sexta-feira, 23 de julho de 2021

Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital

N.º 95 17 de Maio de 2021 Pág. 5
Diário da República, 1.ª série
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Lei n.º 27/2021 de 17 de Maio
Sumário: Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição,
o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
A presente lei aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.
Artigo 2.º
Direitos em ambiente digital
1 — A República Portuguesa participa no processo mundial de transformação da Internet num
instrumento de conquista de liberdade, igualdade e justiça social e num espaço de promoção, pro-
teção e livre exercício dos direitos humanos, com vista a uma inclusão social em ambiente digital.
2 — As normas que na ordem jurídica portuguesa consagram e tutelam direitos, liberdades e
garantias são plenamente aplicáveis no ciberespaço.
Artigo 3.º
Direito de acesso ao ambiente digital
1 — Todos, independentemente da ascendência, género, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou
orientação sexual, têm o direito de livre acesso à Internet.
2 — Com vista a assegurar um ambiente digital que fomente e defenda os direitos humanos,
compete ao Estado promover:
a) O uso autónomo e responsável da Internet e o livre acesso às tecnologias de informação
e comunicação;
b) A definição e execução de programas de promoção da igualdade de género e das compe-
tências digitais nas diversas faixas etárias;
c) A eliminação de barreiras no acesso à Internet por pessoas portadoras de necessidades
especiais a nível físico, sensorial ou cognitivo, designadamente através da definição e execução
de programas com esse fim;
d) A redução e eliminação das assimetrias regionais e locais em matéria de conectividade,
assegurando a sua existência nos territórios de baixa densidade e garantindo em todo o território
nacional conectividade de qualidade, em banda larga e a preço acessível;
e) A existência de pontos de acesso gratuitos em espaços públicos, como bibliotecas, juntas
de freguesia, centros comunitários, jardins públicos, hospitais, centros de saúde, escolas e outros
serviços públicos;
f) A criação de uma tarifa social de acesso a serviços de Internet aplicável a clientes finais
economicamente vulneráveis;

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Diário da República, 1.ª série
g) A execução de programas que garantam o acesso a instrumentos e meios tecnológicos e
digitais por parte da população, para potenciar as competências digitais e o acesso a plataformas
eletrónicas, em particular dos cidadãos mais vulneráveis;
h) A adoção de medidas e ações que assegurem uma melhor acessibilidade e uma utilização
mais avisada, que contrarie os comportamentos aditivos e proteja os consumidores digitalmente
vulneráveis;
i) A continuidade do domínio de Internet de Portugal «.PT», bem como das condições que o
tornam acessível tecnológica e financeiramente a todas as pessoas singulares e coletivas para
registo de domínios em condições de transparência e igualdade;
j) A definição e execução de medidas de combate à disponibilização ilícita e à divulgação de
conteúdos ilegais em rede e de defesa dos direitos de propriedade intelectual e das vítimas de
crimes praticados no ciberespaço.
Artigo 4.º
Liberdade de expressão e criação em ambiente digital
1 — Todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento, bem como de criar, procurar,
obter e partilhar ou difundir informações e opiniões em ambiente digital, de forma livre, sem qualquer
tipo ou forma de censura, sem prejuízo do disposto na lei relativamente a condutas ilícitas.
2 — A República Portuguesa participa nos esforços internacionais para que o ciberespaço
permaneça aberto à livre circulação das ideias e da informação e assegure a mais ampla liberdade
de expressão, assim como a liberdade de imprensa.
3 — Todos têm o direito de beneficiar de medidas públicas de promoção da utilização respon-
sável do ciberespaço e de proteção contra todas as formas de discriminação e crime, nomeada-
mente contra a apologia do terrorismo, o incitamento ao ódio e à violência contra pessoa ou grupo
de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo,
orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, o assédio ou exploração
sexual de crianças, a mutilação genital feminina e a perseguição.
4 — A criação de obras literárias, científicas ou artísticas originais, bem como as equiparadas
a originais e as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas
e de videogramas e dos organismos de radiodifusão gozam de especial proteção contra a viola-
ção do disposto no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto -Lei
n.º 63/85, de 14 de março, em ambiente digital.
Artigo 5.º
Garantia do acesso e uso
É proibida a interrupção intencional de acesso à Internet, seja parcial ou total, ou a limitação
da disseminação de informação ou de outros conteúdos, salvo nos casos previstos na lei.
Artigo 6.º
Direito à proteção contra a desinformação
1 — O Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a
Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure
ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação, nos
termos do número seguinte.
2 — Considera -se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora
criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente
o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos proces-
sos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.
3 — Para efeitos do número anterior, considera -se, designadamente, informação comprovada-
mente falsa ou enganadora a utilização de textos ou vídeos manipulados ou fabricados, bem como
as práticas para inundar as caixas de correio eletrónico e o uso de redes de seguidores fictícios.

