quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O PS de olhos postos na luz do PSD, define os dez mandamentos para o pós-geringonça

Nas primeiras jornadas parlamentares da legislatura, o PS define as linhas para se coser nos próximos tempos, a começar no processo orçamental. E teve três peças de António Costa nas primeiras horas.

A era pós-geringonça avizinha-se complicada para o PS que não tem do seu lado os parceiros parlamentares dos últimos quatro anos, pelo menos com a mesma disposição negocial. E este primeiro Orçamento do Estado da legislatura do novo quadro político começa com a guerra da luz e “arranjinhos” à vista que deixaram o PS a repetir, na abertura das jornadas, as instruções para a prática do socialismo nesta nova era, sobretudo nesta fase orçamental que se segue.

1. Ama as “contas certas” acima de todas as coisas e o défice como a ti mesmo

Mário Centeno falou antes do almoço, servido na Quinta do Moinho de São Filipe, em Setúbal, e começou por notar como era maior a sala socialista comparada com aquela que as jornadas parlamentares da anterior legislatura permitiam ter. Uma referência aos mais 22 deputados que o PS conseguiu nas últimas legislativas e que embora saiba que não chegam para aprovarem sozinhos o seu Orçamento, Centeno acredita serem suficientes para “conseguir chegar ao fim com contas certas”.

O propósito é esse e foi a ele que o ministro das Finanças chegou depois de nos 15 minutos iniciais da sua intervenção ter sublinhado que na sua era os salários passaram a crescer, a economia está “a crescer há 23 trimestres consecutivos”, há mais postos de trabalho, a “economia está mais robusta e sustentável”, os impostos baixaram, as contribuições sociais cresceram. E isto tudo apesar da conjuntura externa que Centeno jura a pés juntos que não é tão boa como a pintam: “Tudo isto traz-nos às contas certas e o desafio é termos um Orçamento com contas certas e este é o momento determinante”. Porque vem aí o debate na especialidade e com ele mais de um milhar de propostas de alteração.

A líder parlamentar Ana Catarina Mendes viria logo a seguir garantir que o PS não deixará passar propostas ímpias: “Não nos silenciaremos com o desvirtuar de um Orçamento responsável”. E o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares Duarte Cordeiro disse que o PS tem de “ser seletivo no que deve aceitar sob pena de descaracterizar o orçamento ou pôr em causa o programa do Governo”. E há contas feitas sobre os custos das propostas do PSD, mas já lá iremos noutro mandamento.

2. Não invocarás o nome da geringonça em vão

O que lá vai, lá vai e essa era acabou. PCP e Bloco de Esquerda estão noutro patamar agora, embora o PS saiba que tem de manter essa relação estreita, sinalizando algumas cedências no Orçamento do Estado (exemplos? o aumento extraordinário das pensões pode conquistar o PCP e as restrições aos vistos gold animarão o Bloco). Ninguém se referiu aos dois antigos parceiros pelo nome, mas Mário Centeno avisou que a negociação orçamental “não se faz de um arranjinho sobre o artigo 215” (o do IVA reduzido) e Ana Catarina Mendes a avisar para os riscos de “coligações negativas” do processo que aí vem. “A responsabilidade tem de imperar”, avisou. Os tempos são definitivamente outros.

3. e 4. Santificarás alianças com a esquerda e Honrarás o espaço do centro com acordos pontuais (mas é à esquerda que te juntarás)

Por estas jornadas parlamentares passou também Duarte Cordeiro — que além de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares também é um dos esquerdistas do PS, um pedronunista — por isso, a referência à esquerda lá esteve. Esse será o caminho preferido pelo PS, em caso de necessidade (e são todos): “O PS não se limita apenas aos partidos com quem aprovou os últimos quatro orçamentos. Não há razão para que nesta legislatura tenhamos atitude diferente [e deu os exemplos das negociações na descentralização e no Plano Nacional de Investimentos]”. Mas logo a seguir lembrou: “O espaço político de entendimento natural é com a esquerda parlamentar e com os ambientalistas. A nossa vontade é continuar esse caminho e não será pelo PS e pelo Governo que será interrompido”.

