quinta-feira, 30 de maio de 2019

Os vampiros do Fisco

Já lá vão 55 anos desde que Zeca Afonso escreveu e cantou "Os Vampiros", já lá vão 45 desde que nos libertámos desses. Mas em Portugal parece sobrar uma certa cultura de impunidade no Estado que nos deve levar a cantar o que Zeca cantou então.
Ontem foi "o dia em que uma operação na auto-estrada expôs o Fisco ao ridículo". Foi o dia em que o Fisco foi para a auto-estrada parar quem lhe apeteceu, para cobrar o imposto de circulação a quem não tinha pago. Não foi uma operação isolada: segundo o Diário de Notícias, foi a 5ª vez que o fizeram desde 7 de Maio, segundo o Correio da Manhã foram mandadas parar 4500 viaturas, para apanhar 93 portugueses em falta - mesmo que só "por um dia ou dois" de atraso. Houve quem não quisesse (ou não pudesse) pagar de imediato e tivesse ficado com o carro apreendido.
Mas à 5ª vez o caso apareceu nas televisões, fez correr tinta nos jornais. O Ministério das Finanças mandou cancelar a operação. E o Fisco mandou dizer que nem sabia como os inspectores foram para a estrada cobrar dívidas - tendo 1001 meios alternativos para o fazer. O Governo reagiu à noite, com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a assumir que "a operação foi desproporcionada" e mandou fazer um inquérito para “para determinar todo o enquadramento da situação”. Descansem os senhores do Fisco: "Isso não implica pedir a cabeça [dos responsáveis] - tem de se dar a oportunidade para se melhorar”, garantiu o governante.
Sim, não haverá consequências, porque para o Governo a operação teve um objectivo "benigno" e "“não é este episódio que vai retirar excelência à AT”. Os juristas garantem que foi pura e simplesmente "ilegal", Para outros, foi até "medieval". Há 55 anos, o Zeca disse as coisas de outra forma. Tantos anos depois do 25 de Abril, às vezes parece que o Estado ainda pode tudo - e não deixa nada.
"São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei"

David Dinis

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários são livres e só responsabilizam quem os faz. Não censuro ninguém, por princípio. Só não aceito linguagem imprópria.