quinta-feira, 24 de outubro de 2019

As Ordens profissionais

A importância das ordens profissionais tem vindo a ser posta em causa na sociedade portuguesa devido a uma singular convergência de factores de onde sobressaem a ignorância de uns, o oportunismo de outros e a leviandade de muitos. Em época de liberalismo triunfante (ou de triunfalismo liberal) a existência de ordens profissionais não é bem vista pelos novos arautos do laissez-faire, laissez passer. Esses novos fisiocratas querem que sejam as leis do mercado a regular a actividade de profissionais em domínios tão importantes como as engenharias, a medicina, as farmácias, a advocacia, a arquitectura, entre outras, bem sabendo que tal acarretaria perigos enormes para a sociedade, já que as ditas leis do mercado não são mais do que as leis dos mais fortes, ou seja, a lei da selva. Façamos então uma espécie de croqui para esses epígonos.
Em qualquer sociedade há bens que são absolutamente essenciais à vida colectiva e, por isso, são bens de grande interesse público. Consoante a densidade ou relevância pública desse interesse, o Estado chama a si ou delega em terceiros a produção ou garantia de acesso a tais bens. Alguns deles são garantidos (ou deviam sê-lo) exclusivamente pelo Estado, tais como a defesa nacional, a segurança de pessoas e bens, a justiça, a construção de estradas, saneamento básico, etc.; noutros o Estado partilha com privados a prestação desses bens, como é o caso, nomeadamente, da educação e ensino, da saúde e dos transportes colectivos.

As actividades com interesse público podem, nuns casos, ser exercidas por funcionários públicos e noutros por pessoas a quem o estado exige determinadas aptidões académicas e/ou profissionais. As universidades fornecem um conjunto de saberes necessários mas não suficientes para o exercício de certas funções ou actividades. As pessoas não saem das universidades preparadas para exercer uma profissão. É necessário também uma formação adicional que garanta uma qualidade profissional compatível com o interesse público subjacente à respectiva actividade. E mais, é necessário que o acesso e o exercício efectivo da profissão sejam fiscalizados (regulados), justamente, para que os profissionais não fiquem em roda livre, ou seja, abandonados às leis do mercado. O mercado não tem ética e degrada o interesse público.
Umas vezes o Estado efectua essa regulação directamente, sobretudo, quando o profissional é funcionário público, mas noutras delega em associações públicas (ordens) a respectiva regulação profissional. Há casos até em que o Estado regula directamente o acesso a certas actividades exclusivamente privadas. O Estado não deixa ser taxista quem quer porque a massificação dessa profissão causaria graves danos ao interesse público subjacente a esse meio de transporte privado.
As ordens são, pois, organismos de regulação profissional criados pelo estado (através de leis da Assembleia da República) que exercem poderes públicos delegados pelo próprio Estado. Compete-lhes, nomeadamente, dizer quem está em condições de aceder a certas profissões, bem como punir ou afastar os maus profissionais, pois entende-se - e bem - que ninguém melhor do que os bons profissionais está interessado na dignidade da profissão e na defesa do seu interesse público.
A importância das ordens reside, precisamente, aí. Se não existissem ordens profissionais o mercado acabaria por fazer a sua regulação segundo as suas próprias leis e acabaria por premiar os bons profissionais e castigar os maus. Mas fá-lo-ia sempre tarde e a más horas. Com efeito, o mercado acabaria por afastar os maus engenheiros civis, mas só depois de algumas pontes ruírem ou de alguns prédios desabarem. Também afastaria os maus médicos, mas só depois de eles matarem algumas pessoas. Acabaria igualmente por afastar os maus farmacêuticos, mas depois de eles envenenarem outras. Os maus advogados também seriam afastados, mas antes causariam danos vultuosos à justiça, ao património e aos direitos de muitos cidadãos.
As ordens profissionais são, assim, um instrumento de defesa dos cidadãos e da sociedade em geral. Ponto é que elas cumpram os respectivos estatutos e não se deixem imbuir pelo espírito do sindicalismo.

Marinho e Pinto 05 de Setembro de 2011

https://www.jn.pt/opiniao/antonio-marinho-pinto/as-ordens-profissionais-1975628.html

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