quinta-feira, 23 de maio de 2019

BCE arrasa propostas de Centeno para a reforma da supervisão financeira.

Críticas em toda a linha. Num documento invulgarmente longo, a que o Observador teve acesso, o BCE obriga Mário Centeno a alterar várias propostas que constam do pacote legislativo.

O Banco Central Europeu (BCE) já entregou o seu parecer acerca da proposta de supervisão bancária, cujo rosto é Mário Centeno, e surgem várias críticas ao sentido das mudanças que Centeno — que é, também, presidente do Eurogrupo — quer fazer na supervisão financeira e no papel do Banco de Portugal. Segundo o que se lê no documento a que o Observador teve acesso, a proposta do Ministério das Finanças contêm disposições que podem “criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades do governador”. Além disso, o BCE critica a intenção de ter a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) a escrutinar a atividade do Banco de Portugal — isto porque se trata de “um serviço administrativo que funciona junto do Ministério das Finanças e que atua sob controlo hierárquico direto do Ministro das Finanças ou do Secretário de Estado competente”.

“A este respeito, o BCE tem afirmado repetidamente que os serviços de auditoria ou organismos semelhantes de um Estado-Membro aos quais forem cometidas essas atribuições, como a IGF ou o Tribunal de Contas, têm de respeitar um certo número de salvaguardas destinadas a preservar a independência do Banco Central Nacional: a) o âmbito do controlo tem de ser claramente definido no quadro jurídico aplicável; b) tal controlo tem ser aplicado sem prejuízo das atividades dos auditores externos independentes do BCN de exame dos livros e das contas do BCN; c) a auditoria deve respeitar a proibição de procurar influenciar os membros dos órgãos de decisão do BCN no desempenho das suas atribuições relacionadas com o Sistema Europeu de Bancos Centrais e deve ser efetuada numa base não política, independente e puramente profissional”, sublinha o BCE.

“Dado o âmbito alargado dos poderes da IGF e o facto de a IGF consistir num serviço administrativo que funciona junto do Ministério das Finanças, sob controlo hierárquico direto do Ministro das Finanças, as inspeções e auditorias realizadas por um serviço desta natureza não seriam compatíveis com as salvaguardas supramencionadas destinadas a preservar a independência do BdP”, defende o BCE.”

O BCE vinca, também, a opinião de que “os conceitos subjacentes às circunstâncias em que um governador pode ser exonerado são conceitos autónomos do direito da União, cuja aplicação e interpretação não dependem de um contexto nacional, independentemente de tais conceitos estarem também incorporados na Lei Orgânica do BdP”. Um governador só pode ser exonerado se “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das [suas funções] ou se tiver cometido falta grave”, sublinha o parecer do BCE.

O Observador contactou fonte oficial do Ministério das Finanças, esta notícia será atualizada assim que houver uma reação oficial a este parecer, que é invulgarmente longo para os pareceres que o BCE costuma publicar.

As críticas do BCE começam, desde logo, com as questões relacionadas com a duração mínima do mandato do governador e os fundamentos para a sua exoneração. “Embora a Proposta de Lei preveja em geral uma duração do mandato de sete anos, superior à duração mínima de cinco anos exigida pelo artigo 14.º-2 dos Estatutos do SEBC, a disposição relativa à designação do governador de entre um dos membros do conselho de administração do BdP durante o seu mandato não é compatível com os Estatutos do SEBC, na medida em que dispõe que o antigo membro do conselho de administração do BdP é designado para as funções de governador apenas pelo período remanescente da duração inicial do seu mandato”.

Ou seja, dado que o período remanescente da duração inicial do mandato do antigo membro do conselho de administração do BdP (designado como governador) pode ser inferior a cinco anos, a duração mínima do mandato prescrita pelos Estatutos do SEBC não seria respeitada”. Assim, “para ser consentânea com os Estatutos do SEBC, a Proposta de Lei tem de ser alterada para garantir que a duração do mandato do governador não pode ser inferior a cinco anos, incluindo nos casos em que o governador seja designado de entre os membros do conselho de administração do BdP”.

Sobre a exoneração do governador, o BCE sublinha que a legislação geral tem regras cuja “aplicação e interpretação não dependem de um contexto nacional”. Na proposta de Mário Centeno, prevê-se, por exemplo, que um Governo recém-eleito possa ter o poder de interromper o mandato do governador existente e colocar no cargo alguém da sua nomeação. Esta é uma proposta que o BCE declara, claramente, “incompatível” com as regras que existem para a exoneração do governador do banco central, que apenas preveem uma substituição caso este deixe “de preencher os requisitos necessários ao exercício das [suas funções] ou se tiver cometido falta grave”.

“Relativamente ao processo de exoneração do governador, o BCE nota que, na sequência das alterações introduzidas pela Proposta de Lei, não só o Governo mas também a Assembleia da República podem propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato do governador. Embora seja compatível com os Estatutos do SEBC, esta disposição pode criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades do governador”.

O BCE também tem algumas reservas sobre a forma como se definem os critérios para a nomeação não só do governador mas, também, dos outros administradores do Banco de Portugal. Falar em “sentido de interesse público” e “aptidão” é algo que, neste parecer, o BCE considera “um pouco vago e, por conseguinte, podem ser de difícil interpretação e aplicação prática”. A autoridade não quer inovações: “sugere que os critérios se reduzam aos restantes termos propostos, os quais estão já estabelecidos de longa data, como «idoneidade» e «experiência profissional», ou são mais comuns na área monetária e bancária”.

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