NASCER DO SOL
JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA
Não sou epidemiologista, nem sequer
médico, pelo que este texto deve ser
lido com as necessárias reservas.
Não tendo a ciência, apenas tenho por
mim a observação e a reflexão; e pode estar
a escapar-me algum dado relevante que
altere o quadro lógico, comprometendo
gravemente as conclusões. E com a saúde
não se brinca.
Feito este alerta, também não me sentiria
bem se não escrevesse o que penso de
um assunto muito sério, do qual dependem
vidas humanas, mas que tem consequências
muito para lá da área da saúde.
E que, por isso, não pode ser debatido só
por especialistas desta área.
Quando começou a falar-se em pandemia
e na necessidade de um confinamento,
o argumento utilizado qual era?
O leitor lembra-se?
Era a necessidade de «achatar a curva»,
como diziam, ou seja, diminuir o ritmo de
contágio para evitar o entupimento dos hospitais
e a saturação dos cuidados intensivos.
O ‘achatamento da curva’, admitia-se,
até poderia contribuir para prolongar a
epidemia no tempo, mas era indispensável
pelas tais razões hospitalares.
Esse ‘achatamento’ foi conseguido, e as
situações de ruptura nos hospitais não foram
relevantes.
Entretanto veio o Verão, as coisas acalmaram,
e até ao fim do ano vivemos uma
quase normalidade.
Mas no início deste ano veio uma segunda
vaga muito agressiva, com um número
crescente de vítimas mortais, e o Governo
– com o acordo de Belém – decretou
um novo confinamento.
A situação melhorou claramente, voltámos
então a desconfinar, mas os contágios
recomeçaram a subir e agora entrámos num
novo tempo: tão depressa a ordem é para
descomprimir como é para andar para trás.
Estamos naquilo a que se pode chamar
o ‘período do confina-desconfina’.
A razão apontada para confinar é o número
excessivo de contágios.
Mas que mal há nisso?
Já não se coloca o problema do ‘achatamento
da curva’, pois os hospitais estão
longe de estar entupidos.
Também não se coloca o problema do
número de mortos, pois há mesmo dias em
que não se verificam óbitos.
Qual é, então, o argumento para andarmos
neste pára-arranca, com gravíssimas
consequências para a economia?
Não sendo as autoridades muito claras
a este respeito, têm-se justificado as medidas
restritivas com «a necessidade de
acabar rapidamente com a pandemia»,
até por razões internacionais.
E aqui é que bate o ponto.
Estou sinceramente convencido de que,
com esta estratégia de confina-desconfina,
não vamos acabar rapidamente com a
pandemia, pelo contrário, vamos prolongá-
la, quiçá eternizá-la.
Imaginemos uma piscina em que a água
começa a ficar ligeiramente verde.
O tratador deita um pouco de cloro, a
água fica mais azul – mas no dia seguinte
está outra vez esverdeada.
O tratador deita mais um pouco de cloro
– e o fenómeno repete-se.
E assim se passam os dias, sem que a
água fique azul.
Mas se, no primeiro dia, o tratador der
um valente choque de cloro, o verde desaparece
de todo – e daí em diante bastará
adicionar regularmente um pouco de produto
para ter a água sempre azul.
Com a covid passa-se o mesmo.
Confinamos, a situação melhora, desconfinamos,
a situação piora, e assim nunca
mais nos vemos livres da doença.
Para resolver o problema de vez, há que
provocar o tal choque.
É preciso desconfinar total e completamente
Haverá muitas infeções, mas como a
maioria dos mais velhos já está vacinada,
as consequências em princípio não serão
graves: não haverá muitas hospitalizações
nem mortes.
E assim atingiremos rapidamente a
imunidade de grupo e poderemos voltar à
vida normal.
Assim é que não vamos lá: com este confina-
desconfina estamos a eternizar o problema.
Vai sempre havendo gente protegida
pronta a ser infetada no próximo desconfinamento.
Há pessoas indignadas por verem grupos
de jovens sem máscara.
Mas querem que os jovens, que sabem de
antemão que não serão muito afetados pelo
vírus, continuem metidos em casa (ainda
por cima quando já estamos no Verão, que
eles associam a liberdade e divertimento)?
Sejamos realistas.
É impossível continuar a aplicar medidas
gravemente restritivas da liberdade.
Muitas pessoas estão no limite da resistência.
Milhares de empresários e comerciante
já não aguentam mais, estão à beira da
falência – e outros tantos já faliram.
Há que desconfinar rapidamente.
Claro que as pessoas mais velhas, as pessoas
mais frágeis, as pessoas doentes, mesmo
vacinadas, terão de tomar algumas
precauções.
Mas isso já elas sabem e fazem: não precisam
que ninguém as ensine ou obrigue.
Quanto às outras, passarão a andar à
vontade – e a economia poderá retomar o
seu curso.
Aliás, olhamos lá para fora e o que vemos?
Vemos os estádios vazios, como cá, os
espetáculos cancelados, as pessoas proibidas
de circular ao fim de semana?
Não: vemos os estádios de futebol cheios
de gente sem máscara.
Vemos as estradas de França apinhadas
de gente sem máscara a ver passar o Tour.
E esses países têm números terríveis?
Não têm.
Então, estamos à espera de quê?
Acabo como comecei.
O argumento do ‘achatamento da curva’
desapareceu.
O argumento do ‘número elevado de
mortes’ desapareceu.
O argumento de que queremos matar a
doença de vez está mal colocado, como vimos,
pois só estamos a eternizá-la.
Assim, a partir de agora, as medidas restritivas
não servirão para acabar com a
pandemia – só contribuirão para matar a
economia.
Desconfine-se rapidamente… e em força!
E mesmo assim já vamos tarde.
P.S. – Depois de Joe Berardo, foi detido
Luís Filipe Vieira. E começou o julgamento
de Ricardo Salgado. Todas estas pessoas
têm um fio a ligá-las e os seus processos
reportam à mesma época. Já não é necessário
citar o nome: nunca um primeiro-
ministro em Portugal tinha sido responsável
pela destruição de tanto dinheiro.
Mete dó!
10 JULHO de 2021
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