Todos os suspeitos da Operação Cartão Vermelho.
A investigação vai muito além dos negócios de Luís Filipe Vieira. O Ministério Público e a Autoridade Tributária escutaram e vigiaram nos últimos anos Pinto da Costa, Fernando Gomes e o empresário Pedro Pinho. Há negócios milionários em causa.
As vigilâncias aos telefones de dezenas de alvos estavam activas há vários meses quando o procurador Rosário Teixeira e o juiz de instrução Carlos Alexandre decidiram que era tempo de autorizar no terreno a primeira vigilância encoberta com recolha de imagens.
A operação foi montada rapidamente por um dos homens de maior confiança do magistrado do Ministério Público (MP), o inspector tributário Paulo Silva, que trabalha com o procurador desde 2005 em alguns dos processos mais complexos da justiça portuguesa. Os alvos? Os empresários Armando Pereira, um dos donos da multinacional Altice, e Hernâni Vaz Antunes, o seu braço-direito para certos negócios em Portugal como a milionária negociação dos direitos televisivos dos jogos de futebol com o FC Porto e outros clubes.
Com uma pequena equipa de elementos das Finanças já habituada a operações deste tipo desde que seguira no terreno José Sócrates, vários familiares e amigos, Paulo Silva tinha ainda assim uma missão difícil. De acordo com o que ouvira nas conversas telefónicas dos alvos, Armando Pereira iria fazer uma viagem-relâmpago a Portugal de avião privado. Estava previsto que ficasse apenas pouco mais de 10 horas e os inspectores tinham de ser ágeis o suficiente para montarem discretamente a acção no terreno e anotarem todos os passos do empresário que vive entre França e Suíça.
Tudo foi feito em Dezembro de 2018, dias antes do Natal. Local: a área metropolitana do Porto. A operação começou logo no local da aterragem do avião, com o seguimento de um Porsche com matrícula estrangeira que foi apanhar Armando Pereira e o transportou para um apartamento de luxo. Durante horas os homens do fisco fizeram várias fotos, anotaram itinerários, matrículas e tentaram identificar melhor outros intervenientes como o empresário Hernâni Antunes e duas mulheres que pareciam ter pouco mais de 30 anos e que acompanharam os dois homens numa deslocação a um restaurante da zona. Nos meses seguintes, os investigadores continuaram a vigiar intensamente os dois homens, os seus eventuais negócios e até os contactos com terceiros.
Hoje, estas acções de vigilância e recolha de informação integram o conteúdo de largas dezenas de volumes da megainvestigação iniciada há três anos, no verão de 2018, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e que já levou à recente detenção de Luís Filipe Vieira, do filho Tiago, do empresário José António Santos e do agente de jogadores Bruno Macedo. Tal como sucedeu na semana passada, novas detenções e constituições de arguidos deverão ocorrer nos próximos meses num caso que não tem qualquer relação com as situações denunciadas pelo pirata Rui Pinto (Football Leaks), cuja investigação está a cargo de outra equipa especial de procuradores do mesmo departamento.
A SÁBADO apurou que a megainvestigação sigilosa tem decorrido de forma paralela e interligada em dois processos titulados pelo procurador Rosário Teixeira, que delegou os trabalhos na equipa do fisco liderada por Paulo Silva, entretanto promovido a chefe de Divisão da Autoridade Tributária (AT). Autorizadas inicialmente pelo antigo diretor do DCIAP, Amadeu Guerra, e depois por Albano Pinto, o atual responsável, os novos inquéritos resultaram de vários processos administrativos e de alertas sobre transferências financeiras suspeitas da prática de crimes de frau- de fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. Depois surgiram suspeitas de outros crimes económico financeiros.