4 — Não estão abrangidos pelo disposto no presente artigo os meros erros na comunicação
de informações, bem como as sátiras ou paródias.
5 — Todos têm o direito de apresentar e ver apreciadas pela Entidade Reguladora para a
Comunicação Social queixas contra as entidades que pratiquem os atos previstos no presente artigo,
sendo aplicáveis os meios de ação referidos no artigo 21.º e o disposto na Lei n.º 53/2005, de 8 de
novembro, relativamente aos procedimentos de queixa e deliberação e ao regime sancionatório.
6 — O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comuni-
cação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades
fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública.
Artigo 7.º
Direitos de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital
1 — A todos é assegurado o direito de reunião, manifestação, associação e participação de
modo pacífico em ambiente digital e através dele, designadamente para fins políticos, sociais e
culturais, bem como de usar meios de comunicação digitais para a organização e divulgação de
ações cívicas ou a sua realização no ciberespaço.
2 — Os órgãos de soberania e de poder regional e local asseguram a possibilidade de exer-
cício dos direitos de participação legalmente previstos através de plataformas digitais ou outros
meios digitais.
Artigo 8.º
Direito à privacidade em ambiente digital
1 — Todos têm direito a comunicar eletronicamente usando a criptografia e outras formas de
proteção da identidade ou que evitem a recolha de dados pessoais, designadamente para exercer
liberdades civis e políticas sem censura ou discriminação.
2 — O direito à proteção de dados pessoais, incluindo o controlo sobre a sua recolha, o registo,
a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a
utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a com-
paração ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição, é assegurado nos termos legais.
Artigo 9.º
Uso da inteligência artificial e de robôs
1 — A utilização da inteligência artificial deve ser orientada pelo respeito dos direitos funda-
mentais, garantindo um justo equilíbrio entre os princípios da explicabilidade, da segurança, da
transparência e da responsabilidade, que atenda às circunstâncias de cada caso concreto e esta-
beleça processos destinados a evitar quaisquer preconceitos e formas de discriminação.
2 — As decisões com impacto significativo na esfera dos destinatários que sejam tomadas
mediante o uso de algoritmos devem ser comunicadas aos interessados, sendo suscetíveis de
recurso e auditáveis, nos termos previstos na lei.
3 — São aplicáveis à criação e ao uso de robôs os princípios da beneficência, da não -maleficência,
do respeito pela autonomia humana e pela justiça, bem como os princípios e valores consagrados
no artigo 2.º do Tratado da União Europeia, designadamente a não discriminação e a tolerância.
Artigo 10.º
Direito à neutralidade da Internet
Todos têm direito a que os conteúdos transmitidos e recebidos em ambiente digital não sejam
sujeitos a discriminação, restrição ou interferência em relação ao remetente, ao destinatário, ao
tipo ou conteúdo da informação, ao dispositivo ou aplicações utilizados, ou, em geral, a escolhas
legítimas das pessoas.

Artigo 11.º
Direito ao desenvolvimento de competências digitais
1 — Todos têm direito à educação para a aquisição e o desenvolvimento de competências
digitais.
2 — O Estado promove e executa programas que incentivem e facilitem o acesso, por parte
das várias faixas etárias da população, a meios e instrumentos digitais e tecnológicos, por forma
a assegurar, designadamente, a educação através da Internet e a utilização crescente de serviços
públicos digitais.
3 — O serviço público de comunicação social audiovisual contribui para a educação digital dos
utilizadores das várias faixas etárias e promove a divulgação da presente lei e demais legislação
aplicável.
Artigo 12.º
Direito à identidade e outros direitos pessoais
1 — Todos têm direito à identidade pessoal, ao bom nome e à reputação, à imagem e à palavra,
bem como à sua integridade moral em ambiente digital.
2 — Incumbe ao Estado:
a) Combater a usurpação de identidade e incentivar a criação de plataformas que permitam
o uso pelo cidadão de meios seguros de autenticação eletrónica;
b) Promover mecanismos que visem o aumento da segurança e da confiança nas transações
comerciais, em especial na ótica da defesa do consumidor.
3 — Fora dos casos previstos na lei, é proibida qualquer forma de utilização de código bidi-
mensional ou de dimensão superior para tratar e difundir informação sobre o estado de saúde ou
qualquer outro aspeto relacionado com a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções
religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como dados genéticos, dados biométricos ou
dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa.
Artigo 13.º
Direito ao esquecimento
1 — Todos têm o direito de obter do Estado apoio no exercício do direito ao apagamento de
dados pessoais que lhes digam respeito, nos termos e nas condições estabelecidas na legislação
europeia e nacional aplicáveis.
2 — O direito ao esquecimento pode ser exercido a título póstumo por qualquer herdeiro do
titular do direito, salvo quando este tenha feito determinação em sentido contrário.
Artigo 14.º
Direitos em plataformas digitais
1 — Na utilização de plataformas digitais, todos têm o direito de:
a) Receber informação clara e simples sobre as condições de prestação de serviços quando
utilizem plataformas que viabilizam fluxos de informação e comunicação;
b) Exercer nessas plataformas os direitos garantidos pela presente Carta e na demais legis-
lação aplicável;
c) Ver garantida a proteção do seu perfil, incluindo a sua recuperação se necessário, bem como
de obter cópia dos dados pessoais que lhes digam respeito nos termos previstos na lei;
d) Apresentar reclamações e recorrer a meios alternativos de resolução de conflitos nos termos
previstos na lei.

