sábado, 3 de agosto de 2019

De volta à casa de partida.

Regresso Há uma vaga inédita de portugueses a deixar a Suíça. Milhares estão a voltar. É já considerado um “caso excepcional” na história da emigração portuguesa.

O calendário da rulote para este mês de Agosto já está cheio: por cada fim de semana, uma festa. De aldeia em aldeia no Marco de Canaveses e noutras redondezas do Porto, a rulote amarela do senhor João ganha quilómetros e clientes. Com apenas dois meses de vida, está ainda a adaptar-se às estradas, tal como João Babo do Carmo está a ambientar-se à nova etapa, agora que pôs fim à vida de emigrante. Trinta e dois anos depois de ter partido para a Suíça, levado pela onda de portugueses que para lá fugiram à procura de trabalho, o cozinheiro de 61 anos juntou-se agora à crescente vaga de regressos. Voltou em Janeiro deste ano e com vontade de se agarrar, de vez, à terra onde nasceu.

“Quando fui para a Suíça, por cada 20 portugueses que iam, um regressava. Agora, por cada um que vai, há 20 que voltam”, conta. O número de portugueses a deixar aquele país europeu, durante décadas um dos principais destinos da emigração nacional, está a aumentar há seis anos e disparou nos últimos dois. Só em 2018, foram mais de 10 mil, o dobro de 2013. E pelo segundo ano consecutivo houve mais portugueses a sair da Suíça do que a entrar (ver gráfico). “Chegámos a um ponto em que a comunidade está a diminuir. Isso só aconteceu em destinos não europeus, como os Estados Unidos ou o Canadá”, diz Rui Pena Pires, coordenador do Observatório da Emigração.

Só da cidade de Chaux-de-Fonds, na fronteira com a França, saíram 400 famílias portuguesas no ano passado. E há regiões como Friburgo onde vários prédios quase exclusivamente habitados por portugueses estão agora a ficar sem ninguém.

Os dados da Secretaria de Estado das Migrações da Suíça, enviados ao Expresso, mostram que metade dos portugueses que saíram daquele país no ano passado tinham autorização de residência permanente (ou seja, viviam no país há mais de cinco anos). Cerca de 40% tinham entre 40 e 64 anos, mas tem aumentado a proporção dos que têm mais de 65. E embora não seja certo que todos regressem a Portugal, os investigadores admitem que a maioria está a voltar à terra natal.

Só para o Marco de Canaveses regressaram no último ano 21 emigrantes portugueses na Suíça. João é um deles. Outros 60 já manifestaram vontade de voltar, segundo o Gabinete de Apoio ao Emigrante da autarquia.

“A primeira geração de portugueses a emigrar para a Suíça, no final dos anos 70 e início dos 80, está a chegar à reforma. Muitas pessoas entre os 60 e os 65 anos, que nem pensavam regressar a Portugal porque é na Suíça que têm os filhos e os netos, fizeram as contas e perceberam que a reforma é demasiado baixa para lá viverem sem terem de recorrer às poupanças”, afirma Liliana Azevedo, que tem uma bolsa de doutoramento no CIES — Instituto Universitário de Lisboa para estudar os percursos dos reformados portugueses naquele país europeu. “As rendas são altíssimas e cada pessoa é obrigada a pagar um seguro de saúde mensal entre 500 e 600 euros. Com reformas pouco acima dos mil euros é impossível viverem. Por isso, uns já regressaram e outros estão para regressar.” A realidade não deixa dúvidas a Rui Pena Pires: “A Suíça já é um caso excecional na história da emigração portuguesa na Europa.”

O pânico gerado pelo Fisco

Mas há outras razões para o regresso, como o desemprego ou o facto de os salários não terem acompanhado o aumento do custo de vida. “Alguns portugueses deixaram de esconder a miséria em que viviam. Há quem tenha dívidas porque o salário não chega para as despesas ou porque está desempregado”, alerta Nuno Santos, presidente da Associação de Apoio à Comunidade Portuguesa na Suíça.

A troca automática de informação financeira entre países da OCDE, que permitiu ao Fisco suíço saber se os estrangeiros estão a declarar todo o seu património, é outro fator. “Quase todos os portugueses têm bens em Portugal. A maioria nunca os declarou na Suíça e agora foi obrigada a fazê-lo”, diz Liliana Azevedo. “Alguns cantões exigiram acertos nos impostos e gerou-se um pânico que levou muitas pessoas a antecipar o regresso.”

A decisão de Teolindo e da mulher está quase tomada: regressar a Portugal no próximo ano. Ele está menos entusiasmado do que ela com a ideia de voltar a Castro Verde, concelho alentejano no distrito de Beja de onde os dois saíram para a Suíça a 1 de março de 1978. “É lá que tenho os meus amigos e estou muito ligado às associações de portugueses. É difícil deixar lá os filhos e os netos”, conta Teolindo Florinda, 69 anos, na moradia que começaram a construir em 1989, a pensar nos meses de agosto e não num regresso definitivo.

