terça-feira, 3 de novembro de 2020

As Causas. Marcelo, Costa e Trump com a sombra de Churchill


JOSÉ MIGUEL JÚDICE


Esta semana o tema do programa (que tem de ser mais curto) é Trump. Mas os eventos portugueses – sobretudo as declarações do PM e do PR e as novas medidas contra a Covid 19 – são demasiado importantes e graves que serem passado em branco. Os temas do orçamento, das sondagens e da “geringonça” de Direita nos Açores, serão analisados para a semana. E excepcionalmente não farei as quatro rubricas finais.

QUE SE PASSA COM O PRESIDENTE DA REPÚBLICA?

Se o comentador Marcelo Rebelo Sousa estivesse no activo, o Presidente da República teria ficado em muito mau estado por causa do que era suposto ser uma entrevista à RTP 1.

Eu não tenho a qualidade (e se calhar também não a maldade…) de Marcelo e não seria capaz nem quero ser tão duro como se justificaria.

Basta dizer – e o tema será de novo abordado nas suas causas e consequências para semana – que nunca o vi tão inseguro, tão confuso, tão nervoso, tão incapaz de exprimir o que pensa, ou o que (embora não o pensando) quereria dizer.

Em resumo estava perdido entre o desejo como comentador de desfazer o governo e o receio como candidato de deitar muito a perder.

Tudo tem causas e tudo tem consequências. Para o explicar necessitaria de tempo de que hoje não disponho. Hoje basta deixar o registo. E para a semana há mais.

PANDEMIA: A CULPA VAI DE NOVO MORRER SOLTEIRA?

A intervenção televisiva de António Costa no passado sábado não foi tão má como a do PR ontem; mas foi exemplar para demonstrar o alto grau de incompetência do Estado Português a enfrentar a pandemia.

Vejam-se quatro exemplos, entre muitos:

1º exemplo: o PM declarou que o Governo aprovou um regime excepcional de contratação de profissionais de saúde para as unidades de cuidados intensivos do Serviço Nacional de Saúde e também de enfermeiros aposentados para exercício de funções nas unidades de saúde pública”.

Fala-se da 2ª vaga pelo menos desde Maio. Não teria sido possível ter isto tudo aprovado há meses para ser implementado? É pelo menos o que pensam praticamente todos os que se pronunciaram, do Bastonário do Médicos à dos Enfermeiros, do Presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública a Silva Peneda (Ex-Presidente do CES), de jornalistas como o Director do Expresso ou do EcoOnline ao PCP e aos partidos da Direita.

2º exemplo: embora a situação seja considerada pior do que em abril, não se faz confinamento generalizado, não se fecham as escolas e mantêm-se (com regras) atividades não essenciais.

Não teria sido possível – como defendi – abrir as escolas a seguir à Páscoa, não encerrar a vida em municípios que agora ficam fora dos 127, apesar de nessa altura haver muito menos riscos?

3º exemplo: ao longo dos meses o poder político e técnico foi atribuindo (sem nunca demonstrar ou fundamentar) a “culpa” das infeções a quem ia trabalhar (local de trabalho e transportes), a quem se ia divertir (praias, passeios, noite), a quem se ia juntar (Avante, Fátima, etc); agora concluem que 67% das infeções ocorrem no meio familiar.

Não seria possível ter concluído isso mais cedo? Não teria sido possível fazer campanhas de informação a alertar para isso? E onde cabem as infeções nos lares nessa nova teoria? E porque carga de água as medidas agora anunciadas vão evitar as infeções em casa?

4º exemplo: Soube-se agora que desde início de abril o ministério da saúde nunca mais falou com os hospitais privados. Agora ameaça com a requisição civil (tema que Marcelo evitou abordar na entrevista de ontem, apesar de pressionado por António José Teixeira, fugindo disso como o diabo da cruz).

Não teria sido possível negociar calmamente regras com eles para a hipótese (já na altura se dizia que iria acontecer no Outono) de ser preciso enviar doentes? E não teria sido possível usar essas regras durante meses para acorrer à luta contra doenças de que morreu e vai morrer gente que não foi tratada? Ou o que sempre se desejou foi fazer a requisição civil?

Em função de tudo isto, só há duas hipóteses para tanta incompetência: (i) excessivo caos e falta de planeamento, (ii) vontade de destruição do consenso nacional obtido com sacrifício da saúde dos portugueses no altar de uma ideologia radical.

Mas a questão relevante é se a culpa é da Ministra da Saúde ou do Primeiro-Ministro?

Realmente, das duas uma: ou

  1. o PM estava alertado, foi-lhe pedido luz verde para preparar a 2ª vaga e não ligou aos avisos, ou
  2. a Ministra desvalorizou, não informou, não planeou, não preparou o Outono/Inverno.

E também espanta que o prolixo Presidente da República, que fala de tudo e para todos, só tivesse acordado para isto quando decidiu (e bem) dedicar uma semana a falar com players da área da saúde, mas nada antecipou ou exigiu ao PS (tendo sido compensado, como se vê pela sondagem de que falarei para a semana).

E na entrevista de ontem – como o comentador Marcelo gostava de dizer – sobre isso “guardou de Conrado o prudente silêncio”.

