José Pacheco Pereira
A demagogia é uma
componente importante do
discurso populista, mas
demagogia e populismo não
são a mesma coisa.
Os populistas modernos são, na
sua maioria, de direita. Ou
melhor, a sua acção comunica
mais facilmente com partidos,
organizações, homens de
direita. Na Europa, nos dias de
hoje, os movimentos e
governantes populistas, seja
no Brexit, seja na Alemanha,
Polónia, Hungria, Itália e
França, estão todos à direita do espectro
político. Podem ficar muito incomodados
com esta a afirmação, mas é assim. Não foi
sempre assim, nem será sempre assim, mas
hoje é assim.
O paralelo entre o populismo de direita e
um inventado “populismo de esquerda” é
uma das características do populismo
moderno, que precisa de companhia para
mostrar que vai mais longe do que a direita.
É vulgar ver em artigos de opinião essa
comparação, mas é descuidada e falsa. As
posições do PCP, do BE podem ser
demagógicas, insustentáveis, irrealistas,
mas não são populistas. Querer acabar com
a propriedade privada, querer aumentos de
salários, querer mais regalias para os
sindicatos, atacar patrões e grandes
empresas, defender causas “fracturantes”
são posições político-ideológicas muito
distintas do populismo. No entanto, se
tomadas em abstracto, estas podem emigrar
para o discurso de direita. Alguns dos
grandes populistas americanos, como o
padre Coughlin e Huey Long no Luisiana, Fizeram alguns dos mais radicais discursos
anticapitalistas.
A demagogia é uma componente
importante do discurso populista, mas
demagogia e populismo não são a mesma
coisa. A demagogia está presente em todo o
espectro político da direita à esquerda e, por
si só, não caracteriza o discurso populista.
Este caracteriza-se principalmente pela
dicotomia “nós” (o povo) e “eles” (os
políticos, os poderosos).
Em Portugal, o populismo entrou pela
primeira vez numa campanha eleitoral nas últimas eleições europeias. Os cartazes do
Chega/Basta, que se encontram ainda
colocados, são os primeiros a chegar ao
espaço público com palavras de ordem
claramente populistas. Foi só começo.
O terreno português do populismo é
dominantemente o das redes sociais e do tipo
de interacção que elas propiciam. Mas já
passou daí para certos programas televisivos e
para certo tipo de articulistas justicialistas,
que vivem da “denúncia” e da indignação
moral, e basta fazer uma lista dos casos para
ver como são selectivos e dúplices na
indignação. Em todos os casos têm
audiências. O populismo ainda não passou
nem para o voto, nem para a rua, embora seja
uma questão de tempo.
O tema central do populismo é a corrupção,
a real, a imaginária e a inventada. A corrupção
é o estado natural da política e dos políticos,
de “eles”. Ao não se distinguir entre a
corrupção real e a inventada, o discurso
torna-se genérico e sistémico. Ao atacarem o
“regime” e o
“sistema”,
perceba-se que
consideram a
democracia o terreno
ideal para a
corrupção. Não é. É a
ditadura, mas não
vale a pena
lembrar-lhes isso.
No populismo
português o tema da
corrupção é ainda
mais dominante. Os partidos e movimentos na direita que
quiseram utilizar outros temas do populismo
contemporâneo, como seja a emigração, a
islamofobia, ou temas conexos, falharam.
O populismo concentra os seus ataques nos
procedimentos da democracia, vistos como
uma forma de empecilhos para combater o
“crime” e a “corrupção”. Isso inclui os direitos
de defesa, as garantias processuais e, em
particular, o ónus da prova, a obrigação de ser
de quem acusa, que tem que provar.
Os seus heróis são magistrados e juízes. Não
todos, mas alguns. E alguns comentadores,
alguns blogues, alguns jornais, alguns
programas de televisão.
O populista é um activista do ad hominem.
Quando fala e quando escreve, enuncia nas
suas falas e nos seus títulos nomes de pessoas.
Depois, passa dos nomes para a família, para
os amigos, para os companheiros de partido e
por fim para “eles”. Os critérios da culpa são
por contiguidade, familiar em primeiro lugar,
relacional e partidária. A culpa é nomeada
pessoalmente e depois torna-se colectiva. É
de X, nome no título para vender, e porque é
de X, é de “eles”.
Os populistas votam mais facilmente em
determinado tipo de corruptos conhecidos ou
até condenados, cuja política lhes parece
próxima, do que “neles”. Várias eleições em
Portugal mostram que a aparente indignação
contra a corrupção é muito pouco genuína e
tem componentes políticas que implicam a
duplicidade.
Os populistas estão sempre zangados,
vivem num estado de excitação patológica,
porque eles são sérios e o resto do mundo é desonesto, ladrão e corrupto. Quanto mais
afastados do poder — por exemplo, quando a
conjuntura política favorece os “corruptos”
no seu entender —, maior é a zanga. Existe
uma forte sensação de impotência na zanga.
Quando os populistas, os políticos que eles
gostam, os partidos que eles gostam, estão
mais próximos do poder, a zanga
transforma-se em arrogância e autoritarismo.
Os alvos dos populistas são aquilo que eles
designam como elite. Os políticos, os
funcionários públicos, os professores, os
médicos, os enfermeiros, os motoristas, os
sindicalistas, os que fazem greve. É uma lista
absurda, mas é a dos “privilegiados”. Embora
na elite se incluam os banqueiros caídos em desgraça, quase nunca são referidos os
principais grupos económicos, as famílias
ricas e poderosas, os escritórios de
advogados, os consultores financeiros, os
dirigentes desportivos e os jogadores de
futebol. No quadro de valores de um
populista, fugir ao Fisco por parte de um
político merece prisão perpétua, mas é uma
mera infracção num jogador de futebol.
Os populistas vivem do apodrecimento do
sistema político democrático, da oligarquização dos partidos políticos, da
indiferença ou do compadrio dos estabelecidos com a corrupção, da corrupção realmente existente, mas as suas soluções são
piores do que os problemas. E são, na sua maioria, antidemocráticas e autoritárias. Há um micro-Bolsonaro dentro deles, mesmo quando juram não quererem nada com ele.
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