O que os faz vir não é a tributação suíça, que já conseguiram resolver, mas a baixa reforma, explica. “Pagar renda, despesas, mais cerca de mil euros por mês para os dois seguros de saúde é duro. Viver na Suíça assim é difícil. Aqui em Portugal vive-se melhor com o mesmo dinheiro, ainda que lá consiga rapidamente marcar um exame médico se precisar e cá não seja bem assim.” Quando partiram, recorda Teolindo, foram sem conhecer nada e só a falar português. Começou na agricultura com contratos de nove meses, depois foi para uma empresa de fundição onde esteve 26 anos e, por fim, trabalhou nos serviços de manutenção de um hotel, de onde se reformou há quatro. “Passei estes 41 anos entre trabalho e casa. Amealhávamos dinheiro e vínhamos a Portugal uma vez por ano. Era isto.”

Vaga de retornos sem paralelo

Agora, vêm para ficar. “Em alguns casos, é quase como se estas pessoas estivessem a emigrar novamente”, realça Rui Pena Pires. “Voltam para as aldeias de onde partiram há 40 anos, mas já não é o mundo de onde saíram. Agora não há lá ninguém. Alguns portugueses que emigraram para França também voltaram na reforma, mas nunca houve uma vaga de retornos com esta dimensão.” O caso excecional da Suíça exige respostas, defende. “É preciso dar apoio e informação”, por exemplo mediando o contacto com a Segurança Social ou as Finanças.

João Babo do Carmo chegou ao Marco de Canaveses em janeiro, lançou-se na compra da rulote em junho, mas ainda recorre ao Gabinete de Apoio ao Emigrante para esclarecer dúvidas. Para trás, ficam três décadas de uma vida saltitante: depois de ter deixado a terra em 1987 e ter chegado à Suíça sem emprego nem planos, trabalhou alguns anos como ajudante de cozinha. Chegou a vir para Portugal na década de 90 já com algum dinheiro no bolso e viveu com contratos de trabalho sazonais em Espanha, França e Alemanha. Em 2005 regressou à Suíça e casou-se com Joneide, uma emigrante brasileira a viver naquele país desde a década de 80. Foi quando perdeu o emprego no final do ano passado e o dinheiro começou a faltar que ambos decidiram vir para Portugal.

Quando o mês de agosto acabar, Teolindo e a mulher ainda regressam à Suíça. Mas João e Joneide já não. Terminadas as festas de verão, vão estacionar a rulote ao pé do estádio do Paços de Ferreira. No menu estarão finos, sumos, bifanas, cachorros e ‘esquisitas’, a receita que inventou com carnes e pimentos empurrados por uma fatia de pão. “Sou capaz de me virar para o futebol o resto do ano. Arranjo ainda outro clube e passo a ter onde estacionar todos os domingos. É desta vida assim que eu gosto.”

INCENTIVOS AO REGRESSO

Redução de 50% no IRS

A medida faz parte do ‘Programa Regressar’, criado pelo Governo. O desconto aplica-se a quem tenha emigrado até 31 de dezembro de 2015, regresse em 2019 ou 2020, não tenha residido em Portugal nos três anos anteriores, não tenha dívidas ao Fisco e à Segurança Social, nem tenha solicitado a inscrição como residente não habitual. Já será possível obter esta redução nos rendimentos de 2019, bastando assinalar essa opção na próxima declaração de IRS.

Apoio financeiro através do IEFP

O ‘Programa Regressar’ também prevê a atribuição de um apoio pago pelo IEFP aos emigrantes ou lusodescendentes que comecem a trabalhar por conta de outrem em Portugal continental, em 2019 ou 2020 e com contrato sem termo. Aplica-se a quem tenha emigrado até dezembro de 2015. O apoio pode ir até €6536, abrangendo viagem de regresso, transporte de bens e reconhecimento de diplomas. As candidaturas podem ser apresentadas no site do IEFP.

Isenção de impostos

O Regime Fiscal para o Residente Não Habitual, dirigido a portugueses e estrangeiros, prevê que as pensões e rendimentos de trabalho de fonte estrangeira sejam isentos de imposto durante dez anos para quem passe pelo menos 183 dias por ano em Portugal. É obrigatório ter tido a morada fiscal registada noutro país nos cinco anos anteriores ao regresso.

Redução de 20% no IRS

O regime fiscal para os residentes não habituais também prevê uma redução de 20% do IRS para quem venha trabalhar para Portugal numa das profissões de alto valor acrescentado definidas pelas Finanças. A diferença em relação ao desconto de 50% no IRS do ‘Programa Regressar’ é que esta redução de 20% dura 10 anos e não exige que os candidatos tenham emigrado até 2015 (só precisam de não ter vivido cá nos cinco anos anteriores).

Vagas no Ensino Superior

O Ensino Superior tem um contingente reservado a filhos de emigrantes, com um total de 7% das vagas, rondando as 3600. O Governo quer incentivar mais jovens emigrantes a candidatarem-se às universidades nacionais e lançou umas jornadas de sensibilização junto de várias comunidades portuguesas.

portugueses na Suíça

Saídas e entradas
De 2008 a 2018

Entradas

saldo em 2018

-1550

Evolução das saídas por grupo etário
Em percentagem

menos de 20

entre 20 e 40 anos

mais de 40 anos

Saídas por tipo de autorização de residência
Em 2018

‘PERMIS L’ – AUTORIZAÇÃO ANUAL

‘PERMIS B’ – AUTORIZAÇÃO DE 5 ANOS

‘PERMIS C’ – AUTORIZAÇÃO PERMANENTE

total em 2018

10.254

fonte: Secretaria de Estado das Migrações da Suíça


Raquel Albuquerque

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