terça-feira, 9 de julho de 2019

Maneiras de reconhecer um populista português moderno.

José Pacheco Pereira

A demagogia é uma componente importante do discurso populista, mas demagogia e populismo não
são a mesma coisa.

Os populistas modernos são, na sua maioria, de direita. Ou melhor, a sua acção comunica mais facilmente com partidos, organizações, homens de direita. Na Europa, nos dias de hoje, os movimentos e governantes populistas, seja no Brexit, seja na Alemanha, Polónia, Hungria, Itália e França, estão todos à direita do espectro político. Podem ficar muito incomodados com esta a afirmação, mas é assim. Não foi sempre assim, nem será sempre assim, mas hoje é assim.
O paralelo entre o populismo de direita e um inventado “populismo de esquerda” é uma das características do populismo moderno, que precisa de companhia para mostrar que vai mais longe do que a direita.
É vulgar ver em artigos de opinião essa comparação, mas é descuidada e falsa. As posições do PCP, do BE podem ser demagógicas, insustentáveis, irrealistas, mas não são populistas. Querer acabar com a propriedade privada, querer aumentos de salários, querer mais regalias para os sindicatos, atacar patrões e grandes
empresas, defender causas “fracturantes” são posições político-ideológicas muito distintas do populismo. No entanto, se tomadas em abstracto, estas podem emigrar para o discurso de direita. Alguns dos grandes populistas americanos, como o padre Coughlin e Huey Long no Luisiana, Fizeram alguns dos mais radicais discursos anticapitalistas.
A demagogia é uma componente importante do discurso populista, mas demagogia e populismo não são a mesma coisa. A demagogia está presente em todo o espectro político da direita à esquerda e, por si só, não caracteriza o discurso populista.
Este caracteriza-se principalmente pela dicotomia “nós” (o povo) e “eles” (os políticos, os poderosos).
Em Portugal, o populismo entrou pela primeira vez numa campanha eleitoral nas últimas eleições europeias. Os cartazes do Chega/Basta, que se encontram ainda colocados, são os primeiros a chegar ao espaço público com palavras de ordem claramente populistas. Foi só começo.

O terreno português do populismo é dominantemente o das redes sociais e do tipo de interacção que elas propiciam. Mas já passou daí para certos programas televisivos e para certo tipo de articulistas justicialistas, que vivem da “denúncia” e da indignação moral, e basta fazer uma lista dos casos para ver como são selectivos e dúplices na indignação. Em todos os casos têm audiências. O populismo ainda não passou nem para o voto, nem para a rua, embora seja uma questão de tempo.
O tema central do populismo é a corrupção, a real, a imaginária e a inventada. A corrupção é o estado natural da política e dos políticos, de “eles”. Ao não se distinguir entre a corrupção real e a inventada, o discurso torna-se genérico e sistémico. Ao atacarem o “regime” e o “sistema”, perceba-se que consideram a democracia o terreno ideal para a corrupção. Não é. É a ditadura, mas não vale a pena lembrar-lhes isso.
No populismo português o tema da corrupção é ainda mais dominante. Os partidos e movimentos na direita que quiseram utilizar outros temas do populismo contemporâneo, como seja a emigração, a islamofobia, ou temas conexos, falharam.
O populismo concentra os seus ataques nos procedimentos da democracia, vistos como uma forma de empecilhos para combater o “crime” e a “corrupção”. Isso inclui os direitos de defesa, as garantias processuais e, em particular, o ónus da prova, a obrigação de ser de quem acusa, que tem que provar.
Os seus heróis são magistrados e juízes. Não todos, mas alguns. E alguns comentadores, alguns blogues, alguns jornais, alguns programas de televisão.

O populista é um activista do ad hominem.
Quando fala e quando escreve, enuncia nas suas falas e nos seus títulos nomes de pessoas.
Depois, passa dos nomes para a família, para os amigos, para os companheiros de partido e por fim para “eles”. Os critérios da culpa são por contiguidade, familiar em primeiro lugar, relacional e partidária. A culpa é nomeada pessoalmente e depois torna-se colectiva. É de X, nome no título para vender, e porque é de X, é de “eles”.
Os populistas votam mais facilmente em determinado tipo de corruptos conhecidos ou até condenados, cuja política lhes parece próxima, do que “neles”. Várias eleições em Portugal mostram que a aparente indignação
contra a corrupção é muito pouco genuína e tem componentes políticas que implicam a duplicidade.
Os populistas estão sempre zangados, vivem num estado de excitação patológica, porque eles são sérios e o resto do mundo é desonesto, ladrão e corrupto. Quanto mais afastados do poder — por exemplo, quando a
conjuntura política favorece os “corruptos” no seu entender —, maior é a zanga. Existe uma forte sensação de impotência na zanga.
Quando os populistas, os políticos que eles gostam, os partidos que eles gostam, estão mais próximos do poder, a zanga transforma-se em arrogância e autoritarismo.
Os alvos dos populistas são aquilo que eles designam como elite. Os políticos, os funcionários públicos, os professores, os médicos, os enfermeiros, os motoristas, os sindicalistas, os que fazem greve. É uma lista
absurda, mas é a dos “privilegiados”. Embora na elite se incluam os banqueiros caídos em desgraça, quase nunca são referidos os principais grupos económicos, as famílias ricas e poderosas, os escritórios de advogados, os consultores financeiros, os dirigentes desportivos e os jogadores de futebol. No quadro de valores de um populista, fugir ao Fisco por parte de um político merece prisão perpétua, mas é uma
mera infracção num jogador de futebol.
Os populistas vivem do apodrecimento do sistema político democrático, da oligarquização dos partidos políticos, da indiferença ou do compadrio dos estabelecidos com a corrupção, da corrupção realmente existente, mas as suas soluções são piores do que os problemas. E são, na sua maioria, antidemocráticas e autoritárias. Há um micro-Bolsonaro dentro deles, mesmo quando juram não quererem nada com ele.

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