terça-feira, 3 de novembro de 2020

O Estado nunca criou riqueza.

O Estado não cria nem jamais criou riqueza. Apenas a distribui. O Estado vive da riqueza produzida pelos seus cidadãos que, quer queiram quer não, pagam impostos e permitem os seus investimentos.

O Estado distribui riqueza criada, evitando a queda em situações degradantes ou desumanas dos seus cidadãos, quando estas ocorrem contra a vontade dos próprios. As sociedades compreendem que a coesão social e o evitar de desigualdades excessivas e ostentatórias são condições ótimas para a criação de riqueza e de oportunidades para mais, senão para todos.

Como disse Walt Lippmann (escritor, jornalista premiado com um Pulitzer, professor, discípulo do filósofo Santayana, criador da expressão “guerra fria”), o Estado não dirige nem administra os cidadãos; apenas administra a Justiça, de forma imparcial, para que as relações sociais sejam equilibradas. Também tem o monopólio da violência, para que esta não se exerça a contento de cada um, mas sim do conjunto. Estas prorrogativas fazem parte do contrato social geral, implicitamente firmado entre os homens e mulheres de uma comunidade. Desse contrato faz ainda parte a construção e manutenção de infraestruturas, que criem condições de desenvolvimento e criação de riqueza.

Quem cria riqueza e desenvolvimento são as pessoas e as empresas que elas desenvolvem. Essas empresas geram lucro e esse é o seu objetivo, para crescerem e com isso se tornarem mais fortes, criando mais riqueza, que se traduz em mais empregos, exportações e mais lucros para quem arriscou. O lucro é (ou deve ser) a recompensa do risco, e é bom que exista. Neste particular, parte da nossa sociedade, infelizmente, entende o lucro como o fazia a Igreja Medieval: algo de perverso, demoníaco, que deve ser evitado. Todo o lucro cria progresso (científico, tecnológico, cultural), e todo o progresso abana estruturas imobilistas cujo sucesso é posto em causa por novas dinâmicas. É por isso que todos os grandes avanços tecnológicos e científicos, assim como sociais, foram inventados, criados ou desenvolvidos por empresas ou consórcios que se movimentam na esfera de relações consideradas capitalistas. Não por acaso, Mikhail Gorbatchov se queixava da URSS como um país que não conseguia fazer uma torradeira decente, embora conseguisse colocar satélites na órbita da terra. A diferença entre uma economia planeada centralmente por um Estado, e uma que advém da explosão e multiplicação de ideias, interesses e projetos — desde que devidamente regulados com justiça — é muito favorável ao capitalismo.

Acrescente-se que o capitalismo (ao contrário do socialismo e de outros ismos) não é uma ideologia, no sentido em que não une pessoas em torno de uma solução global para a sociedade; apenas une pessoas em torno da criação de uma vida melhor para elas próprias. O efeito colateral desse conceito tão simples é todos acabarem por ganhar, seja pelo desenvolvimento ou avanço criado, seja pela redistribuição que o Estado faz.

Todas as boas empresas, pequenas ou grandes, prestam serviços públicos. Sem elas, o país não funcionaria, seria o caos. Pensem na ideia de os supermercados, mercearias, cafés ou restaurantes geridos pelo Estado. Seria de fugir, como se viu nos chamados países socialistas.

Às vezes é preciso voltar ao básico quando, no Parlamento, na Comunicação Social, nos discursos públicos, se ouve falar na contradição entre o público (entendido como do Estado) e o privado. É preciso voltar ao início, à explicação de que o Estado social, o apoio aos carenciados, o combate a desigualdades gritantes só se tornaram possível quando a criação de riqueza se exponenciou. E que as novas condições implicam mais criação de riqueza, crescimentos robustos da economia; ou seja, apoiar pessoas e empresas que para eles possam contribuir. Distribuir sem nada criar é o caminho da falência.

HENRIQUE MONTEIRO

Expresso 01-11-2020

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