Um destes processos – o NUIPC 406/18 – foi batizado recentemente pelos investigadores como a operação Cartão Vermelho, induzindo que os alvos estão apenas relacionados com o Benfica, o que não é verdade pois a megainvestigação sempre esteve centrada no mundo do futebol. Aberto como o caso "BM Consulting", o processo começou por estar centrado na empresa que Bruno Macedo constituiu em 2009 em Braga (distrito onde está formalmente colocado o inspetor Paulo Silva) e que, entre 2016/19, fez negócios avaliados em cerca de 18 milhões de euros (com lucros líquidos de mais de 3,2 milhões de euros). Negócios realizados sobretudo com o Benfica e com o FC Porto, como veremos adiante.
O outro inquérito da megainvestigação do MP que o juiz Carlos Alexandre identificou no fim dos recentes interrogatórios é o NUIPC 405/18, o caso Pesarp, aberto também em junho de 2018 e no início centrado nos negócios de outro agente de futebol, Pedro Pinho, que este ano saltou para a ribalta mediática depois de agredir um operador de câmara da TVI à frente de Pinto da Costa.
Filho do antigo presidente do Rio Ave, José Maria Pinho, e casado com Sara Peneda, filha de Silva Peneda, ex-ministro dos governos de Cavaco Silva e eurodeputado do PSD, Pedro Pinho tem há largos anos negócios cruzados com o filho de Pinto da Costa, Alexandre, e é considerado um dos homens de confiança do presidente portista. Ao ponto de o histórico dirigente lhe ter até pedido ajuda, durante a fase mais complicada das finanças da SAD, para que sondasse o Banco Carregosa para a possibilidade de conceder um empréstimo aos portistas – o banco não terá aceitado.
A ilustre lista de suspeitos
Os alvos iniciais dos dois inquéritos começaram por ser agentes ou intermediários nos opacos negócios milionários do mundo do futebol. Mas rapidamente a investigação chegou a dezenas de alvos, que incluem os presidentes do Benfica e do FC Porto, os filhos dos dois dirigentes, Tiago Vieira e Alexandre Pinto da Costa, bem como os administradores da SAD dos dragões Fernando Gomes e Adelino Caldeira, diversos empresários como José António Santos, Hernâni Vaz Antunes e os gestores Armando Pereira e Alexandre Fonseca, respetivamente, um dos donos e o CEO da Altice Portugal.
No caso da Altice, a investigação segue dois tipos de suspeitas que se foram afastando ao longo dos últimos meses: a operação de negociação dos direitos das transmissões televisivas concretizada no fim de 2015, escassos meses após a compra da PT à Oi, e a venda de património da empresa (imobiliário e outro) a um grupo de empresários sediados em Braga e com ligações à Zona Franca da Madeira e a paraísos fiscais (ver SÁBADO, edição 883, de 31/3/21).
Um dos elos comuns destas suspeitas é o já citado Hernâni Antunes. Conhecido no meio empresarial como "o comissionista", Hernâni está ligado a muitos negócios, sobretudo na área do imobiliário, onde tem vários sócios e homens de confiança como o empresário José Silva Pinto, outro alvo da investigação. Mas foram as relações de Hernâni com Armando Pereira, um dos quatro donos do grupo franco-israelita Altice, liderado por Patrick Drahi, que o levou para novos voos logo em 2012, quando a Altice comprou a Cabovisão por 45 milhões de euros, e Hernâni foi mandatado para negociar com vários fornecedores.
O empresário também esteve com Armando Pereira em várias reuniões durante as negociações para a compra da PT e terá também trabalhado nos bastidores quando a Meo/Altice avançou de surpresa para a negociação dos contratos dos direitos de transmissão de jogos de futebol com vários clubes. Terá sido Hernâni Antunes, juntamente com Bruno Macedo (também natural de Braga), que apareceram mandatados para negociar com clubes e SAD. Aliás, nos últimos anos, Hernâni tem-se rodeado de vários sócios, amigos e até familiares (a filha Jéssica, ex-jogadora do Sp. Braga tem uma agência de intermediação, a Topballer, Sports Management) com negócios centrados no agenciamento de atletas e intermediação de direitos desportivos e patrocínios.
