quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Um olho na história, outro no business.

Com alta probabilidade, passaremos as próximas semanas a olhar para o sistema eleitoral americano achando que é confuso, desigual e disperso. Quem o fizer estará certo, mas a esquecer as razões dessa descentralização, que estão todas na história da primeira grande república moderna.

O corte dos Estados americanos com a coroa do rei Jorge III de Inglaterra teve variadas razões. Mas foi movido por colonos que, na essência, detestavam o Estado central e a igreja central. Gente que acreditava na força da comunidade e da liberdade individual. Tinham razões de sobra para isso. Boa parte dos colonos do que hoje são os EUA eram perseguidos religiosos e políticos. Ao romperem os laços com o Império Britânico, passaram uns bons tempos a discutir que poderes os Estados concederiam a um Governo central.

Ao contrário da Europa Ocidental — que mistura nações seculares, como Portugal, com Estados ‘recentes’, como a Alemanha ou Itália —, onde os Estados centrais foram cedendo a contragosto poder aos seus cidadãos, municípios ou regiões, nos EUA o poder foi sendo cedido pelos Estados aos legisladores de Washington.

Esta enorme diferença ainda explica muito o estado da arte na política americana. É verdade que nos anos 70 a eleição do Presidente esteve a poucos passos de ser por um círculo único nacional. E é ainda mais certo que uma mudança de sistema prejudicaria seriamente as aspirações republicanas (Hillary teve mais três milhões de votos que Trump). Mas as raízes estão na autonomia estadual, um princípio irrevogável no ordenamento americano, mesmo para coisas absurdas.

Séculos depois, vota-se como em 1800. Em Novembro, porque as colheitas estão feitas, à terça, para dar tempo de ir à missa, chegar de carroça ao local de voto e regressar a tempo dos mercados de quarta, e com colégios eleitorais próprios do século XIX. Não mudou quase nada e duvido que mude.

A par desse amor pela autonomia e identidade, só o valor do negócio e da economia. É aí que está, e sempre esteve, o segredo de Donald Trump. Um businessman que diz respeitar as raízes do país enquanto garante o movimento perpétuo de criação de riqueza. As hipóteses de Trump residem aí.

RICARDO COSTA

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