a sua
A principal contribuição é calórica.

4. No que diz respeito às fontes proteicas, tanto animais como vegetais, existe uma ampla
gama de alimentos para contemplar, que pode ser combinado tanto diariamente como semanalmente para garantir a contribuição das proteínas de uma forma variada e acessível.

a. Leguminosas destacam-se por ser uma fonte acessível de proteína, com baixo
O impacto ambiental, que pode ser consumido diariamente, e em diferentes preparações, pelo que são muito versáteis.
b. Os frutos secos têm a particularidade de uma ingestão calórica elevada, por isso
o seu consumo, que pode ser diário, deve ser ajustado aos consumos calóricos.

c. O peixe é uma fonte de proteína no âmbito da dieta mediterrânica;
Especificamente, peixes oleosos ricos em gorduras saudáveis. Pode ser incluído
Apresentações enlatadas, preferencialmente naturais ou com azeite ou girassol.
d. Ovos, de preferência de galinhas ao ar livre, como critério de bem-estar
animal.
e. A carne, sendo a mais saudável aves e coelho. Pode ser incluído produtos magros congelados ou enlatados com baixo teor de sal.

5. Pratos preparados: devem ter uma presença reduzida no carrinho de compras e devem ser fabricados com os produtos acima indicados, minimamente processados e com um teor muito baixo de gorduras saturadas, sal ou açúcares adicionados.

Água da torneira é a bebida de eleição. Por isso, as bebidas não são recomendadas na cesta básica.

Para uma alimentação saudável, recomenda-se a seguinte distribuição dietética das categorias acima referidas.

• 50% de frutas e legumes.
• 25% de cereais, preferencialmente cereais integrais.
• 25% de proteína, lembrando que as leguminosas e os frutos secos são uma fonte de proteínas saudáveis.
Como complemento e recomendação que poderia acompanhar esta medida de promoção do catálogo de produtos básicos da compra, em linha com a situação actual de alto custo de energia, pode ser concluído com recomendações para a elaboração destes produtos. Assim, é preferível preparar-se cozinhando ou vaporizando e a utilização de micro-ondas e panela do ponto de vista do consumo de energia dos aparelhos domésticos. É também aconselhável, neste sentido, preparar grandes quantidades que são congeladas, e consumir mais tarde. Apresentações que minimizam consumo de energia em casa (por exemplo, leguminosas cozidas).

ANEXO 1




GUÍA DE PRODUCTOS ESENCIALES PARA UNA CESTA DE LA COMPRA NUTRICIONALMENTE DE CALIDAD, SALUDABLE Y SOSTENIBL

Os corruptos vão à escola

Gerou-se finalmente um ponto de consenso nacional no combate à corrupção: ir às escolas chatear criancinhas. Uma bela lição de hipocrisia paternalista.

Virou moda: no último dia 9 de Dezembro, o Dia Internacional Contra a Corrupção, a ministra da Justiça foi a uma escola em Elvas, acompanhada das altas autoridades na matéria, ensinar aos jovens que é feio roubar. Eles se calhar não sabiam; ficaram a saber. A própria Estratégia Nacional Anticorrupção tem como prioridade central a educação contra a corrupção nas escolas. Melhor dizendo: a educação nas escolas contra a corrupção. Porque, como adivinha o leitor, não é nas escolas que está o núcleo duro da corrupção em Portugal.

Apesar disso, é nas escolas que é preciso "apostar", explicam-nos as lideranças políticas – e não só: uma associação cívica, a All4Integrity, dedica grande esforço à educação contra a corrupção nas escolas (perdão, à educação nas escolas contra a corrupção), inclusivamente distribuindo certificados de Escolas Embaixadoras Anticorrupção às que mais zelosamente ensinarem aos jovens que é feio roubar. Eles se calhar não sabiam; ficam a saber.

Se tivesse eu de desenhar uma Estratégia Nacional Anticorrupção, seguramente centrá-la-ia nos partidos políticos, no Parlamento e no Governo. É lá que se fazem as leis e os favores (e as leis de favor, e os favores nas leis). É lá que se distribuem milhões às empresas dos camaradas. É lá que se negoceiam benefícios fiscais, acesso a fundos europeus e esquemas de contratação pública (agora relaxados porque o que conta é "executar"). É lá que se assinam concessões a 30 ou 40 anos com rendas garantidas. E é lá que se traficam influências e dinheiro sujo para os partidos e para os comissionistas dos partidos.

Mas, em Portugal, a "aposta" é nas escolas, esse antro de corrupção. Pelo que se tornou rotineiro ver entidades oficiais e oficiosas ensinar à tenra juventude que todos temos um corrupto dentro de nós que é preciso reprimir com contrição e temor a Deus. Chama-se pedagogia contra a corrupção. Prevenção pela ética política não há. Repressão eficaz no sistema penal não há. Sanções disciplinares para funcionários, ou regulatórias para empresas, que não morram na prescrição dos recursos dilatórios, não há. Recuperação de activos não há. Que não nos falhe ao menos a pedagogia nas escolas, esse antro de corrupção.

Este festival de doutrinação infantil parte de um pressuposto errado: o de que o combate à corrupção em Portugal falha porque ninguém sabe como fazê-lo; e que é nas escolas que se aprende. Só que não é verdade. O problema não é quem tem de combater a corrupção não saber fazê-lo. É não querer fazê-lo.

É verdade que continua a haver uma enorme iliteracia sobre governança e sistemas de ética e integridade nas organizações. Mas esse é um analfabetismo que tem de se resolver nas instituições, com os adultos que nelas trabalham e que com elas interagem; não se resolve pregando missinhas moralistas às crianças. Primeiro, porque essa abordagem não passa de hipocrisia paternalista: como registou o estudo recentemente publicado sobre ética política, o termo que os cidadãos mais associam à palavra "corrupção" não é "crianças". É "políticos". Fazer das escolas o lugar consensual de combate à corrupção é escolher deliberadamente o alvo errado e adiar o problema por uma geração, fingindo que se está a fazer alguma coisa.

A segunda razão pela qual a "aposta" nas escolas é uma cretinice ingénua (ou, pior, um circo degradante) é que alimenta a noção de que a corrupção é um "mal cultural" português (ou "sulista", ou "católico") que está entranhado no nosso sangue, que já não vamos a tempo de limpar dos nossos ossos mas, com esforço e dedicação, conseguiremos apagar da pele dos nossos meninos. Outra bela treta. Qualquer cidadão médio, qualquer ser humano, tem um instinto natural para detetar a injustiça e reagir – e nisto, aliás, ninguém tem um mais afinado detetor de balelas do que um miúdo de 16 anos.

Ninguém gosta de engolir desaforos ou pactuar com abusos. Se os portugueses praticam a cunha e o favor é porque as instituições que nos deviam servir com abertura, celeridade e eficácia não funcionam – obrigando o cidadão a ver os seus direitos esvaziados ou a negociar com a balbúrdia, tentando safar alguma coisa que o ajude a seguir com a sua vida. A ética que nos falta não é a ética individual dos "homens bons" – seja lá isso o que for. É uma ética institucional que estabeleça regras claras, procedimentos transparentes, sistemas de controlo e mecanismos de responsabilização. Uma instituição sólida – melhor dizendo, uma democracia digna do nome – não é a que depende de uns quaisquer super-cidadãos ou homens puros. É a que sabe defender-se, sempre que algum impuro pisa o risco.

O papel de uma estratégia anticorrupção não é produzir heróis, com prémios públicos ou discursos de virtude. Essa abordagem é boa para os populistas autoritários. O combate à corrupção tem de ser abordado como uma questão de política pública, assente em objetivos concretos, com medidas práticas levadas a cabo por instituições capacitadas dentro de prazos bem definidos. Trata-se de criar uma democracia centrada em instituições capazes de nos tratar a todos por igual; não em líderes centrados nas suas bases de apoio e nas suas tribos clientelares. É muito difícil perceber isto?

Essa cultura que, mais do que cultura anticorrupção, é cultura democrática, não se cria nas escolas a dizer às crianças "resolvam vocês isto, porque nós já desistimos". Cria-se com instituições fortes, transparência e prestação de contas aos cidadãos, sem lideranças complacentes, nomeadas por "confiança política" ou cooptadas por "reconhecido mérito" de entre a corte de elites endogâmicas que se passeiam há décadas (eles, os filhos deles, os amigos deles e os filhos dos amigos deles) nos corredores do poder.

Faz sentido irmos às escolas, sim, para falar de democracia, não para pregar moral. Ensinar o que é a Constituição, como se faz uma lei, a diferença entre um tribunal de primeira instância e um tribunal de recurso, quais são, como funcionam e como deviam funcionar as instituições que governam a nossa vida. Os nossos filhos não são parvos, são apenas jovens. Não precisamos de os aborrecer com lições beatas sobre o que é ser bom cidadão. Eles dispensam o paternalismo. Gente crescida: tenham noção e eduquem-se a vocês primeiro.


João Paulo Batalha

https://www.sabado.pt/

"As corporações também são gente"

O balanço de 2022 mostra um ano em que, por convicção política e chancela judicial, se consagra o corolário da corrupção legal: dinheiro é cidadania.


Nem um Natal se pode ter descansado. O caso da secretária de Estado da Caça ao Tesouro, que nos entreteve da véspera de Natal até ontem à noite, será seguramente arquivado pelo primeiro-ministro como mais um "caso e casinho" da "propaganda da direita". Mesmo que revele a roda livre que vai na TAP, onde os administradores usam os 3200 milhões que os contribuintes lhes puseram nas mãos para se auto-atribuírem carros de função, bónus e paraquedas dourados. Mesmo que revele a total incapacidade de o Governo escrutinar os negócios, portas giratórias, conflitos de interesses e riscos reputacionais dos seus membros.

O "caso e casinho" Miguel Alves foi há menos de dois meses mas, na remodelação que o substituiu, não ocorreu a António Costa evitar a mesma asneira de escolher secretários de Estado sem verificar percursos, currículos e relações. Muito menos lhe ocorre esclarecer o que andam os seus ministros a fazer, a passar culpas no meio desta bagunça. O Presidente da República, pelo seu lado, acelera do "não se passa nada" ao "investigue-se tudo" com a rapidez do costume e, no fim, sacrificado o bode expiatório, tudo fica por explicar e mais ainda por corrigir. Visto a partir das suas instituições, Portugal desistiu.

Como balanço do ano, é doloroso. Lá fora, estamos em guerra, mas as sanções à Rússia continuam embrulhadas em doses variáveis de hipocrisia e selectividade. Nisto, Portugal é mau exemplo: não só figurões russos continuam a fazer de Lisboa uma "Lisbongrad", capital amigável ao dinheiro da oligarquia, como o inquérito anunciado em janeiro à compra de nacionalidade portuguesa por Abramovich e outros bandidos de gabarito continua amigavelmente parado numa qualquer gaveta do Estado.

A grande corrupção, sistémica, tornou-se uma função do poder. Institucionalizou-se e é hoje, já não uma violação da lei, mas uma nova lei – ou, para usar a terminologia da época, o "novo normal". E não, o problema não é só português. No final de novembro, o Tribunal de Justiça da União Europeia emitiu um acórdão, pouco notado por cá, que em termos práticos ilegaliza o combate à corrupção em nome do direito à privacidade dos corruptos.

A decisão declarou que a Diretiva Europeia que abriu ao público os registos de beneficiários efetivos na UE viola o direito dos cidadãos à privacidade. A coisa é um pouco técnica, mas é importante. Por lei europeia, cada país da UE tem um registo onde estão identificadas as pessoas físicas que controlam cada empresa ou organização a operar naquele país. É uma forma de saber quem verdadeiramente está por trás de estruturas geridas, muitas vezes, por administradores-delegados, testas de ferro ou que são detidas por outras entidades, de países diferentes, até se perder o rasto de quem na realidade beneficia daqueles ativos.

Em 2018, uma diretiva europeia obrigou a que esses registos fossem abertos ao público e consultáveis online por qualquer cidadão. Voltando ao (mau) exemplo de Miguel Alves, foi esse acesso livre aos registos europeus que permitiu, por exemplo, a investigação jornalística que encontrou as empresas do sócio privado da Câmara de Caminha no famoso centro de exposições transfronteiriço, revelando que o propagado império empresarial com ramificações, por exemplo, no Luxemburgo, era uma enorme patranha.

Hoje, essa investigação seria impossível. Foram precisamente os tribunais luxemburgueses a suscitar a intervenção do Tribunal de Justiça da UE que, por sua vez, essencialmente mandou fechar o acesso público aos registos de beneficiários efetivos. O queixoso que deu origem ao processo, é (obviamente não por acaso) um homem de negócios muito ativo em paraísos fiscais. Vários países da UE fecharam o acesso aos seus registos logo que saiu o acórdão. Encontrar a verdade sobre o cambalacho de Caminha esbarraria hoje num beco sem saída.

É verdade que o tribunal vincou que jornalistas ou organizações da sociedade civil têm um interesse legítimo nestes registos e que, portanto, podem continuar a aceder-lhes. O problema é que, se o registo não está aberto e à distância de um clique, ativistas e jornalistas terão de peticionar cada país para que lhes seja dada uma credencial de acesso; e ficar à espera de resposta, segundo as regras ou critérios que cada Estado inventar. Uma ferramenta de transparência transformou-se numa corrida de obstáculos e num pesadelo burocrático que assegura a sua inoperância.

A decisão é um boicote frontal ao combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. Diz o tribunal que as pessoas (incluindo salta-pocinhas de offshores) têm direito à sua privacidade. Balelas. Uma empresa, uma ONG, uma organização, é uma ferramenta através da qual cidadãos (investidores, acionistas, associados) participam na vida pública – política, social, cultural ou económica. A vida pública é isso mesmo: pública – a pista está no nome. A única razão admissível para reservar a identidade de alguém ligado a uma entidade é se essa identificação puser a pessoa em risco – de rapto, por exemplo, ou de perseguição por grupos criminosos ou regimes ditatoriais. Essa exceção, sucede, já está prevista na lei europeia.

O verdadeiro racional é outro: é estender às empresas os mesmos direitos individuais dos cidadãos. É equivaler dinheiro a cidadania. "Corporações também são gente", exclamou Mitt Romney, que se candidatou contra Barack Obama em 2012, celebrando a decisão do Supremo Tribunal dos EUA que concedeu às empresas o direito a financiar sem restrições políticos e campanhas eleitorais, em nome do direito à "liberdade de expressão" dessas empresas – a legalização da corrupção que põe a política americana no bolso das corporações.

É neste ponto que estamos, em que cidadãos cada vez mais espremidos, em Portugal e no mundo, se veem agora obrigados a disputar os seus direitos de cidadania com corporações. Não é um bom estado de coisas.

Há esperança? Há. Não a esperança vácua e ingénua de que "isto há de compor-se", mas a esperança da insubmissão. Este Natal, a Câmara Municipal de Miranda do Douro, impulsionada pelo Movimento Cívico da Terra de Miranda, anunciou que entrará com uma ação judicial contra a Autoridade Tributária pela cobrança de IMI nas barragens do Douro Internacional – as mesmas cuja concessão foi estendida por favor de Manuel Pinho e depois vendidas pela EDP à Engie, num negócio que (também ele) não pagou impostos.

Quando as corporações são gente, são gente poderosa. Na Terra de Miranda, um povo envelhecido e empobrecido, cuja riqueza natural é abocanhada há décadas pelo Estado e pelas empresas captoras do Estado, está a mobilizar-se para fazer justiça. A esse povo, por tudo o que representa, desejo Bom Ano.

João Paulo Batalha

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domingo, 25 de dezembro de 2022

Os maiores salários em Portugal: 70 profissionais de topo

Líderes do retalho e de outras grandes empresas cotadas em Bolsa escalam na tabela de ordenados, atingindo os seis dígitos. Na TV, ninguém bate Cristina Ferreira, com €216,6 mil por mês. Entre as estrelas de futebol, Draxler, que chegou agora ao Benfica, recebe €583 mil mensais. Marcelo ganha 58 vezes menos.

A titulo de curiosidade, para quem não saiba, o ordenado mínimo nacional é, em 2022: 705,00€/mês

Enquanto os portugueses perdem poder de compra, há uma minoria que resiste à sucessiva quebra de salários – especialmente os gestores de topo das maiores empresas cotadas em Bolsa, com remunerações mensais até aos seis dígitos. O recordista é Pedro Soares dos Santos, à frente do grupo Jerónimo Martins (que detém os supermercados Pingo Doce).

Em 2021, recebeu €3.075.000, ou seja, 262,6 vezes mais do que os trabalhadores da empresa (segundo a análise de 2021 da Deco) e 161,7 vezes acima da remuneração média anual (€19.054 em 2021, divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística, INE). As contas são fáceis: se dividirmos a sua remuneração anual (salário fixo e prémios) por 14 meses, chegamos ao ordenado mensal bruto (antes dos descontos de impostos) de €219.642.
Só entre 2016 e 2021, o seu salário mais do que duplicou. “Estava muito abaixo dos seus congéneres europeus”, diz à SÁBADO fonte oficial da empresa. Por isso mesmo, “ao longo dos últimos cinco anos, foi delineada uma evolução salarial que permitisse uma maior aproximação à prática do mercado europeu”, prossegue.
Além de presidente do conselho de administração, Pedro Soares dos Santos é administrador delegado e o único com funções executivas na Jerónimo Martins. Os €3,08 milhões que recebeu em 2021 foram, aliás, os únicos milhões gastos com a comissão executiva de um dos 50 maiores retalhistas mundiais. Porque a comissão executiva é ele. E estes são alguns dos factores – mas não os únicos – que o fazem ter o maior salário do principal índice da Bolsa, justifica a empresa.

Rede de supermercados em expansão 

Uma remuneração que tem vindo a crescer à medida dos resultados do grupo: entre 2010 e 2020, as vendas mais do que duplicaram, ultrapassando os €20 mil milhões em 2021; o número de colaboradores aumentou mais de duas vezes, com a criação de mais de 64 mil postos de trabalho, e a capitalização bolsista cresceu 100%.

O volume de trabalho é intenso, não se limitando a Portugal. Desde que viveu na Polónia, pela primeira vez, entre 1998 e 2000, Pedro Soares dos Santos visita o país uma vez por mês (é a geografia além fronteiras que mais pesa nas contas do grupo, já que 75% da facturação se faz no estrangeiro). Passa outros sete dias a cada 30 na Colômbia (mercado em expansão). Quando está em Portugal, duas semanas por mês, entra no gabinete às 8h e a partir das 9h começa as reuniões de trabalho.

Quem ganha acima de 1 milhão

No ano passado, as 15 empresas do PSI pagaram mais de 20 milhões de euros aos seus presidentes executivos. E seis dos 14 CEOs receberam mais de 1 milhão de euros: ao ranking liderado por Pedro Soares dos Santos seguem-se Miguel Stilwell (EDP e EDP Renováveis), Andy Brown (Galp), Cláudia Azevedo (Sonae), João Castello Branco (Semapa, que em Maio deste ano deu lugar a um novo CEO, Ricardo Pires) e António Redondo (Navigator).
Em todas estas empresas, os salários são decididos por uma comissão de vencimentos que analisa centenas ou milhares de documentos enviados por vários departamentos e múltiplos indicadores.
Começando pelo presidente da Galp, o britânico Andy Brown: em 2021, além dos €1,236 milhões pagos ao líder, que assumiu a presidência em Fevereiro, a petrolífera teve de arranjar-lhe casa. O presidente não tinha morada em Portugal e esse foi um dos benefícios que a Galp lhe deu: €887.803,03 de remuneração fixa e €348.617,35 em “outros” (a SÁBADO pediu à Galp para os discriminar, mas a petrolífera não esclareceu). É nestes “outros” que estão incluídas regalias, como o subsídio de habitação.

Pedro Soares dos Santos, presidente do grupo Jerónimo Martins, é o mais bem pago
Pedro Soares dos Santos

Cláudia Azevedo (Sonae) está na quarta posição do ranking dos maiores salários

Cláudia Azevedo (Sonae)

Os administradores executivos da Galp recebem, além disso, carro (com combustível, manutenção e seguros), telemóvel, iPad, computador portátil, seguros de saúde, de vida e de acidentes profissionais. No total, estes benefícios correspondem a 5% a 10% da remuneração.
No ano passado, a comissão de remunerações da Galp reuniu-se seis vezes e definiu o valor de outro cheque: a compensação a Carlos Gomes da Silva, cujo mandato como presidente só terminaria no fim do ano. Para sair antes (em Fevereiro), o gestor recebeu €3,75 milhões.