Sob investigação criminal estão precisamente alguns destes negócios milionários, a começar pela forma como foram concretizados pela Altice, entre 2015/16, os contratos de direitos de transmissão televisiva e de patrocínios e publicidade, quem foram realmente os seus intervenientes e que comissões acabaram por ser pagas. O MP suspeita da existência de crimes de fraude fiscal, falsificação e lavagem de dinheiro.
A SÁBADO sabe que o contrato com o FC Porto é central para os investigadores, que estão a anali- sar outros negócios da operadora, porque a Altice assinou acordos também, por exemplo, com o Boavista, Guimarães, Rio Ave, Farense e Aves.
Oficialmente, no caso da FC Porto SAD, a PT Portugal (contrato depois cedido à Altice Picture) pagou-lhe 457.500.000 euros para, entre outras vantagens, poder transmitir os jogos do clube em casa durante 10 épocas da Primeira Liga, a partir de 2018/19. Na altura, a intermediação nas negociações do FC Porto com a Altice levou os presidentes do Benfica e do Sporting, que assinaram contratos com outra operadora, a criticarem o que se teria passado nos bastidores. "Vendemos os direitos televisivos à NOS, não a qualquer intermediário", sublinhou Luís Filipe Vieira. Já Bruno de Carvalho garantiu que o Sporting não pagara "nenhuma comissão pelo contrato".
Depois disso, a SAD portista já antecipou por várias vezes o pagamento destas receitas televisivas (à semelhança do que fizeram o Benfica e o Sporting com os contratos da NOS) para garantir sobretudo a emissão de obrigações. Há anos que estes negócios estão sob escrutínio da Autoridade da Concorrência, sem resultados públicos.
Mais negócios milionários
À semelhança da estratégia que já adotaram na investigação paralela de outros processos, como o caso Monte Branco (aberto há 10 anos e ainda não encerrado) e a Operação Marquês, Rosário Teixeira e Paulo Silva têm em curso vários transvazes entre os dois processos de documentos fiscais, bancários e financeiros, de dezenas de relatórios da Autoridade Tributária (AT) e de muitas horas de conversas gravadas a partir de escutas telefónicas mantidas a vários alvos de forma quase ininterrupta há quase três anos. Por exemplo, as autoridades fizeram questão de acompanhar em direto várias
negociações de jogadores durante os mercados de verão e de inverno nos últimos anos.
No fim das recentes medidas de coação aplicadas na semana passada a Luís Filipe Vieira, o juiz Carlos Alexandre confirmou parcialmente este facto quando informou por escrito os advogados dos arguidos do inquérito 406/18 de que o MP promovera o "alargamento do objeto da investigação" e que o juiz tinha autorizado a transferência de "meios de prova (…) de outro processo", nomeadamente gravações de conversas telefónicas. E identificou de onde vinham: do processo 405/18, o caso do agente Pedro Pinho.
As autoridades suspeitam que Pinho é uma espécie de pivô, diretamente ou por entrepostas pessoas, em vários negócios avultados do FC Porto. A Pesarp, SA é apenas uma das empresas que o agente de jogadores detém dedicadas a negócios desportivos como contratos de transferências, de gestão de carreiras e de direitos desportivos. Fundada em 2003, esta sociedade anónima com um capital de 50 mil euros, controla a Pesarp II, a PP Sports e a mais recente N1, Gestão de Carreiras Desportivas (além de ser sócia em empresas de imobiliário e de outros ramos, como a Desafios Geniais I e II, a Oh! Parque, a Prosperavenida e a XPZ, Madeiras).
As listas oficiais de intermediários e transações da Federação Portuguesa de Futebol (1/4/18 a 31/3/21) revelam agenciamentos feitos pela PP Sports e pela N1 em seis negócios portistas: a compra de Chidozie, dos colombianos Yoni Mosquera e Germán Meneses (jogam na equipa B), o regresso de Sérgio Oliveira, a venda de Tiquinho Soares aos chineses do Tianjin Teda FC e o empréstimo do central venezuelano Yordon Osorio ao Zenit – o jogador andou de empréstimo em empréstimo até o FC Porto o vender finalmente em 2020 ao Parma. Segundo o site especializado Transfermarket, o negócio foi feito por 4,1 milhões de euros.
