O verdadeiro onanista é um prodígio de concomitância sem sair do sítio. É capaz de presidir à maior câmara do País e, ao mesmo tempo, de avaliar essa presidência (na rádio, na TV, na imprensa escrita).
NÃO HÁ PRÁTICA para a qual um português esteja mais bem vocacionado do que o onanismo. Além de fazer amor simbólico com a pessoa de quem mais gosta – ela própria –, o onanista nacional tem a oportunidade de massajar duplamente o seu ego: como iluminado condutor do destino de um povo e como comentador iluminado dessa condução. Nesta síntese maravilhosa entre práxis e logos, o que pode correr mal para o onanista? Quando muito, poderá correr mal aos outros. Mas a auto-satisfação é, por desígnio bíblico, o sentido da existência de um discípulo de Onã, o trineto de Abraão – o onanismo ascende à raiz do Ocidente. Pela sua ligação directa a Deus, o onanista luso possui a faculdade, atribuída pela lei natural, de tanto saber fazer bem como de saber comentar bem o que ele mesmo faz (é uma espécie de gratificação individual com relato futebolístico do próprio gratificante). A independência vem, como vimos, do direito divino e de uma excepcionalidade que não pode, nem deve, ser questionada pela turba passiva, que se limita a procriar sem génio e em silêncio. O verdadeiro onanista é um prodígio de concomitância sem sair do sítio. É capaz de presidir à maior câmara do país e, ao mesmo tempo, de avaliar essa presidência (na rádio, na TV, na imprensa escrita; um onanista, ao contrário do que sugere o ensimesmamento anatómico, é um comunicador nato no que se refere a ele próprio). É competente para liderar o grupo parlamentar do partido no governo e, de forma síncrona, de avaliar como analista a bondade das medidas desse governo. Por motivos que escapam ao espécime humano comum, é absurdamente imparcial no desempenho, em simultâneo, dos cargos de comissário político das celebrações de Estado e de comentador político das ilusões do Estado. Pela terceira vez em meio século, a Agência Espacial Europeia (ESA) acaba de abrir vagas para astronautas, incluindo centenas de candidatos portugueses. Mas nem estes serão capazes de estar no céu e na terra ao mesmo tempo. Isso está reservado ao onanista.
Santos e…
Escrevo antes do Portugal-França e da tômbola de resultados nos restantes grupos de apuramento para os oitavos-de-final no Euro 2020, quando a conjugação de golos e pontos na disputa pelo terceiro lugar desses grupos poderá até permitir que a equipa nacional passe à fase seguinte com uma derrota por 2-0 ou 3-1 face aos gauleses – iremos de derrota em derrota até à vitória final. Para os que já pedem a cabeça do seleccionador Fernando Santos pelo maior eclipse cerebral da história dos Europeus (quatro vezes a mesma asneira mortífera frente à Alemanha), recordo apenas que a longa noite das vitórias morais do "Brasil da Europa" durou meio século (1966-2016) e só terminou com o engenheiro.
…pecadores
O momento de maior paródia da semana passada foi a conferência de imprensa de um jovem magro como uma fagulha, com barba negra e pronúncia da Areosa, chamado Tiago Barbosa Ribeiro, a anunciar ao mundo que seria o candidato do PS à Câmara Municipal do Porto: "Nos últimos dias, recebi inúmeros apelos, dentro e fora do PS, a pedir que revisse a minha posição de não me candidatar." Por lapso de memória – deve ter sido o excesso de queijo nas francesinhas –, Barbosa Ribeiro esqueceu-se de mencionar que foi a quarta escolha do partido, com António Costa a fazer de tudo para evitar o seu voluntarismo. Presume-se que os "inúmeros apelos, dentro e fora do PS", devem ter vindo do atendedor de mensagens de Pedro Nuno Santos, da vizinha do 4.º esquerdo que já em miúdo o achava bom moço e do dono da pastelaria em frente à sede da concelhia a que, pelos vistos, preside desde 2020.
Pedro Marta Santos
Sabado
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