Saídas de peso

Na EDP, os cheques preparados para a saída do Ex-presidente António Mexia e de João Manso Neto, que liderava a EDP Renováveis, tiveram valores mais baixos. No caso de Mexia, que durante 14 anos liderou a empresa, a EDP comprometeu-se a pagar €800 mil por ano durante três anos (até 2023), para que o gestor não exerça funções na concorrência. No total, Mexia terá direito a €2,4 milhões, pagos semestralmente.
Já para Manso Neto, o acordo de não concorrência previa o pagamento de €560 mil por ano. Terá demorado uma semana a aceitar a proposta. Ainda recebeu a primeira tranche, mas acabou por devolvê-la quando Paulo Fernandes, vice-presidente do conselho de administração da Altri e presidente da Cofina (dona da SÁBADO) o desafiou para liderar a empresa de energias renováveis Greenvolt.
A seguir, Manso Neto rasgou o contracto de não concorrência que tinha assinado. “A EDP entendeu que tinha que devolver tudo e ele devolveu”, diz uma fonte próxima do gestor, que em Março restituiu à EDP €233.800 líquidos. De acordo com os relatórios oficiais da empresa, a este valor somou, em Maio, €5.548,39 que tinham sido creditados no seu Plano Poupança Reforma. Pelo menos em 2021, a aposta compensou: recebeu €766.660.
Actualmente, EDP e EDP Renováveis têm o mesmo CEO, Miguel Stilwell de Andrade, o segundo gestor mais bem pago do PSI. Aos 46 anos, recebeu, em 2021, €1,854 milhões. “Estas empresas são hoje líderes globais no sector da energia e têm presença em 29 mercados, dos quais 14 representam expansões concretizadas durante o mandato do actual presidente executivo”, diz à SÁBADO fonte oficial da eléctrica.
Na base da tabela remuneratória dos grandes gestores está António Rios Amorim. O presidente Corticeira Amorim, controlada pela família mais rica do País, recebeu €239.309,1 de salário fixo em 2021 (€17.129 brutos por mês). A sua remuneração variável foi igual à dos trabalhadores do grupo: €500, uma “gratificação excepcional” que, segundo o Relatório e Contas da empresa, foi atribuída aos colaboradores admitidos até 30 de Setembro de 2021 em empresas totalmente detidas pelo Grupo. O bónus veio na sequência dos bons resultados em contexto de pandemia.


Campeões da banca

O peso da remuneração variável tem vindo a aumentar, segundo Fernando Neves de Almeida, sócio da consultora Boyden Portugal. No caso do PSI, foi na Sonae, liderada por Cláudia Azevedo, que os prémios foram maiores (corresponderam a 68% do salário da filha de Belmiro de Azevedo); seguiram-se as remunerações dos presidentes da Navigator (56%), REN (53%), EDP, EDP Renováveis (50%) e Jerónimo Martins (50%), todos com pelo menos metade do salário dependente do cumprimento das metas definidas.
Entre as empresas analisadas pela SÁBADO, o Santander é quem prevê maior generosidade nos bónus: apesar de a compensação variável não poder, geralmente, ultrapassar os 100% da retribuição fixa, este limite pode ser “aumentado extraordinariamente até ao máximo de 200% se tal for aprovado pelos accionistas.”

Na banca, o recordista é o presidente do Santander, o único líder das cinco maiores instituições financeiras que em 2021 recebeu mais de 1 milhão de euros. No total, a Pedro Castro e Almeida foi atribuída uma remuneração de 1,5 milhões de euros: ao salário fixo de 513 mil euros (valores brutos, o correspondente a €36.643 por mês), junta-se uma remuneração variável que será parcialmente diferida até 2027 (e que ainda pode descer se não cumprir os objectivos).
Em segundo lugar está o habitual campeão salarial da banca, o presidente do BCP – em 2021 Miguel Maya recebeu €947 mil. Estes dois bancos foram, aliás, os únicos que no ano passado aumentaram as remunerações dos seus gestores. No Santander, os 14 administradores receberam, em 2021, €6,5 milhões, mais €1,88 milhões que no ano anterior. Já no BCP a administração teve, no total, um aumento de €430 mil.

Cristina e o ordenado “galáctico”

No mundo da televisão generalista, que este mês marca a rentrée com novidades na grelha, ninguém bate o ordenado de Cristina Ferreira – “galáctico”, segundo a imprensa especializada. Desde o fim do Verão de 2020, que a directora de entretenimento e ficção da TVI, também accionista, de 45 anos (feitos esta semana, a 9 de Setembro), ganha €216,6 mil brutos por mês (€2,6 milhões anuais divididos por 12 meses, porque tem um contracto de prestação de serviços, ou seja, recebe através de uma das suas empresas).
Não esconde as férias em iates e os acessórios de luxo (malas a €5.000), cujas imagens publica no seu Instagram com 1,5 milhões de seguidores. Página que também serve de montra para os seus posts que, em 2015, já custavam €4.500 (cada) aos anunciantes. Hoje em dia, segundo fontes contactadas pela SÁBADO, os valores podem ascender aos €100 mil por post.
Contudo, a pressão das audiências e a perda para a SIC não a têm beneficiado. Mais: enfrenta uma batalha judicial com a estação de Paço de Arcos, que lhe moveu um processo por quebra de contracto (vigorava até Novembro de 2022).

O anúncio da transferência para a TVI – onde, aliás, começou a carreira ao lado de Manuel Luís Goucha – aconteceu com estrondo, a 17 de Julho de 2020. Dois meses depois, a SIC, que lhe pagava €1 milhão por ano, processou-a, pedindo uma indemnização de €20,3 milhões. A SÁBADO tentou obter esclarecimentos por parte do gabinete de comunicação da TVI e da agente que a representa, Inês Mendes da Silva, que não quiseram prestar declarações.
Neste meio, a agente tem vindo a tornar-se uma peça-chave para a negociação de salários com as direcções de programas das televisões. Porque muitas vezes o próprio não tem noção do seu valor de mercado – habitualmente são os representantes que o valorizam.
Beatriz Lemos, CEO da Glam (a agenciar actores e apresentadores há 20 anos) explica o processo à SÁBADO: “É muito raro fechar uma negociação em apenas uma reunião, pois há sempre vários temas a tratar, projectos novos a serem discutidos e integrados nesse contracto e, talvez, seja essa a parte mais demorada. A mais sensível – se é que podemos usar esse adjetivo – são as condições salariais.”
Normalmente, fecham-se contratos em duas reuniões. Em situações mais delicadas, e que podem implicar uma transferência de canal, a especialista fala em três reuniões, “pois estão mais variáveis a ser discutidas”, diz a especialista.

Apresentadores de TV em escalões

No caso de Manuel Luís Goucha, o segundo mais bem pago da TV (€50 mil por mês), o interlocutor é o marido Rui Oliveira. Este período joga a seu favor, já que o antigo rei das manhãs – agora lidera as tardes, superando a concorrente Júlia Pinheiro da SIC que ganha €25 mil brutos por mês –, está prestes a terminar contrato.

  • Alexandra Lencastre está na SIC, mas é paga ao projeto
  • Alexandra Lencastre está na SIC, mas é paga ao projeto Duarte Roriz

  • António Pedro Cerdeira recebe ao projeto. Na foto, a contracenar com Luana Piovani na próxima novela da SIC
  • António Pedro Cerdeira recebe ao projeto. Na foto, a contracenar com Luana Piovani na próxima novela da SICD.R.

  • Cristina Ferreira é a mais bem paga da TV; no seu Instagram mostra as férias em iates
  • Cristina Ferreira é a mais bem paga da TV; no seu Instagram mostra as férias em iatesD.R.
  • Beatriz Lemos (CEO da agência Glam) negoceia contratos de vários atores
  • Beatriz Lemos (CEO da agência Glam) negoceia contratos de vários atoresRicardo Meireles/SÁBADO

  • Ricardo Azedo (publicist da agência Charlie) faz a ponte nas negociações salariais de atores
  • Ricardo Azedo (publicist da agência Charlie) faz a ponte nas negociações salariais de atoresBruno Colaço/SÁBADO
  • Concorrentes na TV e amigos fora dela: Júlia Pinheiro (SIC) e Goucha (TVI) são das estrelas mais bem pagas
  • Concorrentes na TV e amigos fora dela: Júlia Pinheiro (SIC) e Goucha (TVI) são das estrelas mais bem pagasD.R.

    José Eduardo Moniz, diretor-geral da TVI, quer segurá-lo mas nada está garantido, pelo menos oficialmente. Quando contactado pela SÁBADO, Rui Oliveira responde através da secretária uma curta declaração: “A partir de dia 1 de janeiro de 2023, o Manuel Luís Goucha é livre de escolher o seu futuro.” Poderá querer dizer continuidade ou uma reforma dourada aos 67 anos no seu monte no Alentejo – a Herdade da Pesqueirinha, perto de Monforte.
    Quem mais ganha são os apresentadores do day time (período diurno), porque asseguram várias horas em antena e fazem a ponte para o horário nobre (hora do jantar). Ao vencimento mensal que, em média, oscila entre os €8 mil e os €20 mil brutos por mês, somam-se os extras por ações comerciais, como microespaços de publicidade inseridos no formato. Por exemplo, Cristina Ferreira ganhava €500 por cada, quando fazia as manhãs da SIC; já nas últimas galas do Big Brother, que conduziu na TVI, o valor de cada promo escalou aos €5.000.
    Neste domínio, Fernando Mendes dá cartas no acesso ao horário nobre. Várias fontes da RTP contactadas pela SÁBADO reforçam que o apresentador do clássico O Preço Certo atrai publicidade para a estação pública. As marcas querem ficar associadas ao formato, que fideliza um público envelhecido, com mais de uma década de emissões contínuas – sendo o de maior longevidade da televisão. E as audiências provam que não está gasto, ficando à frente da concorrência.
    Por tudo isto, o campeão das 19h lidera a tabela remuneratória, ex aequo com Catarina Furtado: €20 mil brutos por mês. Mais €12.366 do que recebe o presidente da RTP, Nicolau Santos, cuja remuneração está definida por lei e publicada nos relatórios e contas da estação pública. Em contraponto, um técnico da casa ganha, em média, entre €1.200 e €1.400 líquidos por mês, consoante o escalão.
    Internamente, na RTP ninguém contesta o que vale o apresentador de 59 anos. Já foi aliciado pela TVI e pela SIC, mas tem rejeitado. A estação dá-lhe estabilidade, sem mexidas para outros projetos porque é neste que se sente bem, disse em entrevistas.
    Há diferenças em relação à colega de 50 anos, e que são apontadas nos corredores por várias fontes ouvidas pela SÁBADO. Catarina Furtado está menos tempo em antena e Fernando Mendes “trará o triplo da publicidade”, comenta-se. Quem já trabalhou com ela explica à SÁBADO que não é bem assim: a apresentadora “dá prestígio” à RTP e, em estudos de mercado, o seu nome associa-se a credibilidade e confiança. Isto nota-se nas marcas que a procuram (Sacoor, por exemplo).
    Seja como for, o conselho de administração da RTP (que aprova as remunerações) não comenta os números, quando questionado pela SÁBADO. Fonte oficial diz apenas: “Nunca revelamos valores de contratos, dependem do perfil, horário e periodicidade de cada programa e não do género dos profissionais que os apresentam.” A Comissão de Trabalhadores (CT) contrapõe: “Os valores de salários das estrelas da RTP são contratos de ‘artista’, fora do âmbito da tabela salarial e negociados sem interferência dos Órgãos Representativos dos Trabalhadores.”
    No patamar dos €10 mil brutos por mês, a meio da tabela, estão Tânia Ribas de Oliveira (A Nossa Tarde) e Jorge Gabriel (Praça da Alegria). Tal como Fernando Mendes, Jorge Gabriel reafirma a estabilidade e, sem falar de valores, explica à SÁBADO: “Estou na RTP há 21 anos, com contratos de dois anos sucessivamente. Nunca me falharam no vencimento, ouvem a minha opinião e não me obrigam a fazer nada que colida com a minha dignidade profissional.”

