quarta-feira, 31 de julho de 2019

O efeito Centeno

O PS está obcecado com a maioria absoluta. Ou pelo menos com um resultado à tangente que lhe permita fazer um acordo com o PAN ou ter força política para aguentar um governo minoritário por algum tempo

Não vou investir muito mais tempo a escrever que Mário Centeno teve todas as condições para fazer a diferença e não o fez. É um facto. Há oportunidades que não se repetem. Não vai ser possível aumentar mais a carga fiscal, os juros da dívida pública não vão descer mais, a economia mundial já está a arrefecer. Tínhamos uma janela temporal para fazer as coisas. Centeno optou por aumentar despesa estrutural e cortar nas despesas normais de funcionamento. Veja-se o caso da CP. Anos a fio sem poderem contratar, anos sem poderem investir e agora está, desde o início do ano, à espera que as Finanças lhe paguem os milhões que lhe são devidos pelo serviço público (ver texto Economia pág. 12). O resultado está à vista, vão ser precisos dez anos para recuperar o normal funcionamento da empresa, porque alguém decidiu que a empresa não precisava de dinheiro. Foi uma opção. Uma escolha política. Mesmo assim a percepção em relação a Centeno é contrária.

Nem interessa que em quatro anos este Governo não tenha feito uma reforma. Uma que possa exibir com orgulho, uma que deixe uma marca positiva para as próximas gerações. Nada. A existência da ‘geringonça’ potenciou este desfecho. Se é verdade que em Portugal só a esquerda tem a oportunidade de ser reformista (por controlar a rua), sabe-se agora que a esquerda toda unida só funciona em marcha-atrás. As diferenças entre eles são tão grandes que juntos se tornam inamovíveis. É por isso que a noção do voto útil no PS ganha cada vez mais adeptos. A maioria absoluta é vista com uma necessidade. E essa necessidade está a aumentar, principalmente à direita, à medida que se percebe que Mário Centeno pode estar a caminho do FMI.

O ministro das Finanças tem a imagem de Ronaldo e, na prática, não interessa se nem sabe chutar a bola. Bastava existir para ser a desculpa perfeita para António Costa dizer não. Acredito muito pouco no génio político de Centeno. Acredito muito no génio político de Costa.

“Não, porque o ministro das Finanças, que até é presidente do Eurogrupo, não deixa” — deve ter sido um argumento usado até à exaustão. O polícia bom e o polícia mau na sua versão política. Com a saída de Centeno (que hoje não pensa em mais nada a não ser em liderar o FMI), abre-se todo um novo capítulo. A perda daquele capital político levanta fragilidades num futuro governo. Uma possível repetição da ‘geringonça’ seria muito mais frágil. António Costa sabe que ao reunir o poder só em si vai ter de ir mais para o centro perdendo a extrema-esquerda e tornando um novo acordo difícil de gerir.

Percebe-se então por que razão está o Governo obcecado com a maioria absoluta. Ou pelo menos com um resultado à tangente que lhe permita fazer um acordo com o PAN ou ter força política para aguentar um governo minoritário por algum tempo. Para o conseguir a estratégia passa por minorar os riscos que a podem pôr em causa, nomeadamente os fogos, os combustíveis e o início do ano escolar. A estratégia está escolhida desde o caso dos professores que mostrou que ser austero, duro e implacável teve resultados imediatos. Até aquele momento, António Costa seduzia todos. Governava ao centro com a esquerda, piscava o olha à direita com promessas de reformas que nunca quis fazer e geria o muito curto prazo. Agora basta arranjar um alvo, carregar sobre ele e fazer-se de vítima política. A estratégia, que já tinha sido testada com o enfermeiros, passa por isolar um sector profissional e diabolizá-lo. Agora, logo que há um fogo há alguém culpado por o iniciar. E lá vêm as insinuações de como é muito estranho aparecem tantos fogos ao mesmo tempo. Até conseguem arranjar um autarca para acusarem de ser responsável por não ter feito o que devia. Já nem interessa o facto de que há incêndios (e continuaram a existir) porque o interior está despovoado e entregue ao mato ou porque a reorganização do território prometida não tenha sido feita. E se em Agosto faltar gasolina ou bens nos supermercados, se tivermos turista a tomar banho com água fria, a culpa será sempre do motorista oportunista. Ou se as aulas recomeçarem entre protestos e greves, a culpa é dos professores. Não interessa sequer se é verdade, basta levantar a dúvida. Tudo para salvar a face e perder menos votos. Afinal, estamos em eleições.

João Vieira Pereira - -Expresso

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