domingo, 15 de novembro de 2020

Vacinas para pessoas importantes.

Tenho a mesma opinião!

Imaginemos que esta situação se passava no tempo do governo de Passos Coelho! Onde estariam todos os jornaleiros e o PCP, BE, e restantes catraios.!

Expresso

CLARA FERREIRA ALVES

Calculei que 2 milhões era uma quantidade ínfima. Eu calculei, o Governo não calculou. E continuou a recomendar a vacinação geral.

No dia 5 de Setembro de 2020, o Governo anunciava aos quatro ventos que tinha decidido e executado a maior compra de sempre de vacinas da gripe — 2 milhões de vacinas — e que as primeiras iriam chegar mais cedo às unidades de saúde para garantir a vacinação dos grupos de risco. Numa divisão em idades puramente arbitrária, os com mais de 65 anos ficaram abrangidos pelo Plano Nacional de Vacinação. Considerados grupo de risco. Quem tiver, digamos, 64 anos e 11 meses estará salvo, porque os vírus da gripe e da covid encaram estas coisas da idade com uma atenção extraordinária e poupam o ‘utente’ com mais de 60 anos. Há prioridades, vamos aos que têm mais de 65 primeiro, cogita o vírus.

Portugal tem 10 milhões de habitantes, 2 milhões com mais de 65 anos, logo, mais de 2 milhões com mais de 60 anos. Pensei que 2 milhões não parecia uma quantidade útil ou apreciável. E teríamos sempre de excluir o azarado com 59 anos e 11 meses, independentemente do seu estado de saúde.

Ao mesmo tempo, o Governo avisava que toda a gente deveria vacinar-se contra a gripe este Inverno, porque a confluência do corona com a gripe sazonal poderia complicar e tornar-se perigosa ou fatal. O povo, obediente, ouviu. No dia 5 de Setembro, o país tinha 15 mil infecções activas e 400 novos casos de infecção. Ficámos descansados.

No dia 28 de Setembro, o XXII Governo anunciava no site da República Portuguesa o início da campanha de vacinação contra a gripe, intitulada “Vacine-se por si, vacine-se por todos”, e ao mesmo tempo a ministra da Saúde, Marta Temido, visitava a Estrutura Residencial para Idosos (ERI) da Casa do Artista, em Lisboa, onde estavam a ser ministradas vacinas a 69 residentes e 42 profissionais. Em declarações à comunicação social, única razão pela qual a ministra se interessou subitamente pelos idosos da Casa do Artista, Marta Temido afirmou que “este é um momento muito especial, porque estamos num ano absolutamente extraordinário e que tem exigido o melhor de nós todos”. Justificou a escolha da Casa do Artista para a sua propaganda e para esta indigência (que os cidadãos ouvem até à náusea) porque a Casa do Artista não tinha tido até aí casos de covid entre utentes e profissionais, um “resultado que nos encoraja a todos”. Destacou ainda o “envelhecimento activo” que se pratica nesta instituição, onde habitam “várias pessoas que já ultrapassaram os 100 anos e que, até este momento, tinham vidas bastante activas artística e socialmente”.

Logo, o problema do lar de Reguengos de Monsaraz, e o de todos os outros, os dos velhos empilhados, é não ter “envelhecimento activo”. E não serem “artistas”, uma espécie ameaçada em tudo menos na idade, caso cheguem aos 90 ou aos 100 anos. Temido rematou, noutra pérola discursiva: “Têm de estar aqui sujeitos a uma enorme pressão, e isso também é um exemplo para toda a sociedade.” A ministra ficou bem na fotografia. Nunca mais ouvimos falar na Casa do Artista. Segue para bingo.

Três dias antes, a 25 de Setembro, no site da DGS, Maria da Graça Gregório de Freitas publicou a norma 0162020, instituindo a divisão entre os vacinados do plano e os não vacinados, sem deixar de explicar as razões pelas quais era importante a vacinação contra a gripe. A primeira fase estava iniciada, a segunda fase iniciar-se-ia a 19 de Outubro, com o plano de dar a vacina a pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, doentes crónicos ou imunodeprimidos com 6 ou mais meses de idade, trabalhadores da saúde ou prestadores de cuidados e pessoas incluídas nos contextos definidos no Quadro III — Anexo. Recomendava-se também a vacinação de pessoas com idades entre os 60 e os 64 anos. A vacina devia ser administrada durante o Outono e o Inverno, de preferência até ao fim do ano civil.