    Atores sem exclusividade

    Já lá vai o tempo em que as televisões tinham uma vasta galeria de caras exclusivas, isto é, atores que mesmo sem aparecerem no ecrã eram pagos principescamente. Caso de Alexandra Lencastre na TVI, onde recebia €16 mil brutos se trabalhasse e metade quando parada. Em 2020, transitou para a SIC mas em regime de avença: recebe ao projeto. Quando faz novelas, como a última Por Ti, cujas gravações terminaram em junho, passa, todos os meses, um recibo de €14 mil a que acresce o IVA.
    Se fizer uma emissão em direto, como a de Estamos em Casa (junho de 2022), ganha à parte – mais precisamente €3,5 mil por conduzir três horas de direto. Somam-se as publicidades a suplementos e aparelhos auditivos em contratos de um ano e nunca por menos de €75 mil cada.
    Ricardo Azedo, da agência Charlie, é quem a representa, escusando-se a falar de cachês. Outro agenciado da Charlie é António Pedro Cerdeira, de 52 anos, que vai protagonizar a nova novela da SIC em horário nobre, com estreia prevista para 6 de outubro e apresentada nesta terça-feira (6 de setembro). Fará de diplomata casado com Vanda Corte Real (vilã interpretada pela musa brasileira Luana Piovani).
    A SÁBADO apurou que o vencimento do ator é de €9 mil por mês e será pago em moldes idênticos aos de Alexandra Lencastre. O próprio não comenta o que ganha, mas refere à SÁBADO a importância da agente à mesa das negociações. “Não tenho jeito com números, ela ajuda-me porque tem firmeza e distanciamento. Gosto de trabalhar e considero-me afortunado. O dinheiro não é, de todo, o principal objetivo.”
    Lurdes Santos, a sua agente, reforça: “O valor do António é reconhecido e temos chegado sempre e facilmente a um consenso.” Em concreto, sobre a novela, houve duas reuniões (com ele, a agente, o diretor financeiro do projeto e o diretor de produção) e o acordo firmou-se à terceira, por telefone.
    O ator grava 12 horas diárias, das 8h às 20h, e desloca-se pelos seus meios (carro) de casa (perto de Sintra) aos locais de gravações (Costa de Caparica e Setúbal), prescindindo do transporte que a produtora SP Televisão disponibiliza ao elenco.

    Cantores na estrada 

    Os tempos de pandemia foram particularmente difíceis para a classe artística, que viu contratos cancelados sobretudo no verão – época alta de concertos nas aldeias, pagos por municípios ou freguesias.

    Após dois anos de compasso de espera, os cantores voltaram à estrada. Em julho e agosto, não havia terra que não anunciasse os cabeças de cartaz, com Tony Carreira a marcar pontos, chegando a cobrar por concerto mais de €50 mil, segundo o portal Base que divulga contratos públicos.

    Draxler do Benfica à frente

    Nas remunerações do futebol, o francês Mbappé lidera. Renovou o contrato este verão com o Paris Saint-Germain e passou a ser o jogador mais bem pago do Mundo: €4,3 milhões líquidos por mês.
    Entre os portugueses, Cristiano Ronaldo continua à frente, apesar de ter vindo a perder protagonismo no Manchester United (foi suplente em quatro jogos no início desta época), recebendo €1,3 milhões de euros por mês. É dos mais bem pagos da Liga inglesa, atrás de Kevin de Bruyne (€2 milhões) e Haaland (€1,8 milhões), avançados do Manchester City.
    CR7 ganha mais do dobro de João Félix, que recebe cerca de €600 mil líquidos por mês no Atlético de Madrid, numa lista que em Espanha é liderada por Piqué (Barcelona), com €1,2 milhões por mês.
    Outros portugueses com grandes salários são Bernardo Silva (€750 mil), Rúben Dias (€585 mil) e João Cancelo (€400 mil), todos do Manchester City. Em França, Vitinha (PSG) recebe €250 mil euros por mês e Renato Sanches (Lille) embolsa €170 mil. Já Rafael Leão, estrela do AC Milan, recebe €155 mil líquidos por mês, mas o clube italiano quer renovar-lhe o contrato e triplicar-lhe o ordenado, podendo em breve passar a ganhar cerca de 450 mil.

    Em Portugal, destaca-se o alemão Draxler, que joga no Benfica e ganha €583,3 mil limpos por mês. O seu clube, PSG, paga 80% do salário. O restante (€116,6 mil/mês) é assegurado pelo clube dos encarnados.
    Já o português mais bem pago num dos três grandes clubes é Pepe (FC Porto), com €227 mil euros mensais, seguindo-se João Mário (Benfica), com €215,8 mil. Também no Benfica, Rafa ganha €140 mil por mês. No Sporting, Pedro Gonçalves recebe €101,3 mil mensais e Trincão €100 mil (embora grande parte do salário seja pago pelo Barcelona, o seu atual clube).

    Titulares de cargos públicos

    Afastados dos salários milionários estão os ministros, deputados e dirigentes dos partidos, por serem titulares de cargos públicos. Assim atestam as últimas declarações de rendimentos, que os próprios entregaram ao Tribunal Constitucional (TC), em 2022, conforme a lei, e a SÁBADO consultou.
    São opções de carreira, que o diga Luís Montenegro que viu os rendimentos baixarem desde que assumiu a presidência do PSD, a 4 de julho passado. Desde então, ganha €5.135 brutos por mês.

    Na declaração entregue pelo próprio no TC há dias, e referente a 2021, indica €97.875 de rendimentos brutos de trabalho independente, decorrentes dos serviços de advocacia em nome individual. Acrescem €100.893 de rendimentos profissionais, comerciais e industriais. Tudo somado, em 2021 Luís Montenegro recebeu €198.768 brutos.
    A 30 de junho último, em vésperas de ser eleito no 40.º congresso nacional do PSD, suspendeu a inscrição na Ordem dos Advogados. A advocacia pode, de facto, ser uma profissão rentável, se o profissional ganhar nome e tiver uma boa carteira de clientes.
    Dos 30 mil inscritos na Ordem, muitos têm entre 25 a 35 anos e ganham entre €1.000 e €1.500 líquidos, por mês, baseados em oficiosas (defesas pagas pelo Estado a pessoas carenciadas). Ao fim de 10 a 15 anos de experiência, os bem-sucedidos atingem €3.500 líquidos por mês. Em termos de honorários, o valor mais comum é de €70 à hora mas pode ascender aos €300.
    Neste contexto, o bastonário da Ordem, Luís Menezes Leitão abdicou da remuneração inerente ao cargo (cerca de €6.000 brutos) e manteve a de professor catedrático na Faculdade de Direito de Lisboa (cerca de €4.000 brutos). Além das aulas, continua a exercer advocacia porque, em seu entender, o bastonário não deve ser funcionário da Ordem, mas fazer vida de advogado.

    O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, outrora colega de Luís Menezes Leitão, ganha uma remuneração base de €7.722,10 prevista na lei. Juntam-se as despesas de representação (€3.088,84), mas depois dos descontos para impostos (€5.155,90) leva para casa €5.268,93.
    O vencimento do chefe de Estado serve de referência ao primeiro-ministro. António Costa recebe o correspondente a 75% do ordenado do Presidente (dita a lei n.º 4/85). Na sua última declaração, entregue ao TC em maio de 2022, regista €7.300 de rendimentos prediais, três imóveis (dois em Lisboa e um no concelho de Lagoa) e está prestes a adquirir outro (“promitente comprador” escreve).
    Nuno Melo, líder do CDS, é um apaixonado por carros antigos. Tem 17 enumerados na sua declaração no TC (como Morris Minor Station, o MG MGA 1600 ou Renault 4 GTL). “Vou declarar mais três. Nunca fugi com um cêntimo”, diz à SÁBADO.
    No fim da tabela está André Ventura, líder do Chega, que regista no TC €48.473 (rendimento bruto de trabalho dependente em 2021, enquanto deputado em exclusividade). Ou seja, todos os meses, recebe cerca de €2.900 líquidos. “É a minha única fonte de rendimento. Tenho andado a propor cortes salariais nos titulares de cargos públicos, por isso não sou remunerado como líder do partido”, explica à SÁBADO.

    https://www.sabado.pt/dinheiro/detalhe/os-maiores-salarios-em-portugal-70-profissionais-de-topo

    sábado, 24 de dezembro de 2022

    Marcelo. Afinal quem é este homem?

    Entrevista em 1983: Marcelo queria "apagar com uma borracha" a sua imagem irreverente, irresponsável, irrequieta

    Maria João Avillez

    Texto

    O político sem “amigos políticos" - mas com a TV. O homem que leva a Fé a sério. Maria João Avillez conta a sua história com o candidato, após a sua eleição como Presidente.

    17 Jan. 2016

    texto publicado originalmente a 17 de Janeiro

    Uma entrevista em 1983

    1. Falava-me em “missão” e “sacrifício”, tinha uma pose de Estado, media as palavras. Só o olhar aceso era o mesmo de sempre. Secretário de Estado Adjunto da Presidência do Conselho de Ministros no VIII Governo – o segundo Executivo de Francisco Balsemão –, Marcelo Rebelo de Sousa necessitava da entrevista que esta foto ilustra como de um instrumento de salvação: era preciso apagar com uma borracha (e naquela Primavera de 83 a borracha era eu) o Marcelo irreverente, irresponsável, irrequieto e inquieto que durante oito anos, com ágil voracidade, escrevera no Expresso. Contaminando o país com doses permanentes de intriga, exclusivamente por si idealizada e produzida.