5. Tentarás aniquilar o PSD neste Orçamento

É o inimigo número um e isso ficou claro nas primeira três intervenções destas jornadas parlamentares. Mário Centeno foi a Setúbal dizer que o PSD “está numa lógica óbvia de ganho político imediato sacrificando interesses do país e dos portugueses”. Duarte Cordeiro registou que as propostas do PSD “não têm o equilíbrio que aparentam e a sua aprovação representa uma irresponsabilidade”. Ana Catarina Mendes juntou-se logo de seguida para atacar a “lista de medidas avulso, sem visão estratégica para Portugal” do PSD. O partido liderado por Rui Rio sai destas primeiras jornadas do PS como o alvo a abater — já que não é o único a ter propostas que o PS rejeita, mas é o único que o PS ataca desta forma.

6. e 9. Guardarás castidade na proposta de Orçamento do Governo e até nos pensamentos

“Devemos ser seletivos no que devemos aceitar sob pena de descaracterizar o orçamento ou pôr em causa o programa do Governo”. Duarte Cordeiro veio dizer isto aos deputados, que o caminho a seguir na resposta às propostas de alteração (cerca de 1300) que estão em cima da mesa é aguentar. Não ceder a tudo, até porque há populismo no que aí vem. “Não nos silenciaremos perante as desigualdades que as propostas do PSD implicariam neste Orçamento do Estado”, veio dizer também Ana Catarina Mendes. E antes dela, Mário Centeno pegou no lápis e fez as contas (ao PSD, claro está): “As propostas do PSD se fossem todas aprovadas agravariam o défice em 2,2 mil milhões de euros, mil milhões de mais despesa e diminuiriam a receita em mil milhões”.

7. Não permitirás que te roubem méritos económicos

Aqui o grande defensor do princípio é Mário Centeno. O ministro das Finanças, quando faz o levantamento dos feitos dos últimos quatro anos, não admite que isso seja entregue à boa conjuntura económica. “Não é verdade que estejamos perante essa conjuntura económica que é a melhor de sempre. O que é verdade e diferente é que a riqueza cresce porque o Estado faz a sua parte absolutamente essencial nessa tarefa. Porque criamos mais postos de trabalho do que em qualquer país da Europa”.

8. Levantarás todos os testemunhos sobre o IVA da luz

Não houve quem subisse ao palco sem falar da proposta do PSD no IVA da luz — ainda que PCP e Bloco também tenham propostas semelhantes, são os sociais-democratas que interessam, definitivamente, ao PS (v. 5º mandamento). Para Ana Catarina Mendes,  não é “só uma tremenda irresponsabilidade, mas uma medida demagógica e populista que o PSD sabe que implicaria custos orçamentais insuportáveis”. Para Mário Centeno, a proposta é ilegal e a testemunhá-lo, Centeno trouxe a legislação comunitárias e três princípios que as Finanças garantem estarem a ser violados com esta proposta: “Falta base legal, viola o princípio da neutralidade do IVA e origina distorções na concorrência”. Duarte Cordeiro apareceu, depois, com o testemunho das contas: não é possível contabilizar apenas o consumo doméstico porque essa distinção é ilegal, logo, a proposta do PSD para baixar o IVA da eletricidade (mas com consumo doméstico e não doméstico incluídos) significaria um impacto de 334 milhões de euros. No total do ano esse impacto subiria para 668 milhões. Ninguém fez contas às propostas do PCP e do BE e muito menos à do Governo, que está a ser avaliada pelo comité do IVA, e que pretende modelar a taxa ao escalão de consumo. São outras contas.

10.  Não admitirás que a legislatura possa durar menos de quatro anos

Aqui foi a líder parlamentar que interveio para garantir guerra às “coligações negativas” orçamentais — até porque agora podem ser mais devastadoras e o Governo já gastou o trunfo da ameaça de demissão — e também para dizer que o PS “tem contribuído de forma decisiva e determinada para a estabilidade política e social que o país exigiu há quatro anos. Continuaremos a lutar pela estabilidade e estamos aqui para uma legislatura, determinados e convictos, de que os compromissos que assumimos com os portugueses serão cumpridos na íntegra nestes quatro anos”.

Rita Tavares – Observador

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