Há ainda outras contas oficiais. Nos últimos anos, entre 2015-19, só a Pesarp e a PP Sports (Alexandre Pinto da Costa é/era diretor-geral desta empresa que se chamou Energy Soccer até junho de 2017) fizeram negócios avaliados em cerca de 16 milhões de euros e tiveram resultados líquidos de mais de 8 milhões. Em 2016, a então Energy Soccer chegou a desmentir que teria lucrado quase 2 milhões de euros em negócios com o FC Porto, salientando que, entre 2012-15, a faturação da empresa à SAD fora de apenas 596 mil euros pela intermediação de transferências de jogadores como Carlos Eduardo, Quaresma, Rolando, Álvaro Pereira, Atsu e Casemiro, neste último caso em parceria com a Doyen/Vela gerida por Nélio Lucas.
Anos depois, e segundo o relatório e contas da SAD do FC Porto de 2019, os dragões lançaram na contabilidade quase 1,3 milhões de euros que tinham de pagar à PP Sports (Energy Soccer) por causa da transferência de Ricardo Pereira para o Leicester, uma venda feita por 20 milhões de euros que deu ao clube português uma mais-valia de pouco mais de 12,6 milhões de euros. O resto do dinheiro, e foi muito, seguiu para aquilo que o documento da SAD chama "encargos adicionais", que inclui gastos relacionados com as aquisições de direitos económicos, nomeadamente despesas com serviços de intermediação, serviços legais, prémios de assinatura de contratos, entre outros custos.
No ano passado, Alexandre Pinto da Costa fez mais um comunicado a reagir a acusações públicas de que estaria a fazer de novo negócios com a SAD do FC Porto, mas através de outra empresa: "É totalmente falso que a SerialSport tenha tido qualquer relação comercial com o FC Porto SAD. Isso é facilmente comprovável pelos relatórios e contas devidamente auditadas da referida sociedade desportiva."
Efetivamente, nada consta nos relatórios oficiais da SAD sobre a Serialsport, que é uma sociedade anónima constituída em 2006. Entre 2015-19, a empresa fez negócios avaliados num total de cerca de 2,4 milhões de euros e lucrou perto de 1,3 milhões de euros. Mas a megainvestigação em curso do DCIAP considera Alexandre Pinto da Costa como um dos principais suspeitos, tendo-o colocado sob intensa vigilância há cerca de 30 meses. Os sigilos fiscais e bancários do empresário também já foram quebrados.
O MP e a AT suspeitam que haverá muito dinheiro dos negócios com jogadores que estará a ser movimentado sem ser declarado ao fisco e a coberto de empresas, offshores e intermediários que escondem o destino final dessas verbas em países como Brasil e Dubai. A SÁBADO sabe que a investigação julga já ter identificado contratos alegadamente fictícios de várias compras e vendas de direitos desportivos. A equipa da AT chefiada por Paulo Silva tem já prontos vários relatórios de análise de alguns destes negócios.
Em várias ocasiões, os investigadores anotaram até indícios de negócios de compra de jogadores bem recentes, que terão sido feitos à revelia do treinador do FC Porto, Sérgio Conceição, que foi contratado em junho de 2017. Os investigadores anotaram que Conceição terá manifestado descontentamento interno sobre os negócios e nos bastidores terão chegado a existir pressões de empresários como Alexandre Pinto da Costa para o FC Porto se livrar do treinador incómodo.