    Mas agora tratava-se de ser convincente no papel de governante da pátria. Disfarçando que a AD já morrera, que a orquestra desafinava sob a batuta do seu aflito maestro; fingindo ignorar o meticuloso (e vergonhoso) trabalho de formiga de Freitas do Amaral – número dois da coligação – para a enterrar mais depressa; disfarçando que o mesmo Freitas galopava nas sondagens deixando o primeiro-ministro Pinto Balsemão seguir atrás, num trote infeliz; fazendo crer que o Governo estava de boa saúde e se recomendava. E por aí fora. Nada disto era verdade, nem aquela pose -revestida por uma convicção postiça – era verosímil.

    Não acreditei em nada.

    Mas acredito que talvez nunca tenha conhecido alguém onde o talento destoasse tanto de, digamos assim, algumas debilidades de personalidade. Talento, sim: no fulgor da inteligência, no brilho intelectual, na velocidade de raciocínio, na preparação invulgar, na leitura. Génio de tudo isto junto. Além de magnifico entertainer: abrilhantando sucessivos “diners en ville”, pontuava no centro das salas, contando histórias sempre apenas semi-verdadeiras, exibindo espírito, tendo graça, tirando partido de si mesmo, procurando efeitos, iludindo a verdade para obter ainda mais efeito. Sempre a seu favor. E sempre cumprindo duas “regras”, imutáveis através dos tempos: ser o centro das atenções; aludir, destacar ou sublinhar os defeitos das outras pessoas, fossem elas quem fossem.

    As nossas (débeis) elites adoravam-no, telefonavam-lhe, citavam-no, mimavam-no, convidavam-no, ouviam-no. E que importância que alguma maledicência fizesse estragos, por vezes irreparáveis? Ou que a intriga fosse sulfurosa?

    Era o talentoso Marcelo: tinha sucesso, influência, escrevia na Página Dois do Expresso, sabia tudo, acedia a tudo! Dispensava até o apelido. Tinha, é certo, de ser servido em doses homeopáticas e consumido a conta-gotas, mas as elites serviam-se. E aplaudiam. Ocorre o mesmo ainda hoje: como os Bourbons, não aprenderam nem esqueceram.

    Mas a César o que é de César: gostei muito de ter trabalhado com Marcelo Rebelo de Sousa. A sua mente fulgurante, sempre em ebulição, possuía um ritmo de trabalho que tornava apaixonantes tarefas comuns e a sua rapidez de pensamento e decisão tudo facilitavam. Dono de boas ideias, fazia excelente ambiente, tinha um dinamismo contagiante, punha talentos a render. Foi o grande responsável por um dos maiores trunfos de sempre do Expresso – e da imprensa portuguesa – senão o maior, do qual ficou saudade e exemplo: a invenção da “Revista” onde o mais fresco, mais talentoso e mais criativo do nosso jornalismo se juntou à roda de Vicente Jorge Silva, a quem Marcelo entregara a chave do suplemento. Que tempos! Os melhores tempos!

    Tendo uma personalidade excessiva, Marcelo Rebelo de Sousa era excessivamente íntimo na sua relação com os outros – amigos, conhecidos, desconhecidos, distantes, próximos, menos próximos, inimigos. Tratando-se dele, ignoro se de facto tem verdadeiros amigos ou se privará antes com uma multidão de “conhecidos”

    No Expresso era também íntimo de toda a gente. Tal proximidade ofereceu-me um posto de observação privilegiado. A partir dele, fui elegendo as cores com que lhe ia pintando o retracto: foram sempre as mesmas. Anos fora, a vida confirmou-me as cores e o retracto.

    Entre o pai Baltazar e a mãe Maria das Neves

    2. Nasceu em Dezembro de 1948, deve ser dos poucos portugueses que dispensa apelido e é pelo menos tão popular quanto um jogador de futebol: a televisão tornou-o no primo que vem jantar aos domingos com histórias para contar. Uma transversalidade quase única na sociedade portuguesa, dotes de comunicação dignos de um Vitorino Nemésio, a plateia do país predisposta a acreditar mas, como dizer?, ao fundo da paisagem havia sempre, continua a haver, algo que nos constrange tanto quanto nos desconvence.

    O pai era ministro de Marcelo Caetano, o filho herdou-lhe o nome: chama-se Marcelo Nuno, não restando hoje dúvida que a escolha de tal pronome sinalizava uma homenagem ao que anos depois seria Chefe do Governo. Esteve aliás para ser afilhado de Marcelo Caetano quando, oito dias antes do baptizado, este voltou atrás: dizia-se velho demais para apadrinhar uma criança. Se o padrinho mudou – foi Camilo Mendonça –, a devoção da família Rebelo de Sousa por Marcelo Caetano (as visitas a sua casa sucediam-se, em clima quase familiar) não se alterou.

    Mas se o pai Baltazar era um “fiel” do antigo regime, dos seus chefes e dos seus valores, a mãe Maria das Neves, assistente social “engagée” de personalidade vincada e desenvolta, possuía – e não o escondia – um pé mais fresco. Nunca aliás se poderá evocar o seu filho Marcelo sem ao mesmo tempo ter presente aquilo que em parte o explica: a influência – imensa e por vezes obsessiva – que a Mãe tinha sobre ele, mais do que sobre qualquer dos outros dois filhos. Reclamando-se embora da figura paterna e do seu exemplo, Marcelo inspirava-se na mãe, bebendo-lhe o carácter forte: seguia-a, admirava-a, citava-a. A figura da mãe foi, em suma e bem mais que qualquer outra, uma referência constante e duradoura.

    Era um ambiente familiar cerzido de estreitas relações com o poder, onde o jovem Marcelo, o segundo filho, cresce repartido entre a fidelidade de seu pai a Marcelo Caetano, as críticas da mãe ao regime e as frequentes visitas de ambos ao Presidente do Conselho. Jovem e dotado estudante de Direito, não se sentia próximo do grupo de extrema-direita que na universidade gravitava à roda de Jaime Nogueira Pinto e da sua revista “Política”, nem da extrema-esquerda empenhada e activa que se opunha ao regime e dispunha de pródigo palco na faculdade. Não tinha uma posição política definida, nem – aparentemente – dela carecia. (Talvez por isso, e ao contrário do que rezam certas crónicas, nunca tomou parte em nenhuma das greves académicas que inteiramente polarizavam os estudantes, de um e outro lado do regime, e ainda menos “furou” umas ou outras, como também por vezes se sugere).

    “Pretendia o fundador do MAI combater – ou criticar – o então ministro da Educação, José Hermano Saraiva. Mas a acção do movimento foi limitada – e não muito notada –, cingindo-se a sua ténue influência às Faculdades de Letras e Direito.”

    Limitou-se, ao chegar a Faculdade de Direito, a criar um movimento que pouco marcou, o MAI – Movimento Académico Independente –, na esteira de outro que entretanto agonizava – Acção Académica –, mas onde ele não chegara porém a participar.

    Pretendia o fundador do MAI combater – ou criticar – o então ministro da Educação, José Hermano Saraiva. Mas a acção do movimento foi limitada – e não muito notada –, cingindo-se a sua ténue influência às Faculdades de Letras e Direito.

    Mais tarde, no início dos anos 70, integra com mais felicidade o “Grupo da Luz” – animado pelo Padre Vítor Melícias –, onde se junta ao seu grande amigo António Guterres, mas também a Diogo Lucena, Helena Roseta, Miguel Beleza e Carlos Santos Ferreira, entre outros. Paralelamente entra (mas não à primeira tentativa) para a SEDES.

    Em 1972 Balsemão, que dera por ele, desafia-o para integrar o projecto que então idealizava de um novo jornal; em 1973, e após ter fugazmente colaborado em “A Capital”, Marcelo estreia-se como analista político no Expresso que nascera em Janeiro desse ano, assinando a “Página Dois”, que viria a constituir o seu primeiro grande palco. E onde se estrearia também o “cronista” Francisco Sá Carneiro escrevendo o “Visto”, coluna semanal que muito trabalho veio a dar ao lápis azul da censura.

    Insistindo que “queria apenas ser professor de Direito” mas fazendo jornalismo, agindo civicamente, namorando a política, iniciando uma brilhante carreira académica, Marcelo começava outra vida com o Expresso. De certo modo o país também.

    Ele foi quase tudo. Ou não?

    3. Conselheiro de Estado, professor catedrático de Direito, Ex-deputado, Ex-líder do PSD, Ex-secretário de Estado, Ex-ministro, pisou pela primeira vez a cena politica como deputado à Constituinte em 1975 nas listas do PPD, onde se filiara um ano antes. Duas décadas depois, em 1996, chega à sua liderança, após ter sido tudo o que se pode ser num partido político.

    Vi-o – e sempre com o brilho da sua inteligência – subverter (quase) tudo onde começava por pôr uma mão

    Vinte anos em que protagonizou, colaborou e até inventou um “conceito” completamente novo na história da política recente: os factos políticos. De tal forma que, um dia, deu-se até ao trabalho de discorrer em voz alta sobre tal “conceito”, em longo artigo que escreveu no Expresso. Inventava uns, semi-produzia outros e “analisava” os restantes, reais e concretos, temperando-os a gosto: com mais ou menos sal, com maior ou menor quantidade de pimenta, sempre conforme as suas conveniências políticas. Idolatrado ou detestado, convidado ou rejeitado, ganhou, perdeu, perturbou, iludiu, escreveu, governou, traiu e foi traído.

    Conheci-o na Rua Duque de Palmela, onde então ficava o Expresso, nunca mais deixei de o ver até hoje.

    Li-o em diversos jornais e revistas, entrevistei-o na SIC e em vários jornais mais de uma vez, acompanhei-o em manifestações cívicas, estive ao seu lado em celebrações religiosas, fiz a sua “apresentação” nalguns fóruns e eventos. Em suma: conheço-o de há muito e da primeira fila.

    Por isso cedo me apercebi de algumas debilidades na ossatura da sua personalidade. E cedo alcancei que elas poderiam por vezes fazer gripar o motor do seu carácter. É que, com o mesmo brilho e a mesma velocidade, Marcelo era capaz de dizer tudo e o seu contrário, ser tudo e o seu oposto, sem nunca estar inteiramente comprometido com nada (a sério, só com Deus, já lá irei).

