quarta-feira, 14 de agosto de 2019

André Matias de Almeida - O ajuste directo com “conflito de interesses aparente” e as ligações ao PS do porta-voz da ANTRAM.

André Matias foi deputado municipal pelo PS e nomeado pelo governo de Costa para gerir dois fundos que têm juntos dotação superior a 300 milhões de euros. Diz que depois da greve abandona os cargos.

A guerra entre motoristas e patrões também se tem feito pelos porta-vozes, ambos advogados: Pedro Pardal Henriques e André Matias de Almeida. E se o representante do sindicato começou a ser escrutinado logo na greve de Abril (primeiro pelo Maserati que conduz, depois por ser candidato a deputado pelo partido de Marinho e Pinto), o porta-voz da ANTRAM só começou agora a ganhar protagonismo e a ser envolvido em polémica. Desde logo porque, como foi noticiado em Julho, André Matias é militante do PS e foi duas vezes nomeado pelo governo de António Costa. Na verdade, apurou o Observador, chegou mesmo a ser eleito nas listas socialistas: foi deputado municipal pelo PS em São Pedro do Sul e chegou a ser coordenador da JS local. Apesar de o mediador do braço-de-ferro entre sindicatos e patrões ser o Governo PS, André Matias não vê qualquer problema em ser daquele partido. Até porque, garante ao Observador, não foi nomeado pelo Governo pelo cartão de militante, mas por “convite de um amigo”.

Há também registo de um ajuste directo feito por uma associação, a StarUp Portugal, na qual André Matias de Almeida é presidente da Assembleia Geral, de serviços jurídicos ao seu escritório de advogados. A associação de startups é financiada em parte por dinheiros públicos e André Matias — segundo o site da sociedade de advogados onde trabalha — “coordena a equipa de Start Ups” na Albuquerque&Almeida. Apesar disso, da mesma forma que não vê qualquer problema em ser do PS e ser parte num conflito em que o Governo PS é mediador, o advogado também não vê qualquer incompatibilidade ética neste ajuste directo. E a administração da Albuquerque&Almeida e a Startup Portugal também não veem qualquer problema ético no contracto que celebraram. Já a Associação Associação Integridade e Transparência vê um “conflito de interesses” e diz que as entidades permitem com esta falta de “precaução” que se levante “suspeição” sobre a relação contratual.

Um ajuste directo “evitável” e com “conflito de interesses aparente”

André Matias de Almeida tornou-se presidente da Assembleia Geral da Startup Portugal em Agosto de 2017. Três meses depois, como consta do site Base.gov, aquela associação — que já era então em parte financiada por dinheiros públicos — fez um ajuste directo no valor de 14.500 euros (ao qual acresce IVA) para “aquisição de serviços de suporte jurídico para a elaboração de protocolos e regulamentos“. A adjudicação foi feita à Albuquerque&Almeida Advogados. Este é não só o escritório de André Matias Almeida, como também a área que ele coordena, a das Startups, nesta sociedade de advogados. Antes desta data, não há registo na publicitação pública de qualquer contracto entre a associação Startup Portugal e aquele escritório. Apesar disso, como já se disse, nem a associação nem André Matias de Almeida veem qualquer problema ético no contracto (que é assinado pelo sócio Alexandre Albuquerque e pelo CEO da Startup Portugal, Simon Schaefe).

André Matias de Almeida garante ao Observador que não esteve “envolvido neste ajuste” e que “nem sequer” foi ele que “tratou disto internamente“. Segundo apurou já após as questões colocadas pelo Observador, o contracto “representou uma avença mensal de cerca de 1.100 euros/mês para serviços jurídicos prestados ao longo de cerca de um ano“. O advogado destaca ainda que “o presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação não tem influência sobre esse tipo de decisões, nem isso nunca foi decidido em AG nem podia ser. É assim por lei. Tal competência é exclusivamente do órgão executivo — a direcção”. Ou seja: para o advogado, o facto de ter existido um ajuste directo três meses depois de chegar aos órgãos sociais da associação foi mera coincidência.

O presidente da Associação cívica ‘Integridade e Transparência’, João Paulo Batalha, diz que este contracto era “evitável” e “não devia ter acontecido” e que “há um conflito de interesses pelo menos aparente”. João Paulo Batalha diz que “mesmo que não tenha sido o responsável pelo contracto, o que faria com que em vez de ética houvesse uma incompatibilidade legal, tanto a associação como a sociedade de advogados ficam no mínimo sujeitos à suspeição de que ele, a partir dos órgãos sociais, pode ter tentado angariar clientes.”