No processo constam também indícios de que alguns dos negócios suspeitos de Alexandre e de outros empresários poderão estar a ser feitos com o conhecimento ou mesmo a cobertura de parte da estrutura dirigente da SAD portista, nomeadamente do seu presidente, Pinto da Costa, e dos administradores Fernando Gomes (ex-presidente socialista da Câmara do Porto que gere as finanças da SAD) e Adelino Caldeira. Um dos casos que está a ser analisado ao pormenor será um contrato de intermediação avaliado em 6 milhões de euros, alegadamente não registado no contrato principal, mas apenas num outro paralelo ao negócio. A SÁBADO apurou que o MP e a AT montaram uma apertada vigilância aos três altos responsáveis portistas porque estenderam a investigação à eventual falsificação das contas da SAD do FC Porto. Contactados através de email dirigido ao assessor Francisco J. Marques e ao FC Porto, a SÁBADO não obteve resposta às perguntas dirigidas a Pinto da Costa, Fernando Gomes e Adelino Caldeira até à data de fecho desta edição, a 13 de julho.
A compra de Éder Militão
Um dos negócios de jogadores sob maior escrutínio do MP e da equipa do fisco é a compra e venda de Éder Militão, filho do antigo jogador do Benfica, Valdo. Ainda segundo os documentos oficiais da SAD do FC Porto, o jogador assinou um contrato de cinco épocas em julho de 2018. O clube ficou com 90% dos direitos económicos do jogador, adquirido em fim de contrato ao São Paulo por pouco mais de 8,5 milhões de euros (7 milhões pelo passe e cerca de 1,5 milhões de encargos adicionais). Um ano depois, o FC Porto vendeu Militão ao Real Madrid, onde ainda joga.
A transferência, conforme foi anunciado pela SAD do FC Porto à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), foi de 50 milhões de euros, "que gerou uma mais-valia de 28.437.285 euros, após dedução do valor global de 21.562.715 euros relativo a: efeito de atualização financeira das contas a receber a médio prazo originadas por estas transações; proporção do valor de venda do passe detida por terceiros (10%); custos com serviços de intermediação prestados pela BM Consulting, Lda. e Bertolucci Assessoria e Propaganda Esportiva; e valor líquido contabilístico do passe à data da alienação", conforme refere o comunicado.
Nas contas de 2019 da SAD do FC Porto, a BM Consulting e a Yes Sports (ex-Moov Sports), ambas de Bruno Macedo, chegaram a ser credoras de um total de cerca de 5,5 milhões de euros – respetivamente, 3,5 milhões pela intermediação na transferência de Militão para o Real Madrid e pouco mais de 1 milhão na transferência (20 milhões de euros) de Felipe para o Atlético de Madrid. As já citadas listas da Federação Portuguesa de Futebol mostram que Bruno Macedo fez nos últimos anos outros negócios com dois laterais esquerdos. Um centrou-se no moçambicano Reinildo Mandara (emprestado e depois vendido por 3 milhões de euros pela Belenenses SAD ao Lille), o outro foi a transação do brasileiro Jorge Moraes, que o Mónaco emprestou ao FC Porto a 30 de agosto de 2018 (regressou em março do ano seguinte a França e tem andado emprestado a outros clubes).
Tudo isto está a ser analisado, juntamente com mais negócios de outras empresas alegadamente controladas pelo agente de forma discreta. De acordo com parte do despacho de indiciação de Bruno Macedo, "nos anos de 2015 e 2016, a SL Benfica SAD realizou pagamentos diretos à Master International FZE no montante global de 2.636.362,62 euros, sendo que tais ganhos foram mobilizados, na sequência do acordado entre Luís Filipe Vieira e Bruno Macedo, para, pelo menos em parte, virem a beneficiar as sociedades do grupo de Luís Filipe Vieira", refere o MP. De forma a "ocultar a origem dos fundos nas contas da Master", indica ainda o despacho, os suspeitos acordaram utilizar outra estrutura societária, constituída na Tunísia, "forjando a existência de faturação emitida por esta à Master, de forma a justificar a circulação de fundos".
