sexta-feira, 5 de julho de 2019

O orgasmo no mapa do prazer feminino. Parte I

A experiência do orgasmo é subjetiva, variável e é difícil falar sobre ela porque. durante essa experiência, a nossa capacidade de observação está suspensa. Ainda assim, Ana Alexandra Carvalheira, psicóloga clínica, pediu a algumas mulheres uma breve descrição dessa experiência íntima que é o orgasmo.

Vera refere nunca ter conseguido chegar ao orgasmo com nenhum dos seus namorados anteriores nem com o atual com quem mantém uma relação há quatro anos. A Vera tem 32 anos, é médica, cresceu em Lisboa e tem o casamento marcado. Só consegue ter orgasmo na masturbação. Após três sessões terapêuticas, a Vera deu-se conta que não conseguia concentrar-se nos estímulos durante a atividade sexual. “Lembro-me de tudo e mais alguma coisa e estou sempre a pensar que mais uma vez não vou conseguir. Sou eu que me travo. Como posso distrair-me tanto numa coisa destas?!?”. Quando conseguiu manter o foco nos estímulos, o nível de excitação subiu até disparar o orgasmo.

Motivo de alegria para muitas mulheres, de frustração para outras, desconhecido para algumas, o orgasmo é desejado e perseguido pela maioria. Os orgasmos são todos diferentes, não há dois iguais, e todos são bem-vindos e agradecidos. Pode ser intenso, suave, fugaz, demorado, preguiçoso, sensível ou pode até nem aparecer. Porque nem sempre se consegue. Algumas mulheres conseguem tê-lo na masturbação mas não na relação sexual com o parceiro.

Mas que lugar ocupa o orgasmo no mapa do prazer feminino? É o único objectivo e um fim em si mesmo?

Se perguntarmos às mulheres umas dirão que sim, que é imprescindível, o principal objetivo, e outras dirão que não, que o orgasmo não é condição necessária e que pode haver prazer sem ele. Estamos no reino da diversidade e cada mulher tem a sua vivência. A experiência é única, pessoal e intransmissível. O orgasmo não tem necessariamente que ser a grande meta. O mapa do prazer feminino é mais complexo e rico. Está cheio de estradas, caminhos e atalhos, montes e vales e praias de areia cálida para serem descobertos e explorados. E o orgasmo feminino implica sempre um processo de descoberta e conquista a ser feito pela própria mulher antes de mais. O orgasmo não é nenhum prémio que nos seja dado na primeira relação sexual. É preciso descobrir os estímulos que funcionam e depois persegui-los porque são esses estímulos eróticos que fazem aumentar a excitação sexual até ao orgasmo. E os estímulos que funcionam aos 20 anos podem já não funcionar aos 30 ou aos 40. Os estímulos adequados e necessários aos 60 ou 70 anos já não são os mesmos que funcionavam aos 30. A sexualidade é um caminho que se vive até ao fim da vida e esta jornada tem muitas mudanças, assim a mulher queira e possa vivê-las. O que é relevante, é que para muitas mulheres, o orgasmo não é de caras. O orgasmo feminino exige algum trabalho, algum investimento. Primeiro, no conhecimento do próprio corpo, e a genitália feminina não é fácil porque parte dela está escondida, é interna. Depois, o investimento é no erotismo, um empreendimento que dura a vida toda. O erotismo é o mapa do prazer feminino, onde o orgasmo é um bom ponto de chegada, um ponto de encontro ou um ponto de partida.

A experiência do orgasmo é subjetiva, variável e é difícil falar sobre ela porque. durante essa experiência, a nossa capacidade de observação está suspensa. Ainda assim, pedi a algumas mulheres uma breve descrição dessa experiência íntima e subjectiva que é o orgasmo. Estas definições foram retiradas do meu livro “Em Defesa do Erotismo”* editado pela Saída de Emergência.

“Eu divido o orgasmo em dois. O solitário descoberto muito cedo, sempre fácil, alimentado por uma imaginação que mudou com o tempo, pequenos espasmos repetidos mas sempre uma sensação de desconsolo do tipo “É só isto?”. Infelizmente, o orgasmo com parceiro só o experimentei depois dos 40. Foi preciso libertar-me de preconceitos, uma educação ultra machista. Foram precisos dois homens diferentes. Este é sempre diferente, ou muito intenso, ou pequenino, ou o corpo se transforma, deixa um rio, ou parece que foi eletrocutado ou leva um pequeno choque e adormece. É um orgasmo dos dois. Não é só meu.”

Isabel, 43 anos

“O orgasmo é um momento em que nos libertamos totalmente e se dá uma explosão de prazer que se propaga como uma onda de energia e percorre todo o corpo, culminando numa sensação de plenitude e descompressão. É para mim essencialmente um momento de libertação e de cedência. Não sendo o objetivo, funciona como a tão desejada recompensa, o fogo-de-artifício depois da festa.”

Helena, 40 anos

“Naquele momento em que dispara, o orgasmo é só meu. Fecho os olhos e não quero saber de mais nada. É uma Fermata, uma suspensão no tempo, tudo pára e eu só sinto, sou só corpo e nada mais resta de mim. E só depois da última vibração eu abro os olhos, vou ao encontro dele, retomo o contacto e continuamos.”