GRAÇA FREITAS NO SEU ESPLENDOR

Também a conferência de imprensa de Graça Freitas, ontem, atingiu um patamar nunca alcançado.

Por falta de tempo apenas umas citações:

Aos feirantes – com a insensibilidade de quem tem vencimento mensal garantido – disse “Neste período de exceção temos de ter alguma paciência, porque temos mesmo de achatar a curva”. O Governo, horas depois desautorizou-a e desautorizou-se, alterando sem explicações o que decidira na véspera. Os feirantes afinal não precisam de ter paciência.

A quem como eu pergunta há meses, respondeu “há uma codificação semi-automática das causas de morte”, que “ainda não nos vão dar certas, mas vão dar pistas e indicações”. “Porque certezas, certezas só teremos para o próximo ano quando conseguirmos codificar com rigor.” Ou seja; estão a tratar das causas de morte de 2019 e as atuais que esperem; mas não revelam o que resulta da codificação que existe e eu aqui expliquei na semana passada o que era!

A todos os cidadãos portugueses: “Estamos a correr uma maratona sem fim, não sabemos quando vai acabar. Provavelmente teremos outras ondas, outras curvas e outros picos”. Ou seja, anuncia-nos tranquilamente que o esforço em novembro não serve de nada e que as pessoas vão continuar a ser estimuladas uns meses a ficar em casa, a seguir a sair para todo o lado, depois a fechar-se e assim sucessivamente, numa “maratona sem fim”. E as empresas igual.

E, entretanto, não se entende que nem ela nem ninguém diga que nunca a percentagem de mortos acima de 70 anos foi tão elevada (88,4% do total) e o mesmo acima dos 60 anos (97,5% do total), o que reforça a tese de que se deveria ter assumido uma estratégia totalmente diferente.

Assim, e para o que interessa, Graça Freitas falou e não disse.

Tudo isto é muito mau, mas o que não é admissível é que aumentem os mortos por outras doenças, que se volte a confinamentos por causa da impreparação e falta de planeamento, se volte a destruir a economia que estava em recuperação e ninguém seja culpado e afastado.

E, pior ainda, tudo isto foi feito pelo Governo sem uma palavra de compreensão, sem uma medida especial de apoio, sem um gesto de solidariedade às pessoas e às empresas que são vítimas sem nenhuma culpa dos efeitos de tudo isto.

E, claro, não vai haver culpados assumidos ou apontados.

TRUMP NUNCA MAIS?

Vamos então falar das eleições de hoje nos EUA.

É uma sensação estranha estar a falar das eleições presidenciais nos EUA sem saber nada do resultado, ainda que neste mesmo momento tudo esteja provavelmente decidido.

É muito difícil interpretar sondagens num país de mais de 330 milhões, com 50 Estados muito diferentes e em que as surpresas são mais frequentes do que se pensa. Basta lembrar a vitória de Truman em 1948 (dado por derrotado na imprensa do dia seguinte) ou a de Trump em 2016.

No entanto, parece ser consensual entre os especialistas na complexa arte de interpretar sondagens, que se Trump não ganhar na Pensilvânia não tem a menor hipótese de ter a maioria do colégio eleitoral, sempre em todo o caso perdendo fortemente em número de votos no plano nacional.

E tudo parece indicar que não vai ganhar na Pensilvânia.

Por isso vou partir do desejado resultado. Como Trump já tem 74 anos, não vai voltar a governar. A não ser se afinal houver reencarnação budista e nem quero imaginar em que tipo de animal surgirá, não só para não ofender o PAN como também para não desprestigiar no futuro nenhum tipo de animal…

Com tantos problemas que aqui vivemos, talvez os eleitores norte-americanos sejam os únicos que nos podem dar uma alegria esta semana…

TRUMPISMO, NUNCA MAIS?

Mas subsiste uma grave questão:

O fim de Trump é o final do controlo do partido Republicano pela direita radical, xenófoba e racista? Pode ser que sim ou que não.

Tudo começou com o “Tea party” radical que teve sucesso, o que provocou a subida do radicalismo de Sanders na esquerda, o que minou o Partido Democrata moderado, o que ajudou o oportunista Trump a perceber que havia uma praia que era a direita radical. E ele assim ganhou em 2016.

Cada vez há mais radicais e extremistas nos EUA. E o grande objetivo deve ser acabar o poder de ameaça que possuem e exercem.

Trump é um mutante, no sentido que Asimov imortalizou, alguém que surgiu de forma que ninguém antecipava. Nesse sentido é comparável a Hitler ou a Napoleão. As condições objetivas existiam, mas era muito improvável que ocorressem.

Por isso, se Trump perder, a Câmara dos Representantes continuar a ser controlada e o Senado passar a ser controlado pelo Partido Democrata, o mais provável é que a reação do eleitorado moderado não seja suficiente para cortar e encerrar o episódio trumpiano, pois os derrotados perderão todo o poder e radicalizarão ainda mais.

Mas se o Senado continuar controlado pelo partido Republicano a necessidade de amplos consensos e o próprio estilo de Biden permitirão que o partido de Reagan gradualmente se recomponha.

Dizer mais do que isso é deitar-me a adivinhar.

E gostaria de terminar partilhando o meu desejo através do notável grafismo do que agora sei que não é uma capa da Time. Mas por uma vez uso conscientemente uma fake news:

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