    Lembro-me dele ser PSD e anti todas – sem excepção – lideranças do partido ao longo dos anos; de redigir em 1978 um projecto de revisão constitucional, a pedido de Francisco Sá Carneiro e depois produzir prosas agressivas no Expresso contra o mesmo Sá Carneiro; de apoiar Balsemão e troçar até ao limite de Balsemão, amar Soares e desamar Soares; crer nas várias AD e logo depois descrer, ao ponto de as abandonar à sua sorte; apoiar Cavaco para Presidente aceitando o seu convite para integrar o Conselho de Estado e depois preferir-lhe (publicamente) como modelo presidencial Jorge Sampaio.

    Vi-o aliás ser íntimo de Jorge Sampaio (“era da casa”e “estudava com os filhos”) e desdenhar Sampaio apesar de, graças ao seu convite, se ter pela primeira vez sentado na bela sala do Conselho de Estado, na vigência presidencial do mesmo Sampaio, estava-se então em 2001. (Cadeira que abandonaria de livre vontade um ano depois, em desacordo com a promulgação da Lei da Programação Militar.)

    Vi-o enfim – e sempre com o brilho da sua inteligência – subverter (quase) tudo onde começava por pôr uma mão. Ou um pé. Mas depois o escorpião preferia sempre ir ao fundo a… salvar-se a si mesmo. Fossem quais fossem as rãs.

    Sabendo isto, sempre negou isto. Um dia de sol do final de Março de 2007, acabava ele de sair do mar quieto da Praia da Conceição em Cascais, quando, minutos depois, ali mesmo em frente, no terraço do hotel Albatroz, diante de um microfone para uma entrevista que então eu lhe fazia, ele me falou de carácter: “Não tenho defeitos de carácter”. Não estranhei: o meu gravador estava cheio de desabafos parecidos, supostamente redentores de passados enviesados.

    Ao mesmo tempo, nesse final de manhã, tentava convencer-me – e não pela primeira vez – que entrara na política “contrafeito”, que a sua caminhada política fora uma “sucessão infeliz de acasos”, que a sua “vocação era o ensino do Direito”. Voltei a não acreditar.

    O tempo da “Nova Esperança”

    4. Basta olhar para trás no tempo para medir o equívoco do adjectivo “contrafeito”, aplicado por Marcelo Rebelo de Sousa à (sua) vida política. Nunca pensou noutra coisa, mesmo quando hesitava, voltava atrás ou parecia desistir. E mesmo que nunca se tenha esgotado nela – como ia ocorrendo na Universidade; na media, em jornais como o Expresso ou o Semanário; no comentário radiofónico ou televisivo; na administração de instituições e fundações –, a política era, foi sempre, a trave mestra.

    E eis, a propósito, um dos melhores marcos desse “edifício”, e falo agora e não por acaso da “Nova Esperança”.

    Vista da janela de Janeiro de 2016, merece que se olhe para ela. É uma grande árvore na paisagem política de Marcelo. Foi plantada no ano de 1983, na vigência do Bloco Central formado pelo PS e pelo PSD que (juntos) governavam o país, mas antes disso, numa cave da Rua de S. Félix à Lapa, já alguns jardineiros sonhavam com ela. Baptizada de Nova Esperança, ensaiava uma corrente de pensamento que se pretendia autónoma dentro do PSD “motapintista” de então.

    Os jardineiros, resolutos e dotados, eram quatro e tinham pressa: Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes, José Miguel Júdice e José Manuel Durão Barroso não gostavam do Bloco Central. Há muito que, na imprensa e na televisão, Júdice se ocupava do tema da “bipolarização ao centro”, em sintonia com Santana (e à distância Durão Barroso, que estudava em Genève). Defendiam o mesmo e publicamente combatiam a receita política aplicada ao país. Desafiado por ambos, Marcelo, que também detestava a fórmula, não hesitou: era preciso “dar cabo daquilo”. Como? Fundando uma nova corrente-tendência, no seio do partido. Argumento forte: politicamente o país construir-se-ia com muito maior vantagem se assente sobre um grande partido à direita e outra grande formação à esquerda que se alternariam no comando de Portugal, evitando os estragos fatalmente produzidos por um bloco central – o fortalecimento dos extremos, a complacência, a corrupção. Em suma: longa vida à bipolarização ao centro.

    A tarefa de pôr termo à aliança entre o PSD e o PS nunca os assustou: estavam organizados, eram destemidos, tinham uma estratégia e a vontade politica de a concretizar. O partido já dera por eles, Portugal iria dar: no final de 1983, Marcelo e os seus companheiros dão à estampa um pequeno livro, “Contra o Bloco Central”, onde evidenciavam razões e argumentos; meses depois plantam a árvore da “Nova Esperança”; não falham nenhum Conselho Nacional do PSD, com o propósito de fazer a “vida negra” a Mota Pinto, líder do partido e vice-primeiro-ministro de Mário Soares. Combatem a pretensão presidencial da direção social-democrata, que então se orientava para a escolha do militar Firmino Miguel, eventualidade que todos rejeitavam liminarmente, preferindo-lhe Alberto João. Jardim, com quem conspiravam.

    Marcelo, o mais veloz, andava numa azáfama e se as paredes do escritório da Rua de S. Félix – que ele alugava e os outros frequentavam – falassem, muito contariam sobre esses tempos de agitação e esperança. O seu empenho era tal que Marcelo por vezes se deslocava de helicóptero do norte para sul e de um palco para outro. Fazia política com volúpia e pressa. Em 1984 o grupo, já com apoiantes e simpatizantes, leva uma moção ao Congresso de Braga do PSD. A tese era a mesma (bipolarização ao centro), os argumentos conhecidos, mas o certo é que em qualquer votação em que participassem era raro obterem menos de dez por cento dos votos, um feito político nesses tempos em, que sem esforço, antes com felicidade, os sociais-democratas, de uma forma geral, se deixavam enlear pelos encantos do Bloco Central.

    Mas a grande apoteose da Nova Esperança surgiria porém meses depois, em Maio de 1985, no XII Congresso social-democrata, convocado por Rui Machete, então líder interino do partido, após a súbita morte de Mota Pinto. Tratava-se de eleger uma nova chefia, mas discordando do candidato João Salgueiro que, a seus olhos, representava a continuação conformista “do que estava”, o grupo decide “facilitar” a vida de Cavaco: aterrando de supetão na Figueira da Foz, Cavaco Silva, surpreendendo todos, anunciara a sua disposição de também disputar a conquista do PSD.

    Marcelo discorda veementemente: “estão doidos? O homem fica lá dez anos e talvez mais dez depois em Belém….” Para os seus companheiros o futuro contava porém muito menos que o presente. E o presente, revisto por Cavaco Silva, anunciava – e prometia – o fim do famigerado Bloco Central.

    Não foi fácil. Seguiram-se horas alucinantes de negociações, conspirações, intervenções, promessas, avanços, recuos. Saltando do palco para os bastidores e de “cafés” para quartos de hotéis, o grupo reúne, troca argumentos entre si, há concordâncias, discordâncias, discursos, e muita efervescência no ar político. A Nova Esperança é a grande vedeta, o grupo tornara-se politicamente indispensável, mas esta “indispensabilidade” deixara um travo amargo em Marcelo. E abre uma fissura na unidade daquele quarteto de cabeças de cartaz.

    “Ferida de morte, a Nova Esperança esvaía-se na praia da Figueira Foz: já não era precisa. A verdade é que se Cavaco a atravessara de alto a baixo, reduzindo-a a cinzas após capturar algumas das suas estrelas, a aventura deixou memória impressiva.”

    Desconfiado e descontente, Marcelo hesitará até ao fim mas acaba por se render. Cavaco ganha o Congresso graças ao apoio vindo da moção Nova Esperança – nunca Aníbal Cavaco Silva teria vencido sem ela – e o PSD obtém um inesperado candidato presidencial. Exit Jardim, Freitas do Amaral entra em cena, pela mão do recém-eleito líder. Começava uma outra história, a direita tinha uma nova dupla política. Santana e Durão seguirão o novo chefe da tribo. Marcelo recusa – com Júdice – entrar no perímetro cavaquista.

    Ferida de morte, a Nova Esperança esvaía-se na praia da Figueira Foz: já não era precisa.

    A verdade é que se Cavaco a atravessara de alto a baixo, reduzindo-a a cinzas após capturar algumas das suas estrelas, a aventura deixou memória impressiva.

    Tudo aliás se pode resumir a uma pergunta: se de novo olharmos para trás, que “tendência” política, de que outro partido, produziu nos últimos quarenta anos, dois primeiros-ministros, um Presidente da Comissão Europeia e um muito provável Presidente da República? (Quanto a José Miguel Júdice, merece pelo menos o benefício da dúvida: onde teria chegado também ele caso tivesse continuado casado com a política em lugar de tão novo dela se ter divorciado? Longe, certamente.)

    Sim, em 1985 Marcelo não segue Cavaco como antes não estivera com Sá Carneiro, ou estivera muito pouco, limitando-se a um empenho claudicante à AD, fundada pelo mesmo Sá Carneiro. E eis o que nos reconduz a um dos traços mais inexplicáveis da sua personalidade política: uma (automática?) aversão às lideranças carismáticas do seu partido e aos seus “chefes”, bem ou mal amados, mas largamente plebiscitados: detestou-os a todos mesmo quando fingia que não. (Desentendeu-se com Sá Carneiro, a quem nunca foi fiel; recusou seguir Cavaco, apoiando-o, contrariado e nada convencido, na corrida para Belém, para logo o “desapoiar” publicamente; com Passos Coelho não foi diferente, foi apenas mais visível: dominicalmente, durante quatro anos, arrasou a sua governação, triturando-a, passo a passo, medida a medida.)

    Uns dizem ser uma questão de “ego”, outros apontam-lhe a necessidade de uma ocupação exclusiva dos palcos, fruto da sua insegurança. Pode ser, mas não explica tudo. E se o “caso” reclama análise mais profunda – e não será este o local para ela – impõe-se pelo menos o registo de uma singularidade: uma longa caminhada, feita sempre à margem dos grandes líderes do seu partido de estimação, quando não em confronto, directo ou enviesado, com todos eles.