A investigação do MP garante que a Master, uma sociedade utilizada por Bruno Macedo para receber ganhos da intermediação de futebolistas serviu para "parquear uma mais-valia" gerada com a transferência em 2012 dos paraguaios Derlis González e Cláudio Correa. O MP estima que o valor de 1.280.000 euros deveria ter sido refletido como um ganho nas contas da Benfica SAD, "e no seu beneficiário final como rendimento em IRS, o que não aconteceu".
O MP refere ainda a sociedade Trade In, alegadamente utilizada para titular os direitos económicos do futebolista brasileiro César Martins, antes de vender parte desses direitos em 2014 à SAD do Benfica "por um valor bastante superior, gerando em Portugal um aumento de custos que resultaram na diminuição da tributação" da SAD em mais de 1,3 milhões de euros.
No interrogatório perante o MP e o juiz Alexandre, Bruno Macedo desmentiu, com dados e números, parte das informações recolhidas pela investigação, inclusive a suspeita de que teria usado o escritório de advogados do pai em Braga para receber comissões ilegais de jogadores – Macedo é advogado e só em outubro de 2014 conseguiu a licença de agente desportivo. Já sobre ser uma espécie de testa de ferro de Vieira, Macedo foi também perentório na negação, garantindo que se limitara simplesmente a fazer negócios (até imobiliários) e garantiu que até se sentiu enganado pelo presidente do Benfica num caso muito recente.
Aquando das negociações da transferência de Darwin para o Benfica – concretizada em setembro de 2020 por 24 milhões de euros –, Macedo revelou que recebeu apenas 500 mil euros pela intermediação quando julgava que iria receber entre 2 e 3 milhões de euros. Perante a estupefação dos magistrados contou ainda que, quando foi informado disso num encontro com Vieira e outros intervenientes (garantiu que lhe disseram também que o negócio incluía pagamentos ao ex-assessor jurídico da SAD do Benfica, Paulo Gonçalves), levantou-se e saiu zangado do Hotel Tivoli, em Lisboa.
Além dos negócios de Bruno Macedo, a investigação cruzada nos dois processos criminais estende-se ao poderoso empresário brasileiro Giuliano Bertolucci, que se tornou conhecido em Portugal por representar jogadores brasileiros famosos que passaram pelo Benfica como Luisão, David Luiz, Júlio César e Ramires. Bertolucci está sob intensa investigação do MP há cerca de um ano. O brasileiro é dono de, entre outras empresas, da Bertolucci, Assessoria e Propaganda Esportiva, que em 2019 tinha 5 milhões de euros a receber do FC Porto. As listas de intermediários e transações da FPF revelam que Bertolucci participou, juntamente com Bruno Macedo, na transferência de Militão para o Real Madrid. E que fez o negócio de Felipe Anderson do West Ham para o FC Porto – agenciou ainda as transferências dos brasileiros Everton, Lucas Veríssimo, Pedrinho e do central Morato para o Benfica.
Bertolucci está a ser investigado por suspeitas de crimes de fraude fiscal, falsificação e lavagem de dinheiro, apurou a SÁBADO. A investigação do brasileiro estende-se a negócios imobiliários que terá feito ou iniciado com Luís Filipe Vieira. Segundo os dados divulgados pela FPF, só em dois anos, em 2018/19, as despesas pagas a intermediários nos negócios do futebol português atingiram os 82 milhões de euros.
A Federação divulga a lista das comissões pagas desde a época de 2015/16 e as contas oficiais são fáceis de fazer: 29 clubes portugueses gastaram cerca de 187 milhões de euros até 2019. Só o Benfica (o campeão dos gastos com quase 80 milhões de euros), FC Porto (o segundo do ranking com cerca de 43 milhões), Sporting, Braga e Guimarães pagaram cerca de 178 milhões de euros.
É atrás de parte deste dinheiro, dos circuitos utilizados e dos seus reais destinatários, que a megainvestigação está a ir, a partir dos negócios dos empresários Bruno Macedo, Pedro Pinho, Alexandre Pinto da Costa e outros intermediários ou "agilizadores de contactos" portugueses e estrangeiros.
