domingo, 11 de julho de 2021

Nuno Palma: “O Governo é apoiado por comunistas e o comunismo é tão nojento quanto o fascismo”

A intervenção na Convenção do MEL foi a 25 de Maio, mas 45 dias depois a polémica dura. Não se fica no troco a quem o atacou: há um provinciano, “um académico de que nunca ouvi falar”, um “vira-casacas” e muito mais.

Em Agosto regressa à universidade de Manchester, onde é professor de Economia e admite que será a carreira fora a dar-lhe a liberdade "que nem sempre existe na academia portuguesa" para falar como fala. Sem papas na língua.

Contei mais de 20 artigos, sobre a polémica que o envolveu. E um mês depois continuam. Como é que interpreta a indignação? É que embora tenha havido quem o defendeu, a maioria atacou-o de forma contundente.
A parte que causou polémica foi só a das declarações que fiz – que até foram relativamente curtas no total da minha intervenção – sobre o Estado Novo. E por várias razões: uma, em que estou totalmente de acordo, é que era um regime condenável politicamente, tinha polícia política, perseguia, eu sou um liberal só posso condenar um regime antiliberal; mas outro aspecto é que há muitas pessoas para quem o desenvolvimento económico do País só aconteceu com a democracia e por causa da democracia, e isso é historicamente falso. Isso não justifica de forma alguma o que aconteceu politicamente durante o Estado Novo, mas essa é a realidade histórica. E há muita gente que tem dificuldade em aceitar isso.

E porquê?
Ou porque não sabe, ou porque se calhar sabe mas há um interesse estratégico em reescrever a História de forma a glorificar os agentes, os principais partidos e a esquerda do pós-25 de Abril. E há um terceiro aspecto, que é o provincianismo profundo de grande parte da academia portuguesa, e por arrasto de alguns políticos.

Quer definir esse provincianismo que vê, consiste em quê?
Com todo o gosto. Dou-lhe um exemplo. No sábado um académico de que eu nunca tinha ouvido falar, António Araújo, escreveu um artigo em que, entre várias deturpações do que eu tinha dito, disparates e até mentiras, disse que o meu objectivo com a intervenção era conseguir contractos televisivos. Na verdade na sequência da minha intervenção até recusei ir à televisão, não me interessa nada.

E teve convites para ir?
Tive. E recusei. O que é que pensam os académicos provincianos portugueses (não são todos, há excepções)? Pensam que o objectivo de todas as intervenções públicas é ir à televisão. Isso para eles é o máximo da carreira académica. É uma academia que – há excepções, repito – é provinciana, não tem qualquer tipo de influência internacional, está completamente alheada da literatura internacional mais moderna sobre estes temas, dos métodos que são utilizados nessa literatura.

Sobre Fernando Rosas já escreveu que a sua "historiografia militante antifascista" é "provinciana, sendo a sua influência nacional proporcional à sua completa irrelevância internacional".
É isso mesmo.

Mas onde é que está essa diferença entre a historiografia internacional e a portuguesa sobre o Estado Novo? É só na abordagem antifascista?
É que isso não é História nem nunca foi. É política e sempre foi essa a sua intenção. A intenção de Rosas, ou de Irene Pimentel, nunca foi fazer História, foi sempre fazer política. Nas faculdades de Economia aprendemos a separar afirmações normativas de afirmações descritivas, em que estamos a descrever a realidade e a tentar compreender o que se passou. Outra coisa é dizer isto foi bom, mau, ou devia ter sido assim ou assado. Isso são afirmações normativas. Por exemplo, quando o Pedro Lains, recentemente falecido, que era de esquerda, escreveu um artigo na Explorations in Economic History, das melhores revistas ao nível mundial de História Económica, e mostrou que em 1940 Portugal tinha um terço do PIB per capita dos países mais ricos da Europa, e que em 1974 já era 60% – o que foi uma enorme convergência económica com a Europa, que aconteceu antes da democracia – não está a fazer nenhuma afirmação normativa. Está simplesmente a descrever o que aconteceu. O mesmo com outras pessoas de esquerda, como António Candeias, que escreveu muito sobre o analfabetismo no Estado Novo, e que são completamente insuspeitas, como eu sou – eu não sou de esquerda, mas também não sou bem de direita, sou liberal, nalguns temas sou de esquerda, noutros de direita.

Não se conteve nas respostas, pelo contrário. A Pacheco Pereira, que o mandou estudar, catalogou-o como "o licenciado Pacheco Pereira" e "académico falhado". Porque é que ripostou assim?
Quantos países conhece em que se chama "doutor" aos licenciados? Eu só conheço um. Acha que aquelas colunas que escreve o Pacheco Pereira, em que no fim assina "historiador", são colunas de um historiador, que o que está ali a fazer é História?

Pergunto-lhe a si, não é História?
Nem nunca foi. O Pacheco Pereira não escreve História, escreve política, faz e sempre fez política.

E portanto acha desonesto que assine "historiador" no fim?
É desonesto, claro que sim.

Mas tem reagido a tudo: sentiu-se pessoalmente ofendido com o que foram dizendo de si, de ignorante a fascista?
Penso que o País tem de ver o passado de uma forma mais fria para sair da adolescência. Até porque isto tem consequências no presente. Se eu disser que houve crescimento económico na primeira metade do século XVIII, que houve, ninguém diz "olha, é um apoiante da monarquia absoluta".