    Líder do PSD: o que há a reter

    5. E no entanto… de toda essa “sucessão de acasos” que o próprio Marcelo classifica de “infelizes”, merece igualmente destaque e relevo a sua passagem pela liderança do PSD: primeiro, não foi de todo um acaso; segundo, nada ficou a dever à “infelicidade”. Talvez até pelo contrário, mas é cedo para se ser taxativo.

    Vale a pena recapitular: em Março de 1996, Marcelo Rebelo de Sousa ganhara a liderança no Congresso do PSD em Santa Maria da Feira, embora logo dez minutos depois fosse… “um líder a prazo”! A quem a metade do partido que estava sempre contra a outra metade quando se tratava de novas lideranças – fossem quais fossem –, vaticinava dois meses no comando das tropas. Justamente, não foi assim. Foram sim tempos difíceis a partir desse “lugar” ingrato que é a chefia da oposição, num país onde ela ainda carece de estatuto e de importância. Guterres – a anos luz do “pântano” de onde haveria de um dia fugir – “dialogava” com glória com o “povo”, o país enlevava-se.

    Marcelo optou por reagir hiperactivamente, desmultiplicando-se em actos, palavras, iniciativas. Algumas verdadeiramente notáveis, outras precipitadas, outras inoportunas, mas o que é relevante sublinhar é o que diz alguém muito próximo do candidato: nas “grandes alturas” e nos “momentos fulcrais” pode contar-se com ele. Isto é, Marcelo reage – reagirá, supõe-se… – com tino e sentido de Estado. Fosse como fosse, na oposição corria depressa. E teria certamente ido muito mais longe não fora aquela espécie de “recuo” que, nos momentos decisivos da corrida, lhe vetava a etapa seguinte. Sem estar no Parlamento, conseguia ir “ocupando” a oposição e incomodar o Executivo socialista, em vez de se reduzir a clamar que o Governo governava mal ou que as suas medidas eram erradas. Um inegável ponto a seu favor.

    Da sua passagem pelo PSD há sim que reter algumas coisas, desde logo a atitude – sempre concertada com António Guterres – face à entrada de Portugal no euro. Nunca lhe ocorrendo por isso tomadas de posições à margem daquilo que entendia ser a correcta caminhada do país na senda da moeda única, o que naturalmente pressupunha o pré-entendimento entre o primeiro-ministro e o líder da oposição. Ganhou uma revisão constitucional que o PS ia adiando (Guterres nunca foi particularmente amigo de decidir), mas o então líder do PSD soube adiantar-se e bateu-se bem pela sua dama.

    E há sobretudo que reter a influência da sua acção em dois momentos políticos cruciais, os referendos à regionalização e à despenalização do aborto: percebendo a importância de ambos na vida do país e na sociedade portuguesa, mobilizou-se e agiu, num e noutro. O segundo referendo interpelou ainda mais o católico activo e empenhado: Marcelo interveio, debateu, testemunhou. Presença assídua na campanha que antecedeu a consulta, acorreu, com generosidade e inspirados argumentos, a todas as chamadas. Esteve a sério e inteiro na batalha.

    Virá a propósito lembrar que ainda hoje se tem como certo que, sendo Marcelo desde há muito um íntimo amigo de António Guterres, o referendo sobre o aborto teria contado com a acção discreta e a bênção aliviada do então primeiro-ministro, católico convicto. Puro engano: António Guterres não só pretendeu – insistentemente – dissuadir o seu amigo de tal iniciativa, invocando até o desagrado do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, face a ela, como tranquilizava o seu interlocutor assegurando-lhe que ele, Guterres, “resolveria” a questão “na secretaria”. Ou seja, o líder do PS e primeiro-ministro António Guterres estava absolutamente certo de poder influenciar – a seu favor – a votação da sua bancada parlamentar quando lá aterrasse a lei. Ao contrário do líder do PSD que sobre isso não alimentava qualquer ilusão.

    Por estes mesmos dias – Outubro de 1996 –, num avião que voava do Porto para Lisboa, Marcelo encontra a deputada do CDS Maria José Nogueira Pinto que lhe manifesta a sua preocupação com o andar dos acontecimentos. Conversam os dois. Entendem-se: queriam o mesmo, apostavam na bondade do referendo. Afinam uma estratégia. Marcelo decide agir, ela incentiva-o, ele percebe que conta com um apoio de peso. Quando o referendo foi anunciado ao país, o PSD e o CDS estavam na primeira linha dessa batalha.

    Tiveram razão.

    Quando Marcelo de desencontra consigo mesmo

    6. Mas… e se fosse verdade – ou uma parte da verdade – isso dos “acasos” numa “sucessão infeliz”? É que sobram alguns tão misteriosos “ses” no seu caminho, que se alguém obtivesse a chave para eles, tínhamos a explicação deste personagem. E, com ela, talvez chegássemos ao âmago de uma mente desconcertante.

    Nunca esqueci esses “ses” que no fundo equivalem a dois “pesados” momentos da vida política de Rebelo de Sousa. O primeiro, é este: e se Marcelo tivesse de facto querido ganhar Lisboa contra Jorge Sampaio nas autárquicas de Lisboa, em Dezembro de 89, em vez do contrário? Em vez do que amplamente mostrou ao longo de uma campanha que em tudo destoou da sua inteligência e do seu talento, do mergulho no Tejo à jaula do leão, passando por se mascarar de “taxista”, mas sobretudo por um debate cujos erros pareciam intencionais de tão certeiros? Mistério.

    O momento mais marcante da campanha para Lisboa em 1989: o mergulho no Tejo, junto à Torre de Belém

    Lembro-me aliás que imediatamente após esse histórico confronto entre ele e Sampaio, na RTP, ceámos juntos numa casa do Estoril, com amigos comuns. Foi de cortar à faca. A perplexidade tolhia-nos o pensamento e o verbo: porque é que ele fizera tudo para perder com Jorge Sampaio? Mistério, sim, até hoje. (Insegurança? Medo face às dificuldades que subiam de grau à medida que se desenvolvia a campanha eleitoral? Falta de ânimo para a empreitada? Desejo inconsciente de fuga perante um futuro protagonismo com responsabilidades bem mais pesadas do que as suas até então?)

    Eis o segundo “se”: e se após Paulo Portas, em Março de 1999, ter irresponsavelmente traído a AD nº2 forjada por Marcelo num mar tempestuoso, ele tem ficado na liderança, transformando a deserção do ex-parceiro Portas numa vantagem política e enfrentando a súbita orfandade, com a sua gente?

    Dizendo-lhes “fico” em vez de “saio”?

    Não foi assim. Marcelo saiu, Barroso entrou. José Manuel Durão Barroso esperou o que foi o preciso, estava “lá”, ganhou.

    Marcelo saiu, refazendo afinal o gesto que há décadas o identifica: não resistir a metade de si mesmo. A algo que dentro de si decide primeiro, pesando mais que as suas invulgares qualidades políticas que tudo deveriam levar por diante, mas quase nunca levaram. Há inegavelmente algo que (o) determina mais que o resto, e chame-se a isso personalidade, modo de ser, idiossincrasia, forma “mentis”. Ou porventura carácter.

    O certo é que, caso tivesse ficado, caso tivesse persistido, teria sido primeiro-ministro, vocação primeira. Através da concretização desse apelo vocacional, seria conduzido ao seu “rendez-vous” com a História. Conforme ele teria gostado e, quem sabe…, acreditado.

    A promessa de um “destino” vinha do berço, fora enlevadamente adubada em casa pela família e depois regada por ele próprio: o futuro seria glorioso. Mais: a entrada em cena de “Abril de 1974” e a concretização da democracia civilista e pluripartidária facilitariam – e dourariam – esse encontro. A liderança da oposição no final da década de 90 deveria justamente ter sido o presente desse futuro radioso. Não foi.

    Marcelo desencontrou-se consigo mesmo.

    7. E com a História? Com a História não se sabe. Os invioláveis amanhãs da política não permitem dizer hoje perentoriamente “sim” ou perentoriamente “não”. Mas uma coisa é certa: mesmo se na pista onde corre agora a sua última prova política Marcelo se apresenta em enorme vantagem perante os outros corredores, o seu grande encontro consigo mesmo e com o país não teria sido este. Nem a morada política que talvez o espere num palácio cor-de-rosa, no início de 2016, era a sua primeira escolha e desengane-se quem isto pensa. Por isso, mesmo que o cimento da pista pareça sólido debaixo dos seus pés e que a meta presidencial esteja à vista, nem uma era a “sua” melhor pista, nem a outra a “sua” sonhada meta.

    O candidato da televisão

    8. E esse tão ágil, eloquente e veloz político “doublé” de comentador que um dia decidiu casar com a televisão? Celebrando charlas dominicais que embriagavam a plateia nacional, ávida da sua mortal acutilância? Há que parar aqui, como é óbvio. Mas não tanto porque tais charlas enchiam o país de espectadores fiéis, mas sobretudo porque o banhavam a ele num caudal de indisfarçável felicidade. Já houvera a rádio, é certo, uma espécie de semente nesta história da “comunicação”. Sim, recordemo-lo: foi na TSF onde Marcelo Rebelo de Sousa esteve entre 1993 e 1996 que ele ensaiou, treinou e aprimorou o seu electrizante cozer e descoser da vida política nacional. Nada do que televisivamente ocorreria anos depois pode ser explicado sem esse prévio “Exame” radiofónico. Com notas e tudo. O “professor” estava a caminho.

    Nascia um comunicador. O que lhe causava um deleite quase indizível: não só pelo puro gozo intelectual que lhe traziam tais performances, onde muito se divertia e estava no seu direito. Mas não, não era só isso: com o seu visceral horror à tensão e à violência, mesmo que apenas a da retórica, a sua maior felicidade provinha da possibilidade de fazer política sem dor. Sem suor e sem esforço.

    Na TVI, ele foi rei do pequeno écran, coisa que nunca o desconsolará. Até já diz ter "saudades do comentário televisivo"

    Como? Trocando esse imenso trabalho que é sempre preciso desenvolver para obter votos, por borbulhantes audiências televisivas. E trocando imprevisíveis escrutínios eleitorais por écrans inteiramente ocupados por si. Sem maçadas, outro luxo: Marcelo elege os seus territórios, demarca as suas fronteiras, traz o trabalho de casa feito, fala sozinho. Sem contraditório a embaciar-lhe o raciocínio, adversários a perturbá-lo, intermediários a toldar-lhe os argumentos. (E isso é de tal modo verdade – e já lá irei com mais detalhe –, que basta olhar para o modo como iniciou a actual campanha presidencial: longe. Longe de nós, longe da vida. Solitariamente, sem grandes contactos com gente de carne e osso. Sem quase se mexer. Aparentemente indo ter com o país, mas sem verdadeiramente se cruzar com ele.)