Francisca, 45 anos

"O orgasmo é o único momento em que perder o chão é voo e não queda. A solo conheço o caminho, os atalhos, o pico mais alto e o regresso a casa. A par, a expressão do outro é catalisadora do voo, ainda que em ritmos diferentes; e o abraço é o ninho onde quero voltar. Tudo pára, o relógio, os desejos, os afazeres, o ontem e o amanhã, a força e a fraqueza. Plano sem controlo num céu de algodão doce, enquanto o coração volta devagarinho ao compasso normal."

Joana, 48 anos

"Um orgasmo para mim é 'presente puro'. A melhor maneira de meditar. O meu ser num estado sensitivo puro, onde a racionalidade não existe e meu corpo é tudo."

Raquel, 42 anos

"Desde jovem, e com o tempo, o orgasmo foi-se intensificando a nível de qualidade e duração. Durante o coito vaginal, pode acontecer ter vários orgasmos com intensidade e duração diferentes. No momento do mais intenso - que normalmente é o primeiro e está na origem dos seguintes - é como se toda eu derretesse e deixasse de ter um corpo com forma... fico desfeita... Várias vezes até, a emoção leva-me a lágrima ao canto do olho... No entanto esta plenitude só existiu com dois dos meus parceiros na minha vida."Morgana,62 anos

Anatomia do orgasmo feminino: O clitóris é o grande protagonista

O orgasmo feminino é mais difícil de definir do que o masculino, por um lado, porque não é acompanhado de uma ejaculação inequívoca como é nos homens, e por outro, porque é uma experiência muito subjetiva. Por vezes, pode mesmo acontecer a mulher não estar certa de o ter tido ou não.

O orgasmo é traduzido fisiologicamente por contrações da musculatura do terço externo da vagina. Apesar de fisiologicamente ter sempre a mesma expressão, pode ser provocado por vários tipos de estímulos.

Estudar o orgasmo é metodologicamente complicado e por isso permanece ainda mal compreendido. Podemos conceptualizar o orgasmo como um aumento da excitação sexual até um pico no qual alguns processos neurofisiológicos são desencadeados com as seguintes manifestações: sensação intensa de prazer; pequeno grau de alteração de consciência em que o processamento de informação está reduzido; sensações genitais que se espalham pelo corpo numa extensão variável; contrações musculares no pavimento pélvico (músculos à volta do ânus e da vagina que sustentam os órgãos abdominais) e possivelmente músculos uterinos. O mecanismo que faz a passagem da excitação para desencadear o orgasmo não é completamente conhecido.

Algumas mulheres são capazes de novos orgasmos, se a estimulação for continuada. Daí a designação que se generalizou perigosamente, de mulheres multiorgásticas.

O clitóris é imprescindível, direta ou indiretamente para desencadear o orgasmo.

O clitóris é uma estrutura interna, com dois corpos cavernosos-eréteis com 9 cm de comprimento, muito para além da pequena glande visível, externa, com 1 ou 2 cm. Esses corpos cavernosos têm a forma de asas de avião ou de “V” invertido e estão localizados por baixo dos pequenos lábios. Esta estrutura interna possui milhões de terminações nervosas e constitui o tecido mais enervado do corpo humano. Por conseguinte, é uma estrutura altamente sensível que aguarda ser estimulada. Existem ainda os bulbos vestibulares que são estruturas erécteis com conexões neurovasculares com os corpos cavernosos. A glande clitoridiana encontra-se na bifurcação dos pequenos lábios e é a única parte do clitóris que está visível.

A estimulação do clítoris pode ser mais direta (por exemplo, no sexo oral), ou mais indireta (na penetração vaginal). E para conseguir o orgasmo, toda essa estrutura - interna e externa - está envolvida. No entanto, a vagina não está excluída nesta cena, muito pelo contrário. Apesar de aí existirem menos recetores nervosos, a penetração vaginal é para muitas mulheres absolutamente fundamental na cena do prazer, havendo posições sexuais mais facilitadoras do que outras, o que mais uma vez depende de cada mulher e do momento que se vive. Pois bem, é a maravilhosa complexidade da genitália feminina, está quase tudo escondido.

No próximo artigo falaremos dos ingredientes para a experiência do orgasmo, do que é necessário para o fazer acontecer e também do que o pode perturbar e inibir.

Ana Alexandra Carvalheira

AMOR E SEXO

Ana Alexandra Carvalheira, é psicóloga clínica, licenciada pela Universidade de Cpombra e doutorada pela Universidade de Salamanca. É professora e investigadora no William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário. Realiza investigação na área da sexualidade, aliada à prática clínica que mantém desde 1997. É Terapeuta Sexual formada pela Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica em 1997, da qual foi presidente em 2013/14. É membro da International Academy of Sex Research e tem dezenas de artigos publicados em revistas científicas internacionais. O que mais gosta é do trabalho clínico com os clientes, onde mais aprende e de onde retira as questões que quer investigar. www.anacarvalheira.com

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