domingo, 18 de agosto de 2019

Camilo Lourenço: "Nunca mais voltei à RTP por causa das minhas opiniões. Há directores mais papistas que o Papa"

O afastamento da estação pública, Salgado, BPN, os "negócios por explicar" de Luís Filipe Vieira e os outros pontos altos da entrevista de João Miguel Tavares a Camilo Lourenço na Rádio Observador.

Deita-se pela uma da manhã e às seis está “religiosamente a pé”, como Marcelo Rebelo de Sousa, mas as semelhanças com o Presidente da República estão “só aí”. A rotina madrugadora inclui “A Cor do Dinheiro”, o formato que todos os dias, pelas 8h00, Camilo Lourenço faz chegar aos portugueses através das redes sociais. Aos 59 anos, o economista, que “felizmente” (diz) não tem página na Wikipedia, dispensa meias palavras para comentar o seu afastamento da estação pública.

A anterior direcção da RTP, dirigida pelo Paulo Dentinho e por quem estava com ele, fez-me saber que não gostava de algumas coisas que eu dizia. O pior disto tudo é que nem tiveram a coragem de me dizer directamente. Os editores comunicaram-me um dia que a direcção tinha achado que não valia a pena continuar a comentar na RTP”, diz em entrevista a João Miguel Tavares, no programa Artigo 38 da Rádio Observador.

Lourenço recorda o episódio que remonta ao final de 2015, e para o qual nunca obteve “explicações”, comparando ainda essa fase com a do actual Governo. “Não tenho a mais pequena dúvida que nunca mais voltei à RTP por causa das minhas opiniões. Até acho estranho a falta de coluna vertebral, porque do ponto de vista político recordo-me que quando comecei a fazer mais comentários na RTP foi quando o José Sócrates era primeiro-ministro. E não me lembro de haver tanta interferência na RTP como passou a haver mais tarde. Digam o que disserem, nota-se uma interferência política. Não digo que isto venha do António Costa. Há directores que são mais papistas que o papa”.

Sobre as críticas de que costuma ser alvo, uma palavra especial para “os fofinhos que me insultam por aí”: “Já não se lembram que o Cavaco me detestava. Só se centraram no meu apoio ao governo da troika”.

Das velhas pressões aos novos formatos digitais

O comentador, que esteve na fundação do Diário Económico, faz ainda a revisão de mais de 30 anos de carreira com uma passagem por quase todos os meios de comunicação — à excepção do Expresso — e destaca um par de momentos especialmente críticos. “Perdi o emprego duas vezes por pressões que têm a ver com interesses ligados aos accionistas. Um na revista Valor, em 1994, por causa de histórias que envolviam o grupo Espírito Santo e a Galp. Fiz uma capa a dizer “corrupção na Galp”. O doutor Ricardo Salgado ligou muito aborrecido ao doutor Paes do Amaral a dizer que lhe cortava o crédito se continuássemos a escrever aquilo. O meu segundo caso foi o BPN, na revista Exame, em 2001″, descreve, sem ter dúvidas de que “o Banco de Portugal protegeu Ricardo Salgado” — e mantendo a posição de que Zeinal Bava era “um grande líder, com uma inteligência emocional fora do comum, tirando a parte em que se deixou seduzir por Salgado”.

Sobre o modelo de negócio do espaço “A Cor do Dinheiro”, rubrica criada inicialmente em 1988 e mais tarde transportada para o Jornal de Negócios e posteriormente ainda para a televisão, diz conseguir “decidir a informação e fazer serviço público”, acusando ainda “a felicidade de ter rendimentos que dão a possibilidade de não ser rico mas de garantir a minha vida se ficar sem salário do jornalismo”. Descreve-o como um projecto que, não tendo começado como um modelo de negócio, “está com uma audiência tão grande que as agências já começam a telefonar a dizer que podem fazer isto e aquilo”. Questionado sobre eventuais conflitos, confessa que não tem carteira de jornalista “há muito tempo”, uma decisão tomada “quando ainda trabalhava em redacções”: “Não gosto de corporações”, justifica. Aponta ainda alguns desafios colocados pelo mais recente contexto digital: “Uma parte da classe jornalística, nomeadamente com nome e com marca, vai ter que arranjar uma outra forma de obter rendimento, agora têm é que fazer declaração disso.”

A conversa não termina sem uma passagem pelo clube do coração, o Sport Lisboa e Benfica, e uma viagem no tempo para recordar o seu papel de porta-voz de Luís Vieira Vieira, quando este foi candidato pela primeira vez à presidência do clube: “Ajudei Luís Filipe Viera a chegar à presidência do Benfica. Convidou-me para ficar, mas em três meses aprendi mais sobre futebol do que em toda a minha vida. Imagina o que vi. A certa altura também percebi que o Luís Filipe Vieira não tinha a sua vida empresarial muito clara e eu não quero nada estar ligado a essas coisas.”

Esta entrevista de 45 minutos pode ser ouvida na íntegra, clicando aqui.

Artigo 38 (o artigo da Constituição sobre a liberdade de imprensa) é o programa de entrevistas de João Miguel Tavares na Rádio Observador e pretende colocar jornalistas influentes na pele de entrevistados. É transmitido aos sábados depois das notícias das 13h00. Repete às 22h00 e aos domingos às 18h00. Pode ouvir em 98.7 FM na Grande Lisboa ou aqui no site do Observador

.https://observador.pt/2019/08/17/camilo-lourenco-nunca-mais-voltei-a-rtp-por-causa-das-minhas-opinioes-ha-diretores-mais-papistas-que-o-papa/?fbclid=IwAR3ILiuw2jxtt8gR1JWvYnOzzSv6bAAEb1KWZr7XcRAOEP30WtGLz1YEYjU

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