quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A Cortina de Ferro volta a fechar-se?

Os cientistas estrangeiros, quando de visitas a organizações científicas russas, só poderão utilizar gravadores e máquinas copiadoras “nos casos previstos nos acordos internacionais".

Na era das altas tecnologias, parece impossível imaginar um mundo separado por novas “cortinas de ferro”, mas o facto é que alguns regimes não desistem em as construir em nome da “soberania nacional”.

O Ministério da Ciência e do Ensino Superior da Rússia preparou um decreto que pretende endurecer as regras de contacto dos cientistas russos com os colegas estrangeiros e as organizações internacionais. Segundo esta proposta, nesses encontros, devem estar presentes, no mínimo, dois cientistas russos. Além disso, semelhantes encontros só se deverão realizar com a autorização da direcção da organização científica a que pertencem, devendo esta comunicar, com cinco dias de antecedência, ao citado ministério a realização do encontro e a lista de participantes! Depois do encontro, os cientistas terão de apresentar um relatório da conversa e fotocópias dos passaportes dos participantes nela!

Mas isto ainda não é tudo: os cientistas estrangeiros, quando de visitas a organizações científicas russas, só poderão utilizar gravadores e máquinas copiadoras “nos casos previstos nos acordos internacionais assinados pela Federação da Rússia”.

O académico russo Alexandre Fradkov já veio exigir o “castigo dos elaboradores deste projecto-lei”, pois isso obrigará os convidados estrangeiros, por exemplo, a deixarem à entrada das reuniões “relógios, telemóveis e outros meios técnicos (pelos vistos, até mesmo esferográficas)”.

Mesmo que este projecto-lei não seja aprovado, o que ainda não é um facto, trata-se de mais um sintoma de que estamos a assistir na Rússia a uma onda de “Back in USSR” no que respeita ao reforço do aparelho repressivo e à violação dos direitos humanos. As propostas de criação de uma “Internet russa”, o controlo de telemóveis e mensagens electrónicas vão na mesma direcção.

Já não me surpreende se voltarem a imperar as práticas soviéticas de limitação dos matrimónios entre estrangeiros e familiares de pessoas com acesso a segredos de Estado. E tudo isto estava “conforme” as palavras do ditador comunista José Estaline de que “os filhos não respondem pelos pais”.

É muito difícil acreditar que estas novas medidas, se forem realizadas, contribuam para a modernização e para o avanço tecnológico na Rússia. Os últimos incidentes com o incêndio no submarino, que provocou 14 mortos, ou a explosão durante o teste de um propulsor nuclear para mísseis, que atingiu mortalmente sete pessoas, mostram que nem tudo vai bem no complexo militar-industrial russo. Esta é uma das áreas fortemente atingidas pela corrupção.

Além disso, a falta de informação sobre estes graves acidentes traz à memória catástrofes como as da Central Nuclear de Chernobyl ou do submarino Kursk.

Até agora, Vladimir Putin, através de medidas repressivas, tenta transmitir a ideia de existência de paz social e política no país. A imersão num batíscafo nas profundezas do Mar Báltico e a participação do Presidente em encontros de motoqueiros nacionalistas são acções realizadas a mostrar que Putin continua a controlar a situação, mas torna-se cada vez mais difícil esconder os problemas. A popularidade do Presidente e do Partido “Rússia Unida”, que está claramente em queda, demonstra isso.

Entretanto, é mais fácil acusar “agentes estrangeiros” de ingerência nos assuntos internos da Rússia. Segundo a versão do Kremlin, as grandes manifestações que ocorreram nas últimas semanas em Moscovo, em sinal de protesto contra o impedimento da participação de militantes da oposição nas eleições municipais na capital russa, também têm a mão do exterior.

Aqui, Putin conta com o apoio do obediente Guennadi Ziuganov, dirigente do Partido Comunista da Federação da Rússia. Este afirma que os manifestantes “recebem milhares de milhões de rublos” do estrangeiro. O mais influente “marxista-leninista” russo despreza o papel das massas populares nas manifestações de protesto, preferindo juntar-se ao coro dos adeptos das “conjuras internacionais”.

Uma nova “cortina de ferro” desce na Rússia.

José Milhazes – Observador

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