    Marcelo Rebelo de Sousa não tem o povo, tem plateias.

    Exagero meu? Talvez (mas não andarei longe da verdade).

    A verdade é que ele foi rei do pequeno écran, coisa que nunca o desconsolará. Basta lembrar o extraordinário desabafo que o país lhe ouviu, mal tinha largado os estúdios e os écrans da TVI: “Tenho saudades de fazer comentário televisivo”.

    Foi “a brincar”, disseram alguns. O pior é que não era a brincar.

    Se for eleito Presidente da República sê-lo-á pela televisão. Não tem experiência governativa, nem equipas, nem conselheiros, nem tropas, nem “amigos políticos”. Tem espectadores. Correu quase sempre sozinho. É um “solitário político”. Mas tem a televisão. E mesmo que não esteja escrito em lado nenhum que a popularidade se transfira automaticamente para a urna de voto, quando se tratar de votos “verdadeiros” e já não de “audiências”, a visibilidade alcançada ao longo de anos nos écrans piscará obviamente o olho ao voto. De momento o que há é um pássaro na mão – a popularidade mediática; e outro pássaro – os votos – ainda a voar. Num voo hesitante entre pousar sobre si no dia 24 de Janeiro ou apenas quinze dias depois.

    Se pousar.

    Quanta solidão num prato de salada

    9. Por falar em popularidade mediática. Ela é ponto tão fulcral para o nosso homem – é o ar que ele respira – e factor tão determinante no resto da sua vida, que ainda hoje me lembro do dia e da hora em que julguei ver o ocaso de tudo isso…Ou talvez mesmo o fim da sua aventura televisiva.

    Fui dar com ele sozinho em casa, terrivelmente engripado e comendo um jantar frugal (“janto todos os dias esta mesma salada”). O seu futuro televisivo mostrava-se demasiado incerto e ele sabia-o. A ideia afligia-o

    Foi uma vez, quando o visitei na sua casa de Cascais, já quase noite. Estava-se em plena crise da TVI que opusera o seu administrador, Miguel Pais do Amaral, a Rebelo de Sousa (na altura cunhados um do outro), tendo Marcelo sido afastado compulsivamente da estação onde há anos surgia dominicalmente, fazendo o pleno das audiências televisivas.

    Mas naquele cair de tarde, longe do écran, do sucesso, da influência, do poder – se havia coisa que ele perseguia e usava, era poder e influência –, Marcelo estava em pleno desamparo de si próprio. Sem chão debaixo dos pés.

    Fui dar com ele sozinho em casa, terrivelmente engripado e comendo um jantar frugal (“janto todos os dias esta mesma salada”). O seu futuro televisivo mostrava-se demasiado incerto e ele sabia-o. A ideia afligia-o.

    Muito pouco tempo antes, num encontro que por uma extraordinária coincidência temporal eu tivera com Francisco Balsemão no seu gabinete na estação de Carnaxide, ocorrera-me dizer-lhe: “E se fosse buscar Marcelo?” Mas o patrão da SIC cortara cerce: “Não”.

    Não me espantei: há feridas que se suspeita que Francisco Balsemão não queira ver saradas. Ponto final. O resto não era consigo, muito menos o destino televisivo de alguém que (irreversivelmente, pelos vistos) o decepcionara a este ponto.

    Fosse como fosse, impressionei-me naquela tarde e naquela acolhedora casa no “miolo” antigo de Cascais ao despedir-me de Marcelo: quanta solidão naquele prato de salada. Faltavam-lhe as plateias, faltava-lhe o eco, faltava-lhe o futuro, faltava-lhe o ar. Percebi que naquele preciso momento, mais que a carreira académica, os livros, ou a docência; mais que os pareceres que dava, os inúmeros convites que tinha, ou a Fundação da Casa de Bragança, a vida que para ele contava – e a única capaz de lhe permitir a última aventura política – era respirar politicamente através de um canal de televisão.

    Semanas depois as coisas compuseram-se, surgiu nova morada televisiva, Marcelo ressuscitou das cinzas do seu acabrunhamento. Mas eu nunca esquecerei aquele momento.

    Quem é Marcelo? De certa forma, Marcelo é acima de tudo um solitário

    10. E depois há a crónica pública embalada com zelo pelo próprio: não dorme, toma banhos de mar todos os dias, tem tempo para tudo, trabalha insanamente, é hipocondríaco, é curioso, dá-se com muita gente, é um “brincalhão”. Podia escolher outros exemplos, não valerá a pena. Chegam estes. Marcelo não é nada curioso: tem alguns interesses – o que não é a mesma coisa – e persegue-os; não entra (obviamente) no mar todos os dias; dorme – e bem – oferecendo às manhãs mais vazias de compromissos o sono roubado por actividade, trabalho e (inúmeros) telefonemas, madrugadas dentro. Os solitários costumam dar-se bem com a noite, Marcelo é acima de tudo um solitário. Sim, é verdade, é hipocondríaco, metendo diariamente ao bolso dezenas de coloridas cápsulas que vai engolindo com método ao longo do dia. Sim, coleciona livros, é alguém que lê mas nunca aqueles livros de que falava na televisão com pressa vertiginosa (ou deveria dizer desrespeitosa?); sim, vê muita gente mas a sua imensa capacidade de se maçar – disfarça mal – é a melhor defesa murada contra o ruído da curiosidade alheia pousada sobre si. Sim, alguma imaturidade emocional convida-o a ser “brincalhão” muitas vezes. Sucede porém que a leviandade e o espalhafato (os seus), se podem tornar embaraçosos nalgumas dessas vezes.

    Ficar a meio. Nas respostas

    11. Falemos então agora no que aí está. Uma campanha eleitoral que se concluirá dentro de dias e da qual o país se vai apercebendo com mais preguiça que entusiasmo e com mais desinteresse que curiosidade. Só isso explica que a ninguém ou quase ninguém tenha ocorrido perguntar ao candidato – “professor” – Marcelo, porque se candidata ele? Para lá do que sumariamente sabemos serem os seus nobres argumentos (desejo de servir o país, retribuindo-lhe o que “Portugal fez por si”), como pensa o candidato “rechear” tais motivações e como pretende norteá-las? Que áreas julga mais susceptíveis de exigirem um cuidado ou uma atenção suas? Que contrato nos propõe?

    Em suma: porque vale a pena votar em si e não em outros?

    Não tem havido respostas, apenas vislumbres, ou partes de respostas. Algumas quase inúteis como a de sabermos – por exemplo – que Marcelo Rebelo de Sousa, se for eleito, “irá convocar o Conselho de Estado quatro vezes por ano”… e eis uma certamente precipitada aritmética: e se houver fundamento para serem seis em vez de quatro, ou argumento para serem só três?

    Diz-se que quer “inovar”. O quê, também não se percebeu bem: o modelo político, os usos e os costumes da “casa”, a composição da Casa Civil? As rotinas do cargo, substituindo-as por “novidades”? A relação presidencial com os portugueses?

    Se não me engano, o que se lhe pede são uma ou duas boas ideias, um desígnio, alguns compromissos. Virão?

    A “falta de poderes” do Presidente da República, sempre evocada nestas alturas, é um pau de dois bicos. Há sempre “poderes”. O que pode não haver é a vontade de os querer – e saber – utilizar. Ficando a meio. Como nas respostas.

    Uma relação enraizada e antiga com Deus

    12. E last but not least, há o seu lado mais privado – que intencionalmente deixei para o fim – e desse lado eu gosto. Falo dele com a autoridade da testemunha que há décadas conhece e acompanha o personagem – mesmo que muito dele tenha discordado.

    O que agora abordarei é mesmo a outra face desta controversa moeda chamada Marcelo Rebelo de Sousa e é preciso saber ler o que lá está. E o que está, em grande plano, nesse avesso, é um pai atento, pedagogo, responsável e extremoso, absorvido ontem pelos dois filhos, como hoje pelos quatro netos; está o imenso amor do professor à Universidade, o seu culto pelo ensino, a sua devoção ao aluno; está o ser humano generoso, sempre pronto a entrar em acção, promovendo ajudas financeiras discretas, dando atenção a desvalidos, fazendo visitas – anónimas e fora de horas – a doentes terminais que ele não conhece mas o “conhecem” a ele; está o amigo que mima os seus próximos.

    E está sobretudo Deus. Uma relação enraizada e antiga. Talvez porque ela lhe ofereça um sentido para as coisas; talvez porque necessite de balizar a inconstância da sua relação com a vida com a constância da sua relação com o transcendente. Talvez porque ela seja o seu pulmão mais limpo. Talvez como um caminho de expiação que ele conta – e espera – que o conduza à salvação.

    Talvez muito simplesmente por uma pura questão de Fé. Seja como for há um Marcelo que se põe em sentido quando se trata de Deus e serve com Fé e generosidade sóbria uma Igreja onde sempre militou. Evitando exibir-se e trocando um Deus de boca por um testemunho sem preocupações de audiência.

    Na conversa sobre Deus com Marcelo, a Capela do Rato ia vindo abaixo, nunca se lá viu tanta gente

    No dia 4 Novembro do ano passado, uma quarta feira, esteve presente num ciclo que produzi na Capela do Rato, durante doze semanas, chamado Conversas com Deus e a cujo convite para participar ele logo acedeu. A plateia recompensou-lhe aliás a disponibilidade: a Capela ia vindo abaixo, nunca se lá viu tanta gente. Havia pessoas de pé, no chão, no coro; e gente até no passeio da rua, espreitando pela janela aberta e tentando seguir aquele vertiginoso monólogo do “professor”. Sim, Marcelo não tem confiança no diálogo – é inseguro demais para isso. Teme perguntas que não escolheu, alusões que não previu, receia ficar demasiado exposto, o controle voa-lhe das mãos. O monólogo defende-o: com ele ergue um muro à sua roda. Como nessa noite no Rato, onde ele voou ainda mais depressa sobre as palavras.

    Quando o convidei, em Setembro, não era ainda candidato à Presidência da República. No início de Novembro, já o era oficialmente mas manteve a sessão, o que nos reconduz à outra face da controversa moeda: Marcelo leva Deus a sério. Como tal, candidato ou não, aceitou um desafio que tratava de Deus e cumpriu-o pontualmente.

    13. Porque ele sabe que muitos são os chamados e poucos os escolhidos?

    https://observador.pt/especiais/marcelo-afinal-homem/

    Observador.