2 — O Estado promove a utilização pelas plataformas digitais de sinaléticas gráficas que
transmitam de forma clara e simples a política de privacidade que asseguram aos seus utilizadores.
Artigo 15.º
Direito à cibersegurança
1 — Todos têm direito à segurança no ciberespaço, incumbindo ao Estado definir políticas públi-
cas que garantam a proteção dos cidadãos e das redes e sistemas de informação, e que criem me-
canismos que aumentem a segurança no uso da Internet, em especial por parte de crianças e jovens.
2 — O Centro Nacional de Cibersegurança promove, em articulação com as demais entidades
públicas competentes e parceiros privados, a formação dos cidadãos e empresas para adquirirem
capacitação prática e beneficiarem de serviços online de prevenção e neutralização de ameaças à
segurança no ciberespaço, sendo para esse efeito dotado de autonomia administrativa e financeira.
Artigo 16.º
Direito à liberdade de criação e à proteção dos conteúdos
1 — Todos têm direito à livre criação intelectual, artística, científica e técnica, bem como a
beneficiarem, no ambiente digital, da proteção legalmente conferida às obras, prestações, produ-
ções e outros conteúdos protegidos por direitos de propriedade intelectual.
2 — As medidas proporcionais, adequadas e eficazes com vista a impedir o acesso ou a
remover conteúdos disponibilizados em manifesta violação do direito de autor e direitos conexos
são objeto de lei especial.
Artigo 17.º
Direito à proteção contra a geolocalização abusiva
1 — Todos têm direito à proteção contra a recolha e o tratamento ilegais de informação sobre
a sua localização quando efetuem uma chamada obtida a partir de qualquer equipamento.
2 — A utilização dos dados da posição geográfica do equipamento de um utilizador só pode
ser feita com o seu consentimento ou autorização legal.
Artigo 18.º
Direito ao testamento digital
1 — Todas as pessoas podem manifestar antecipadamente a sua vontade no que concerne à
disposição dos seus conteúdos e dados pessoais, designadamente os constantes dos seus perfis
e contas pessoais em plataformas digitais, nos termos das condições contratuais de prestação do
serviço e da legislação aplicável, inclusive quanto à capacidade testamentária.
2 — A supressão póstuma de perfis pessoais em redes sociais ou similares por herdeiros não pode
ter lugar se o titular do direito tiver deixado indicação em contrário junto dos responsáveis do serviço.
Artigo 19.º
Direitos digitais face à Administração Pública
Perante a Administração Pública, a todos é reconhecido o direito:
a) A beneficiar da transição para procedimentos administrativos digitais;
b) A obter informação digital relativamente a procedimentos e atos administrativos e a comu-
nicar com os decisores;
c) À assistência pessoal no caso de procedimentos exclusivamente digitais;
d) A que dados prestados a um serviço sejam partilhados com outro, nos casos legalmente
previstos;

e) A beneficiar de regimes de «dados abertos» que facultem o acesso a dados constantes das
aplicações informáticas de serviços públicos e permitam a sua reutilização, nos termos previstos na lei;
f) De livre utilização de uma plataforma digital europeia única para a prestação de acesso a
informações, nos termos do Regulamento (UE) 2018/1724 do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 2 de outubro de 2018.
Artigo 20.º
Direito das crianças
1 — As crianças têm direito a proteção especial e aos cuidados necessários ao seu bem -estar
e segurança no ciberespaço.
2 — As crianças podem exprimir livremente a sua opinião e têm a liberdade de receber e
transmitir informações ou ideias, em função da sua idade e maturidade.
Artigo 21.º
Ação popular digital e outras garantias
1 — Para defesa do disposto na presente lei, a todos são reconhecidos os direitos previstos
na legislação referente à ação popular, devidamente adaptada à realidade do ambiente digital.
2 — O Estado apoia o exercício pelos cidadãos dos direitos de reclamação, de recurso e de
acesso a formas alternativas de resolução de litígios emergentes de relações jurídicas estabeleci-
das no ciberespaço.
3 — As pessoas coletivas sem fins lucrativos que se dediquem à promoção e defesa do disposto
na presente Carta têm o direito a obter o estatuto de utilidade pública, nos termos da legislação
aplicável às entidades de caráter cultural.
4 — Os direitos assegurados em processo administrativo em suporte eletrónico, nos termos do
disposto no n.º 3 do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, são objeto de legislação
própria, a aprovar no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 22.º
Direito transitório
Até à entrada em vigor da lei prevista no n.º 2 do artigo 16.º são aplicáveis as normas vigentes
que regulam o impedimento do acesso ou remoção de conteúdos disponibilizados em violação do
direito de autor e direitos conexos.
Artigo 23.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.
Aprovada em 8 de abril de 2021.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Promulgada em 8 de maio de 2021.
Publique -se.
O Presidente da República, MARCELO REBELO DE SOUSA.
Referendada em 11 de maio de 2021.
O Primeiro -Ministro, António Luís Santos da Costa.
114236482

https://dre.pt/application/file/a/163442250

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