A controvérsia toda serviu para alguma coisa?
Pergunto-me isso. No Twitter, só vejo tribos, de um lado e de outro. Pergunto-me se não há moderados, abertos a mudarem de ideias, a aprenderem alguma coisa com esta polémica? Parece-me que sim, embora não sejam os que se manifestam mais nas redes sociais. Há um papel pedagógico em explicar às pessoas o que são as economias comunistas, as economias de planeamento centralizado. A resolução de 2019 do Parlamento Europeu (PE) condena no mesmo nível moral o nazismo e o fascismo e o comunismo – aliás o comunismo matou muito mais gente e continua a matar – mas Portugal é um país em que o Governo só governa porque tem o apoio de um partido antidemocrático, que é o PCP e isso leva a consequências desastrosas para a economia. O próprio PE condena os símbolos do nazismo e do comunismo.

A foice e o martelo?
A foice e o martelo é um símbolo condenável, de acordo com o PE. Há um double standard de um País que falar em ilegalizar o Chega – pelo qual não tenho nenhuma simpatia –, mas não se fala no PCP, que tentou impor uma ditadura.

Já passou muito tempo, acha que o PCP não evoluiu o suficiente para hoje ser um partido democrático?
É um partido fossilizado, que se revê na URSS, que defende todo o tipo de ditaduras…

Chamaram-lhe fascista. Como recusa, presumo que tenha sido desagradável?
Em primeiro lugar é mentira. Mas é curioso um País em que se chama fascista a qualquer pessoa que tenha uma ideia da nossa história diferente da que querem impor, num País em que há comunistas a sentar-se no parlamento. Porque é mentira que eu seja fascista, mas não é mentira que o Governo seja apoiado por comunistas e o comunismo é tão nojento quanto o fascismo.

Como é que ficaram as queixas que foram parar à universidade de Manchester?
Tive de responder.

Que argumentos usou?
Foi pacífico, perguntaram-me: "Estamos a receber estas queixas, o que é que se passa"?

Mas e o que é que explicou?
Que era um congresso político mas não partidário, em que fui dar a minha interpretação sobre os bloqueios da economia portuguesa no presente e os condicionamentos históricos e políticos que levaram a isso. E que até houve um fack-check, na sequência de um eurodeputado, Pedro Marques, ter dito que eu estava a defender um regime fascista – enviei para o Polígrafo porque até é próximo dessa área política – e mesmo esse afirmou que era falso.

Eram bufos, quem o denunciou?
É mais complexo que isso. Pode-se ver no trabalho de Duncan Simpson, que tem estudado de forma sistemática os bufos da Pide, que a Pide era um número relativamente pequeno de pessoas, vivia de uma rede de informadores. O Duncan Simpson fala de uma avó que denunciou a neta, andava a ler livros proibidos. A história é mais complexa do que a historiografia oficial quer mostrar, que era uma ditadura de cima para baixo e que o povo estava completamente oprimido. O trabalho de Duncan Simpson tem mostrado que havia até bastante apoio ao regime por pare do povo. Claro que esses depois foram todos vira-casacas. E hoje em democracia também há muitos vira-casacas, aliás o Pacheco Pereira é um ótimo exemplo de um vira-casacas profissional. Há semelhanças entre os bufos de hoje e os do passado, mas também há muitas diferenças.

Referi o termo porque João Miguel Tavares, para o defender, falou em "bufaria".
Não é tudo a mesma coisa. Agora, há uma dimensão de acusar. O António Barreto, que também me defendeu, escreveu que estes democratas, especialmente os de esquerda, censuram e apontam o dedo a quem não aceitar a sua narrativa.

Já foi convidado para mais conferências depois da polémica?
Normalmente não vou a conferências que não sejam académicas. Já fui convidado para muitas depois desta, mas todas académicas. Eu sou mesmo um académico. Não sou um académico como o Augusto Santos Silva, que diz que é académico e vai voltar para a academia mas não publica papers nenhuns… há muito disto em Portugal, os políticos a fingir que são académicos, eu sou o contrário, sou mesmo um académico. Posso fazer intervenções públicas porque me preocupa o estado do País, mas numa perspetiva pedagógica, não de ator.

A 25 de abril deste ano, antes de toda esta polémica, publicou no seu Facebook uma foto junto de um mural de cravos e com um cravo ao peito. Onde é que estava?
Andou a estudar as minhas redes sociais. Mas é mais que evidente que eu apoio o 25 de Abril. Este ano até houve mais uma polémica no 25 de abril porque mais uma vez a esquerda quis excluir [a Iniciativa Liberal] quem considera não ser do seu clube. Eu apoio o 25 de Abril! Como apoio o 25 de Novembro. É evidente que detesto o Estado Novo. A foto foi no museu do Aljube. A diretora, Rita Rato, é do PCP – num museu com liberdade no título, só num País quase terceiro-mundista é que isto não é chocante. É ofensivo para as vítimas do comunismo.

A nomeação de Pedro Adão e Silva para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril também lhe parece ir no sentido dessa glorificação da esquerda pós-abril?
Claro. Não será pelo currículo académico. Só me recordo de ter visto um artigo só dele já de 2003 numa revista internacional de terceira categoria. Em Manchester nem para pós-doc entrava.

Maria Henrique Espada

Sabado

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