O presidente da Associação Integridade e Transparência diz que ficará sempre a dúvida se não houve a tentativa de pôr o “pé na porta”, o que se traduz num “conflito de interesses aparente”. “É verdade que em Portugal nem se dá importância aos conflitos de interesse reais, quanto mais aos potenciais e aparentes, mas era evitável porque é claro que há relações comerciais entre as duas entidades e ele pertence às duas“, explica. E acrescenta: “Mesmo numa associação privada devia ser evitado, estando envolvidos dinheiros públicos devia ter existido mais cuidado“.

Já a administração da Albuquerque&Almeida Advogados esclarece que “o Dr. André Matias de Almeida (…) é associado da Sociedade, com a responsabilidade de coordenação da área de Venture Capital e Co-Coordenador da área de Private Equity” e que “a Albuquerque & Almeida presta desde há dezenas de anos serviços jurídicos a entidades públicas, muito antes do ingresso no escritório do Dr. André Matias de Almeida, sendo regularmente solicitada para prestar assistência jurídica a variadíssimas entidades no sector das start ups (públicas e privadas)”.

É verdade, segundo o publicitado no site Base.gov, que há vários anos que a sociedade é contratada por entidades públicas, como por exemplo a câmara de Coimbra, mas também é um facto que foi a primeira vez que foi contratada pela Startup Portugal, criada em 2016.

Sobre o contracto, a sociedade acrescenta que “foi celebrado com integral respeito por todas as normas de contratação públicas e privadas relevantes sendo certo, aliás, que à data da celebração do mesmo, a Startup Portugal não estava sequer sujeita às regras da contratação pública”. Por isso, a questão que o Observador dirigiu à sociedade quando obteve esta resposta foi sobre a questão ética e não sobre a questão legal.

Quando questionada sobre se André Matias de Almeida teve qualquer influência neste processo, a administração da sociedade explica que o advogado “não é sócio desta sociedade de advogados e portanto não teve nem tem influência sobre o conteúdo das propostas de serviços jurídicos que o escritório realiza junto dos seus clientes”. Acrescenta ainda que como presidente da Mesa da Assembleia Geral da Startup Portugal, André Matias de Almeida “não teve qualquer participação no referido contracto, tendo os contactos efectuados sido estabelecidos a nível da Direcção de ambas as entidades”. A mesma sociedade esclarece que “assessora regularmente centenas de entidades na área das start ups“, uma “actividade que exerce desde muito antes de poder contar, na sua equipa de profissionais, com a valiosa colaboração do Dr. André Matias de Almeida”.

Na mesma linha da sociedade de advogados, o director da Startup Portugal, João Borga, também não vê qualquer problema ético neste procedimento e destaca que André Matias lidera um órgão social sem poder executivo. “Nós não trabalhamos com o departamento do André. Ele tem a área das startups, mas nós lidamos mais com departamentos de protocolo e recursos humanos“, justifica João Borga em declarações ao Observador.

O director da associação de utilidade pública explica ainda que a Startup Portugal está  actualmente sujeita às regras da contratação pública, mas diz que tem “um email da entidade responsável a comprovar que em 2017 ainda não estava”. E acrescenta: “Só passou a estar em 2018 quando o financiamento passou a ser maioritariamente público, muito por culpa dos fundos comunitários”. Ainda assim, o contracto foi na altura publicitado no site Base.gov.

Há também um detalhe inegável: a associação já era em parte, ainda que não maioritariamente até ao início de 2018, financiada por dinheiros públicos na altura do ajuste directo. Embora o procedimento tenha sido feito por este modelo de ajuste directo, João Borga diz que foram ouvidas três entidades e a Almeida & Albuquerque “apresentou a melhor proposta”. O director reitera ainda que André Matias não teve influência nesta contratação. Além disso, João Borga desfaz-se em elogios para a sociedade contratada, da qual destaca o “trabalho de qualidade”.

O contracto feito por ajuste directo explica que está em causa a “elaboração de protocolos e regulamentos” no âmbito do projecto “Startup Portugal-Ecossistema Empreendedor de Referência Internacional”

Embora o contracto tenha sido feito no âmbito do projecto “Startup Portugal-Ecossistema Empreendedor de Referência Internacional“, candidato ao SIAC_POCI (o Programa Operacional Competitividade e Internacionalização), André Matias de Almeida, a sociedade de advogados e a associação Startup Portugal garantem que o processo não passou pelo coordenador de Startups.


Observador,

Rui Pedro Antunes

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