segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Bebés que nascem de cesariana têm riscos acrescidos de ter asma, diabetes e obesidade.

Profissionais menos experientes e equipas mais depauperadas “geralmente têm tendência a ter uma taxa de cesarianas maior”, afirma Diogo Ayres de Campos, secretário-geral da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia e Ex-presidente da Comissão para a Redução da Taxa de Cesarianas. A comissão conseguiu que a taxa de partos cirúrgicos baixasse para níveis considerados aceitáveis nos hospitais públicos, na sequência de medidas que passaram, entre outras coisas, por equiparar o valor do pagamento dos partos normais e das cesarianas no Serviço Nacional de Saúde.

Porque é que as cesarianas são desaconselhadas quando não há indicações clínicas para isso?

A cesariana aumenta o risco de infecção cerca de cinco vezes. O risco hemorrágico [da mulher] aumenta cerca de duas vezes e uma complicação que é rara, o tromboembolismo pulmonar, aumenta quatro vezes. As lesões dos órgãos adjacentes também são raras mas o risco aumenta cerca de 30 vezes. Mesmo as mortes maternas são cerca de cinco vezes superiores nas cesarianas do que nos partos normais. Em relação ao feto, a cesariana aumenta em cerca de cinco ou seis vezes o risco de problemas respiratórios. E aquilo que hoje se sabe é que os bebés que nascem de cesariana têm riscos acrescidos de ter asma (mais 20%), diabetes, obesidade. A taxa de cesarianas está a aumentar ligeiramente desde 2017.

Justifica-se reactivar a comissão a que presidiu?

Esta comissão é uma comissão de profissionais pro bono e não tem poder nenhum. Fizemos um relatório e a tutela aceitou algumas medidas. Uma coisa que funcionou muito bem foi a alteração das normas de financimento pela ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] e começou-se a pagar o mesmo pelas cesarianas [e os partos normais] nos hospitais públicos.  A percentagem de partos normais nos privados é da ordem dos 16% e nos públicos é superior a 50%.

Porque é que isto acontece? 

São perguntas a colocar aos hospitais privados. As normas da Direcção-Geral da Saúde [DGS] aplicam-se a todo o país e são vinculativas. A Ordem dos Médicos [OM] também é soberana em relação a todos os médicos. Há algo que também não compreendo muito bem: em 2013 recomendou-se que fosse alterado o valor de pagamento das cesarianas e partos vaginais de modo que fossem iguais. Na altura, o Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da OM propôs esta alteração. Mas isso nunca chegou a entrar em vigor.

Até que ponto é que a taxa global de cesarianas de Portugal é afectada pela taxa elevadíssima do sector privado?

Portugal está [globalmente] à volta dos 33%, devido à influência enorme [da taxa] dos privados. Se não fosse isso, estava à volta dos 27%, 28%, o que já é aceitável. Não é o ideal mas, pelo menos, não nos coloca, no ranking europeu, em má posição. Nos países escandinavos, a taxa de cesarianas anda à volta dos 16%, 17%, em Inglaterra e França ronda os 24%. A Itália também reduziu, anda à volta dos 35%, enquanto os países do Leste subiram enormemente, tal como a Turquia. Mas todas as sociedades cientificas internacionais dizem que este é um problema de saúde pública. Há obstetras que relatam que, com frequência, os hospitais públicos recebem mulheres que vêm de hospitais privados quando esgotam os plafonds dos seguros.

Isto é mesmo assim?

Que vêm mulheres dos hospitais privados no final da gravidez, vêm. Não sei dizer se é uma percentagem alta ou baixa, mas vêm bastantes mulheres do privado que não têm dinheiro, aí, para pagar as despesas. Abaixo das 32 semanas, os privados não deveriam fazer partos? Com menos de 32 semanas é preciso assegurar que há cuidados intensivos neonatais. Alguns já têm, a questão é que estes não são todos iguais. Há cuidados intensivos para bebés muito prematuros. No Serviço Nacional de Saúde temos os hospitais organizados entre os que podem dar apoio a bebés muito pequeninos [e os que não podem]. 

O facto de algumas equipas estarem mais depauperadas pode justificar este aumento?

Se houver menos pessoas disponíveis para dar resposta a várias situações ao mesmo tempo, quando o trabalho de parto demora em média oito a dez horas e uma cesariana demora em média 30 minutos, o resultado pode ser que tenham tendência a resolver de forma mais simples. Há muitas pessoas que resistem a essa tendência, por uma questão de princípio. Mas profissionais menos experientes e equipas mais depauperadas geralmente têm tendência a ter uma taxa de cesarianas maior.

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