sexta-feira, 17 de maio de 2019

Um cheirinho a antigamente.

10.05.2019

Ricardo Araújo Pereira

Confesso grande surpresa pela condenação de João Araújo, um homem cujas capacidades olfactivas são notoriamente pobres: é importante lembrar que a história de José Sócrates e do amigo que lhe emprestava dinheiro nunca lhe cheirou a esturro. Condená-lo por isto é como castigar um cego por não ver bem.

O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa condenou um cidadão por delito de opinião olfactiva. O delinquente é João Araújo, o advogado de José Sócrates, e a vítima é uma jornalista do Correio da Manhã. Há quatro anos, o advogado disse à jornalista que ela devia tomar mais banho, porque cheirava mal, e o tribunal considerou agora que aquele conselho era criminoso e punível com uma multa que, tudo somado, chega a 12 mil e 600 euros. Há uma fase do crescimento das crianças em que elas adquirem uma súbita relutância em entrar no duche e nós temos de lhes fazer repetidamente a mesma sugestão que Araújo fez à jornalista, pelo que me congratulo com o facto de os tribunais não terem tido conhecimento da conduta criminosa em que incorri há uns anos, caso contrário não teria dinheiro suficiente para indemnizar as minhas filhas.

Muito ignorante em matérias de Direito, não sei como é que se decide um caso destes. Para poder ajuizar correctamente, talvez o tribunal devesse começar por cheirar a jornalista. Feita essa diligência, o juiz teria duas hipóteses: ou considerar que o arguido era mal-educado, embora dissesse a verdade, ou decretar que era simplesmente mentiroso. Em todo o caso, os cheiros costumam ser entendidos como matéria subjectiva, e por isso há que ser sensível ao facto de certos odores serem agradáveis para umas pessoas e nauseantes para outras. Neste caso, confesso grande surpresa pela condenação de João Araújo, um homem cujas capacidades olfactivas são notoriamente pobres: é importante lembrar que a história de José Sócrates e do amigo que lhe emprestava dinheiro nunca lhe cheirou a esturro. Condená-lo por isto é como castigar um cego por não ver bem.

O caso levanta ainda outras questões: até que ponto podemos expender sobre os outros opiniões baseadas no que os nossos sentidos captam? Por exemplo, em vez do olfacto, João Araújo poderia ter usado o tacto: “a senhora é áspera, devia usar mais hidratante”. Haveria lugar a indemnização?

A sentença é uma vitória (mais uma) para aqueles novos activistas que acham que as pessoas são obrigadas a respeitarem-se umas às outras. Eu, que não tenho respeito nenhum por tanta gente, fico bastante preocupado. Antigamente, a boa educação era facultativa. Agora, ser malcriado é um delito punido em tribunal. Resumindo: estou tramado.

(Crónica publicada na VISÃO 1365 de 2 de maio)

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