sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A melhor forma de roubar os Correios é administrando-os.

Manda o bom-senso que os assaltos sejam detidos. A única forma de o fazer, neste caso, é recuperar o controlo público dos CTT. O país pode muito bem dispensar o pagamento de uma renda fixa a Francisco Lacerda e Manuel Champalimaud. Já saquearam que chegue.

Em 2005, poucos anos antes da explosão da crise financeira, um académico norte-americano, com uma vasta experiência acumulada em regulação bancária, publica um livro que ficaria célebre por explicar que a melhor forma de assaltar um banco é a partir da sua administração (The Best Way to Rob a Bank is to Own One).


Milhões de portugueses podem não ter lido a obra, mas percebem que a tese de William K. Black não excetua o nosso país. A história das falências e dos gigantescos buracos nas instituições bancárias nacionais como o BPN, BPP, BCP, Banif, BES ou mesmo a Caixa Geral de Depósitos e o Montepio Geral, não deixa margem para dúvidas: os metralhas estavam sentados nos conselhos de administração - que, convém referir, beneficiaram de sobremaneira da versão lusa do Mr. Magoo ser governador do Banco de Portugal.

A pirataria financeira custou-nos, só entre 2008 e 2016, 14,6 mil milhões de euros, o equivalente a mais do dobro do orçamento da Educação previsto para este ano e à construção de 27 novos hospitais centrais.

O que se passa actualmente nos CTT pode vir a inspirar Black a escrever uma sequela. Os Correios eram uma empresa pública lucrativa até serem totalmente entregues a privados em 2014. O governo PSD/CDS, que tratou de toda a operação, prometeu um processo de privatização exemplar que não lesaria o serviço universal postal, à data avaliado como um dos melhores e mais eficazes da Europa. Como é sabido, nada do que foi anunciado pela direita está a acontecer.

A ANACOM, num relatório publicado em Janeiro, avisa que a actual administração dos CTT já deixou 33 concelhos sem qualquer estação. Número que deverá subir para 48. O que significa que mais de 400 mil cidadãos e cerca de 15% dos concelhos portugueses ficarão sem qualquer posto oficial dos Correios. As reclamações com o serviço postal, que tem encarecido todos os anos, aumentaram 39 por cento. E a cereja no topo do bolo é a mais recente descoberta do regulador das comunicações de que a administração da empresa está a pendurar custos de funcionamento do Banco CTT no serviço postal, mascarando duplamente as contas. Por um lado, pretendia dar a ideia que o projecto bancário - tido como prioritário pela gestão privada - é perfeitamente viável, por outro, justificava os sucessivos aumentos de preços, cortes e despedimentos no serviço postal.

Ao mesmo tempo que o serviço tem piorado e ficado mais caro para os cidadãos, o conselho de administração tem-se remunerado principescamente e distribuído dividendos aos accionistas privados acima dos lucros da própria empresa: entregou 116 por cento dos lucros de 2016 e 208 por cento (!) dos lucros de 2017. Este ano reviu o "payout" em baixa e prevê entregar "apenas" 75 por cento dos lucros, o que continua a ser um valor absurdamente elevado. A presidência do processo de descapitalização em curso, daquela que já foi uma das mais prestigiadas empresas públicas nacionais, é Francisco Lacerda que, para a prestação deste serviço, aufere mais de 3 mil euros diários e cerca de 900 mil euros anuais. Como se prova, a melhor forma de roubar os Correios é administrando-os.

Manda o bom-senso que os assaltos sejam detidos. A única forma de o fazer, neste caso, é recuperar o controlo público dos CTT. O país pode muito bem dispensar o pagamento de uma renda fixa a Francisco Lacerda e Manuel Champalimaud, principal accionista dos CTT. Já saquearam que chegue.

Por: Fabian Figueiredo, dirigente nacional do Bloco de Esquerda 23-02-2019

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