Quando olhamos para os
números das sondagens,
todas elas catastróficas para
a direita, costumamos fazer
as contas em termos de
maioria absoluta para o PS,
centrando a nossa atenção no
próximo executivo. Contudo, para
além da discussão sobre quem vai
governar o país nos próximos
quatro anos, e a forma como o irá
fazer, há um outro número a que
convém começar a prestar a
devida atenção: 66,7%.
As sondagens mais recentes dão
o PSD a uma distância de mais de
15 pontos percentuais do PS; mas
dão mais do que isso — dão
também a esquerda (PS, Bloco,
PCP e PAN) próxima de somar os
67% que colocarão dois terços dos
lugares no Parlamento à sua
disposição. Ou seja, pela primeira
vez na história da democracia
portuguesa, podem acontecer
duas coisas, ambas trágicas para o
equilíbrio do sistema político tal
como o conhecemos:
1) A direita ficar à margem de uma revisão constitucional.
2) O Tribunal Constitucional ficar com uma supermaioria de juízes escolhidos em exclusivo pela esquerda.
Dir-se-á que António Costa não
está interessado em promover
uma revisão constitucional à
boleia da esquerda radical, até
porque o eleitorado que o elegeu
não compreenderia isso — não
estou assim tão certo, mas
suspendamos essa hipótese por
hoje. Concentremo-nos antes em
algo que já poderia ser bastante
mais tentador para António Costa
na era pós-“geringonça”: nomear
os próximos juízes do Tribunal
Constitucional através de
negociações com a esquerda, em
vez de negociar, como até agora
sempre aconteceu, à direita.
O Tribunal Constitucional é
constituído por 13 juízes. Dez são
eleitos pelo Parlamento (com
maioria de dois terços), três são
cooptados pelos seus pares. Todos
estão sujeitos a um mandato único
de nove anos. Neste momento,
existe paridade perfeita entre
esquerda e direita: cinco juízes
propostos por partidos de
esquerda; cinco juízes propostos
por partidos de direita; três juízes
cooptados, um mais à direita,
outro mais à esquerda, outro mais ao centro (isto não significa,
naturalmente, que as suas
votações sejam “ideologicamente
puras”, como vimos na altura da
troika).
Na próxima legislatura
(2019-2023), e segundo as datas
que estão inscritas no site do
Tribunal Constitucional, seis
desses 13 juízes terão de ser
substituídos, quatro dos quais já
em Julho de 2021: Fernando Vaz
Ventura, eleito por proposta do PS;
Maria de Fátima Mata-Mouros,
eleita por proposta do CDS; Maria José Rangel de Mesquita, eleita por
proposta do PS; e Pedro Machete,
cooptado. Um quinto juiz (Lino
Ribeiro) e um sexto juiz (João
Caupers), ambos cooptados, sairão
em 2022 e 2023, respectivamente.
Entre os sete juízes que
prolongarão o seu mandato para
além da próxima legislatura, há
quatro que foram propostos pelo
PS e três pelo PSD.
Como diria António Guterres, é
fazer as contas. Se a direita ficar
reduzida a um terço dos votos, e se
a esquerda unida decidir tomar o
Tribunal Constitucional de assalto,
é teoricamente possível que em
2023 existam dez juízes do TC
oriundos da esquerda, e apenas
três propostos pela direita. Sim, eu
sei que Portugal não é os Estados
Unidos, e que o Constitucional não
tem o peso, nem a tradição, do
Supremo. Mas recordo que o
Tribunal Constitucional foi a
grande paixão da esquerda
durante o Governo de Passos
Coelho. Não foi por acaso. O
estado calamitoso da direita
portuguesa não vai custar apenas a
cabeça a Rui Rio — pode muito bem
vir a custar uma alteração radical
nos equilíbrios políticos do país.
João Miguel Tavares - Jornalista
jmtavares@outlook.com
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