sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Quando o mar bate na rocha quem se lixa é o Iraque

Ricardo Araújo Pereira

Ricardo Araújo Pereira

Aquela ideia da borboleta que bate as asas em Chicago e provoca um tornado em Tóquio, nunca consegui confirmar – embora defenda que, à cautela, se devia descobrir e matar essa pérfida borboleta. Mas que o Iraque começa a estoirar quando há impeachment na América, isso é um facto cientificamente comprovado.

É um fenómeno conhecido: sempre que há um impeachment nos Estados Unidos, rebenta qualquer coisa no Iraque. Aconteceu com Clinton e acontece agora com Trump. Imagino que, em Bagdade, eles tenham a televisão sempre ligada na CNN e, quando há notícia de impeachment, corram a fechar-se em casa. “Ahmed, vamos embora que o Presidente americano foi apanhado numa coisa qualquer. Vai estalar aí um míssil não tarda.” Aquela ideia da borboleta que bate as asas em Chicago e provoca um tornado em Tóquio, nunca consegui confirmar – embora defenda que, à cautela, se devia descobrir e matar essa pérfida borboleta. Mas que o Iraque começa a estoirar quando há impeachment na América, isso é um facto cientificamente comprovado.

O receio de que o incidente possa dar início à terceira guerra mundial parece-me exagerado. O mundo está demasiado embrenhado noutra guerra: a guerra para perceber quem é o responsável pela eventual guerra. Nesse campeonato há, basicamente, três equipas: as pessoas que acham que tudo o que os EUA fazem está errado, as que acham que tudo o que os EUA fazem está certo e as que acham que o que os EUA fazem está certo ou errado consoante o Presidente seja republicano ou democrata. Este último grupo (que, na verdade, são dois grupos) é o mais interessante. São extraordinários hermeneutas, capazes de descobrir diferenças em situações mesmo muito parecidas. Se eu tivesse de apostar, diria que trabalham todos em seguradoras. O serviço que nós compramos, quando subscrevemos um seguro, é a hipótese de, na altura de necessidade, nos confrontarmos com os mais subtis arguentes. Bateu de frente na estrada? Só pagamos quando bate por trás. Bateu por trás? Mas foi contra um carro vermelho. Quando é vermelho, não pagamos. É mais ou menos isto. Aconteceu-me esta semana, e o argumentário recordou-me o debate em torno da eliminação de uma alta figura do Irão, em território iraquiano, pelos EUA. É muito parecida.

– Então vocês não condenam este ataque?

– O iraniano estava vestido de vermelho. Quando é assim não condenamos. E vocês? Condenam agora mas não condenaram em 98?

– O Clinton bombardeou em Dezembro. Quando é em Dezembro não condenamos. O Trump matou o outro em Janeiro. Em Janeiro já não faz sentido.

Enquanto este produtivo debate prosseguir, imagino que o mundo esteja a salvo.

(Opinião publicada na VISÃO 1401 de 9 de Janeiro)

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