A (outra) pista Altice
Outro rumo da investigação que surgiu de forma inesperada – tal como sucedeu com a teia de ligações das dívidas de Vieira ao Novo Banco agora conhecida – foram os negócios imobiliários da Altice Portugal. Nos últimos anos, a operadora tem vendido vários imóveis à Almost Future e à Smartdev, empresas controladas pela Vintagepanóplia, Vaguinfus, Hernâni Vaz Antunes, familiares e sócios. Os negócios dos imóveis que pertenciam a um fundo da antiga PT – a investigação da SÁBADO detetou vendas avaliadas em cerca de 15 milhões de euros, que incluem o chamado edifício Sapo localizado no centro de Lisboa – foram apanhados de forma fortuita nas escutas telefónicas da megainvestigação aos negócios do futebol.
A Altice Portugal já garantiu à SÁBADO que todas as transações de imóveis foram feitas a "preços de mercado e tendo sempre por base avaliações levadas a cabo por entidades avaliadoras independentes e credenciadas." Mas a SÁBADO sabe que estes negócios e os seus principais intervenientes estão há longos meses sob forte escrutínio das autoridades do MP e da AT. Até porque os investigadores detetaram um outro ca- so que consideraram suspeito, quando a 1 de março de 2019, num cartório no- tarial de Oeiras, o gestor André Coutada, sócio gerente da Vintagepanóplia, selou um negócio com o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, e a mulher Anabela.
Nesse dia, a Vintagepanóplia vendeu ao casal Fonseca, por cerca de 1 milhão de euros, uma moradia de luxo localizada em Barcarena, uma das freguesias de Oeiras. Segundo a escritura pública de compra e venda a que a SÁBADO acedeu, no ato da assinatura do contrato foi feito um pagamento pelo casal de 200 mil euros através de um cheque do banco Santander. Quanto à dívida remanescente (859 mil euros), esta teria de ser paga "em 36 prestações mensais e sucessivas, das quais, 35 no montante de €23.611,11 e a última de €23.611,15, mediante cheque à ordem" da Vintagepanóplia. A primeira das prestações ocorreria até 30 de abril de 2019 e o total da dívida seria pago até março de 2022.
A moradia de Oeiras tem 1.512 metros quadrados de área total (220,12 metros quadrados de área coberta) e é composta por cave, rés do chão, 1º andar e logradouro, conforme indica o registo predial público do imóvel que consta na 1ª Conservatória de Braga. Alexandre Fonseca tem 46 anos e é desde o fim de 2017 (bem depois da assinatura do contrato de transmissão dos jogos do FC Porto pela Altice, conforme nos confirmou o próprio) o presidente executivo da Altice Portugal. "Confirmo assim que a minha esposa e eu adquirimos em 2019 um imóvel em Oeiras, destinado a primeira habitação, na sequência da alienação da nossa anterior residência.
A aquisição do imóvel, tal como consta na escritura pública e das condições descritas na mesma, foi efetivamente feita à empresa Vintagepanóplia, a preço de mercado", disse por escrito em março passado Alexandre Fonseca, depois de a SÁBADO lhe perguntar se queria esclarecer os negócios imobiliários, o pessoal e os da Altice Portugal. Isso e as eventuais ligações a empresas detidas ou controladas por Hernâni Antunes, sócios e familiares. "Já no que concerne às questões que coloca, relativas à entidade vendedora, a terceiros ou relações entre estes, nunca foi minha prática pessoal tecer comentários sobre assuntos que me são alheios e que desconheço", concluiu o CEO da Altice Portugal. Agora, instado a comentar a investigação que lhe mandou quebrar o sigilo bancário e fiscal, Alexandre Fonseca declarou-se estupefacto: "(...) quero, de forma clara e objetiva, manifestar total estranheza", garantindo que não teve "nenhuma espécie de contato por parte de qualquer órgão de investigação criminal ou penal ou qualquer outro da área judicial."
Observador 15/07/2021
Sem comentários:
Enviar um comentário