Esta última recomendação e as palavras “de preferência” são úteis não apenas para sossegar o utente de 64 anos e 11 meses mas para insinuar que uma vacina deve ser tomada o mais cedo possível para fazer efeito. Claro que se o utente levar a vacina no dia 30 de Dezembro e apanhar a gripe a 5 de Janeiro, altura de infecções do Natal e Ano Novo, o vírus da gripe terá certamente em linha de conta que, não tendo conseguido a vacina mais cedo, o utente não deverá ser infetado. O vírus espera, e o mesmo fará a covid por simpatia. Há prioridades.

O Quadro III — Anexo refere quem tem direito a vacina gratuita. Todos os outros que quiserem ser vacinados, incluindo os não gratuitos do grupo entre os 60 e os 64 anos, que se recomenda vivamente que sejam vacinados, devem ter acesso à vacina nas farmácias comunitárias mediante prescrição médica, com comparticipação de 37%. A DGS afirmava que a vacina “já está disponível”.

Tendo ouvido durante o verão que a vacina da gripe era essencial para proteger as pessoas no inverno, o utente foi à farmácia do bairro e inscreveu-se para comprar e tomar a vacina. As primeiras inscrições foram feitas em junho e julho e continuaram nos meses seguintes. O Governo e os ‘peritos’ mandam. O povo obedece. Como a vacina é relativamente barata, mais inscrições se seguiram. Aqui chegados, depois de tanta propaganda, calculei que 2 milhões era uma quantidade ínfima. Eu calculei, o Governo não calculou. E continuou a recomendar a vacinação geral.

Com a primeira fase da vacinação começada, foram disponibilizadas 350 mil vacinas a 28 de setembro. Velhinhos social e artisticamente ativos foram vacinados. Muito bem. A 10 de novembro de 2020 não há uma única vacina disponível nas farmácias. Não há vacinas nos hospitais. Esgotaram. Não se sabe quando chegam. O Governo nada disse sobre o assunto.

Temos pessoas do Plano Nacional de Vacinação, incluindo os com mais de 65 anos, em lista de espera. Temos pessoas que querem comprar a vacina e que se inscreveram no verão em lista de espera, depois dos grupos de risco. Temos farmacêuticos que dizem que não sabem quando recebem vacinas, ou se as recebem, e que o Governo disponibilizou apenas 200 mil vacinas para as farmácias. Não haverá vacinas para todos.

Nas farmácias há ameaças, discussões, iras, violência verbal. Há quem conclua que não vai ser vacinado, incluindo o pobre utente com 64 anos e 11 meses. Há quem insulte, barafuste, espinoteie. Para a vacina administrada nas farmácias é medida a temperatura do utente, e os dados são introduzidos num sistema informático partilhado com o SNS. Quais dados? Não se sabe. Isto é constitucional? Não se sabe.

Diz-se por aí que na segunda quinzena de novembro chegarão mais vacinas. O rumor anterior dizia que chegariam no princípio de novembro. As farmácias avisam que não serão suficientes para as listas de espera e as marcações dos vacinados gratuitos. Muito menos para os da lista não gratuita. A inquietação cresce. A ira também.

Estamos em Portugal. Em paralelo, há um mercado negro das vacinas. Não tanto movido a dinheiro, movido a influência. O dinheiro ajuda. Quem conhece uma pessoa que conhece uma pessoa que conhece um político importante, tipo ministro ou família ou amigo, ou um médico importante, ou mesmo um ‘perito’, arranja a vacina. Ainda bem que o Presidente Marcelo conseguiu tomar a dele a tempo e horas.

Imagine-se tal incompetência e tráfico de influência aplicados à vacina da covid.

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