quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Vanessa acha esquisito o “Pardal da Antram

Eu sei que me tenho queixado de que a Vanessa, como está de férias e notoriamente aborrecida, passa a vida a telefonar-me para comentar coisas. É claro que eu gosto de comentar coisas, mas nem muitas coisas nem muitas vezes ao dia. Mas ao contrário do que tem acontecido ao longo deste Verão, desta vez fui eu que liguei à Vanessa.

- Olha, sempre tens aquele namorado que é motorista de matérias perigosas?

- Não sei.

- Como não sabes?

- Já te tinha explicado que não faço a mais pequena ideia se namoro com ele. As coisas podem ser tudo ou podem ser nada. Sabemos lá. Qualquer coisa pode ser tudo e o seu contrário. Temos que aceitar que as coisas são como são. A vida é mesmo assim.

Ah, a vida. O eng. Guterres quando não sabia o que dizer suspirava “é a vida”. Também ele, enquanto chefe da oposição e primeiro-ministro, se deparou com o facto incrível de qualquer coisa poder ser tudo e o seu contrário – é um facto universalmente reconhecido que isso acontece antes de cairmos num pântano, num charco, num lamaçal. Guterres preferiu usar a palavra “pântano”, naquela noite de Dezembro de 2001 onde seguramente fazia frio (o tempo era mais estável há 18 anos) e o PS levou uma abada nas autárquicas. Rio esteve entre os vencedores da noite, ganhando a Câmara do Porto. E estava eu a pensar no que tinha ocorrido nestes últimos 18 anos – tudo e o seu contrário – quando a Vanessa me acordou.

- O que foi, adormeceste ao telefone? Ainda estás aí? Por que te calaste?

- Desculpa, estava aqui a pensar numa coisa. Essa frase do “é a vida”. Achei piada, lembrou-me uma data de coisas. Mas olha, mesmo que não saibas se andas com esse motorista de matérias perigosas, pelo menos falas com ele?

- Sim, sim. Somos muito amigos. Aliás, estava agora para lhe telefonar. Ouviste o Pardal da Antram a dizer que ninguém aderiu à greve, mas a pedir com urgência a requisição civil?

Eu assim de repente não estava a ver quem era o “Pardal da Antram”.

- Oh pá, é aquele tipo que também tem cara de advogado esquisito, como o outro, mas que representa as empresas. O gajo é do PS, o Governo já o nomeou para não sei quantos cargos. Não o ouviste a lançar umas bocas, há uns dias, de que “ia haver violência”? E há bocado disse que a adesão era pouco mais que zero e depois pediu a requisição civil. Isto entende-se?

A Vanessa tinha ouvido o “Pardal da Antram” – o nome verdadeiro é Almeida e é porta-voz da associação de empresários – dizer que a adesão à greve era de menos de 1% e depois pediu a “requisição civil urgente”.

- Isto não é esquisito? Não é mais estranho do que não saber se namoro ou não namoro com o motorista das matérias perigosas? Fogo, qualquer coisa pode ser tudo e o seu contrário.

Ana Sá Lopes – Público

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