O discurso de Trump dizia que o país, em uníssono, deve condenar o racismo. Era bom que a pessoa que lhe escreve os discursos entrasse urgentemente em contacto com o idiota que lhe escreve os tweets.
Os videojogos são a mini-saia dos tiroteios em massa. Assim como certos rústicos afirmam que a culpa das violações é da mini-saia, outros rústicos acreditam que os videojogos violentos são responsáveis pela violência real. Esta teoria tem um problema: é desmentida pelos factos. Mas os factos, felizmente, vão contando cada vez menos perante valores mais altos, tais como sensações que a gente tem. Depois de mais dois trágicos tiroteios na mesma semana, Donald Trump dirigiu-se à nação e culpou os videojogos. Não é a primeira vez. Em Fevereiro do ano passado, dias depois de outro destes tiroteios, Trump disse que era preciso tomar medidas contra certos videojogos e filmes, por estarem na origem de comportamentos violentos. Em sentido contrário a esta opinião ia a sempre enganadora Ciência. Uns estudos demonstram que noutros países há ainda mais pessoas a jogar este tipo de jogos e não há notícia de tiroteios em massa. Outros estudos revelam que, nos Estados Unidos da América, a taxa de crime juvenil está no nível mais baixo dos últimos trinta anos. E um outro estudo, conduzido por mim, indica que a exposição prolongada ao Candy Crush não leva as pessoas a invadir lojas de guloseimas para rebentar docinhos, e jogar Tetris não inspira os jogadores a encaixarem coisas noutras coisas na vida real. No entanto, não é essa a sensação de Donald Trump. E o certo é que devemos manter a mente aberta a outras opiniões, porque é possível aprender qualquer coisa com o discurso de Trump. Por exemplo, que o lobby dos videojogos não é tão poderoso como o das armas.
Trump não está sozinho. Em 2007, Mitt Romney atribuiu a culpa dos massacres de Columbine e do Instituto Politécnico da Virgínia à pornografia e à violência existentes nos videojogos, na televisão, nos filmes e na música. A referência à pornografia é preciosa porque, como é fácil de verificar, nas sociedades nas quais a pornografia é proibida, as mulheres, por exemplo, são muito mais bem tratadas do que nas sociedades em que é permitida. Pelo menos, há quem tenha essa sensação.
Ignorando todas estas sensações, o Supremo Tribunal Americano decidiu, em 2011, que o governador da Califórnia, o democrata Jerry Brown, não podia fazer uma lei restringindo a venda de videojogos violentos. Parece que essa lei violava a primeira emenda da Constituição, que fala de uma coisa que se valorizava antigamente, chamada liberdade de expressão, ou o que é. Os juízes fundamentaram essa decisão com recurso a diversos estudos, nenhum dos quais contemplava sensações. Lamentável.
De resto, o discurso de Trump dizia que o país, em uníssono, deve condenar o racismo. Parece uma ideia sensata, mas difícil de executar. Por exemplo, era bom que a pessoa que lhe escreve os discursos entrasse urgentemente em contacto com o idiota que lhe escreve os tweets.
(Crónica publicada na VISÃO 1379 de 8 de Agosto)
Ricardo Araújo Pereira
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