segunda-feira, 12 de julho de 2021

PORTUGAL E O APARTHEID SANITÁRIO

(Texto da Juíza Desembargadora Florbela Sebastião e Silva)

Tenho consciência de que a maior parte das pessoas não tem conhecimentos jurídicos abalizados e, se têm alguns, é sempre um conhecimento generalista fruto de uma aprendizagem a que todo o cidadão deve ter acesso e apenas o quanto baste para exercerem os seus direitos mais básicos.

O que a mim me custa como Juíza que sou há mais de 25 anos, estando inclusive a exercer funções num Tribunal Superior, é ver sair instrumentos jurídicos, sem suporte na Constituição da República Portuguesa, a criarem um autêntico apartheid na sociedade portuguesa.

Como é possível que Portugal, tendo sido o segundo país no Mundo a abolir a escravatura, e até dos primeiros países a assinar os tratados internacionais de defesa dos direitos humanos, passa agora a ser um país que discrimina os seus habitantes com base num passaporte sanitário e no pressuposto de que as pessoas estão todas doentes e têm forçosamente de ser submetidas a testes – no caso testes PCR’s cuja fiabilidade, já se sabe, é nula e até altamente enganadora – para simplesmente poderem almoçar num restaurante.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) não se mostra suspensa, nem as suas normas podem ser alteradas, delimitadas ou reduzidas por mera Resolução do Conselho de Ministros.

A Constituição da República Portuguesa só pode ser alterada pela Assembleia da República ao fim de 5 anos sob a última revisão ou, em caso de absoluta necessidade, extraordinariamente, mas desde que obtida uma maioria de 4/5 dos Deputados em exercício efectivo de funções – conforme artº 284º da CRP.

Nem existe consagrado na Lei, como já tive oportunidade de referir, a figura jurídica de “Estado de Calamidade” ou “Estado de Alerta”.

Assim, nos termos do disposto no artº 44º nº 1 da CRP:

“A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.”

Esta norma da livre circulação das pessoas – que também encontra assento na legislação da União Europeia – não pode ser suspensa, revogada nem suprimida por mera Resolução de Conselho de Ministros fora de qualquer Estado de Emergência ou Estado de Sítio, sendo que, mesmo nestes casos, o seu condicionamento tem de se mostrar justificado e será sempre por um período muito limitado no tempo.

Ora, numa altura em que o mundo inteiro está a voltar ao normal, em que vão deixando cair as máscaras – as de COVID e as outras – e acabar com as vergonhosas restrições que levaram milhões ao desemprego e à miséria, e a um estado de insanidade colectiva, Portugal carrega nas restrições, sem qualquer fundamento constitucional e contra, não só a Lei da Nação, mas mais importante contra toda a legislação e recomendações Europeias?

Ninguém pode ser discriminado por razões de saúde – fossem essas mesmo a razão que está na base desta pandemia – e muito menos ninguém pode ser discriminado por não fazer um teste ou receber uma vacina.

E é impensável que alguém veja o seu acesso a um restaurante, um hotel ou qualquer outro estabelecimento condicionado a um teste que, como já disse, não tem qualquer fiabilidade (e são os próprios cientistas que o dizem porque depende do número de ciclos utilizado e sabe-se já que o número por norma em Portugal é acima dos 35 ciclos, o que torna o teste absolutamente irreal e inútil), além de traduzir um acto médico que só por pessoal qualificado pode ser praticado e mediante consentimento expresso e esclarecido da pessoa.

Da última vez que li os meus calhamaços de Direito, Portugal era um Estado de Direito, com regras bem claras sobre a governação, a divisão dos poderes do Estado, a reserva de Lei e o respeito pela dignidade humana.

Agora, e infelizmente, vejo que o meu País se tornou numa antiga África do Sul com regime de Apartheid e numa República das Bananas onde a Lei Constitucional é deitada fora.

E tudo isto quando já se sabe que a DGS, intimada pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio admitir que afinal só se mostram registados 152 óbitos por COVID, sendo que apenas 4 foram sujeitos a autópsia.

A própria OMS num comunicado de 25 de Junho de 2021 já expôs, preto no branco, que não é recomendado fazer testes em pessoas assintomáticas muito menos à escala que se pretende implementar em Portugal.

Qualquer teste PCR é um acto médico que tem de ser autorizado e ninguém pode ser discriminado por se recusar a fazer o teste.

Nem ninguém pode ser condicionado no acesso a locais públicos com base na realização ou não do teste, precisamente porque ele tem de ser consentido.

Nem se compreende que estas restrições orwellianas só funcionem nos fins-de-semana pois se houvesse mesmo uma situação de saúde pública o vírus não andaria à solta apenas nos fins-de-semana, nem apenas nos restaurantes.

É absolutamente inaceitável para a população portuguesa ver-lhe impostas restrições que nada têm de científico, nenhum suporte clínico sério revelam – como aliás a DGS admitiu perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa quando disse que não tinha quaisquer documentos científicos para fundamentar as medidas sanitárias impostas – e que são altamente atentatórias da dignidade humana, da Ordem Jurídica Portuguesa e da Constituição da República Portuguesa que, da última vez que vi, ainda era a mais alta Lei da Nação e aquela que ainda nos defende de pessoas, máquinas partidárias e lobbies que se revelam gulosos na sua sede de impor a sua vontade aos outros.

Afinal foi para isto que se fez a “Revolução” do 25 Abril?

Portugal deixou de ser um Estado de Direito e um Estado onde os direitos humanos são respeitados.

Entramos na era do Apartheid.

Que Deus nos ajude.

D. AFONSO HENRIQUES

Pai, foste cavaleiro.

Hoje a vigília é nossa.

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,

Novos infiéis vençam,

A bênção como espada,

A espada como bênção!

In “Mensagem” de Fernando Pessoa

Sem comentários: